O desenvolvimento da luta exige uma nova postura dos comunistas

A evolução da situação política exige um novo e atualizado balanço da trajetória do movimento revolucionário do nosso país. Quando a União Reconstrução Comunista lançou o seu documento fundacional, diversos fenômenos que eclodiram no período recente estavam se maturando. De lá para cá, no interior de nossa organização amadureceu o debate sobre diversas questões relevantes para o conjunto do movimento comunista internacional. Revimos certas posições e aprofundamos outras, sempre com o intuito de afirmar e desenvolver uma linha política realmente revolucionária e marxista-leninista.
A história do Partido Comunista do Brasil em seu conjunto propicia aos revolucionários importantes lições para a construção de um novo movimento comunista em nosso país, que supere as debilidades ideológicas e orgânicas do movimento precedente. A fundação do Partido Comunista do Brasil, em 25 de março de 1922, representou o ponto de partida através do qual foram criadas condições objetivas e subjetivas para que o proletariado avançasse como protagonista dos acontecimentos políticos no país. O início do Partido Comunista do Brasil no cenário político brasileiro, influenciado pela vitoriosa Revolução Socialista de Outubro de 1917, na Rússia, foi o mais importante salto de qualidade na luta do nascente movimento operário brasileiro e representou grande amadurecimento ideológico por parte dos seus membros mais destacados, que em quase sua totalidade estavam inseridos no movimento anarquista.
O Partido Comunista do Brasil segue sua heroica e ziguezagueante trajetória
O final do século XIX e início do século XX no Brasil são marcados por históricos acontecimentos que abalavam os alicerces do velho regime. Em um país atrasado e oprimido pelo regime da grande burguesia compradora e dos latifundiários feudais e escravistas eclodiam inúmeras revoltas camponesas (“Guerra de Canudos”, Guerra do Contestado, a Revolta de Pau de Colher, o “Cangaço”) e levantes populares que expressavam as aspirações democráticas e libertadoras do povo brasileiro. O desenvolvimento da indústria (principalmente no setor têxtil) refletia o avanço relativo do capitalismo no Brasil e o consequente aumento do proletariado. O movimento operário levou a cabo importantes lutas, entre as quais poderíamos destacar as greves gerais de 1917, 1919 e a insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Nessa época, predominava no movimento operário ideologias pequeno-burguesas como o anarquismo e o anarcossindicalismo. Alguns líderes operários, que participaram desses movimentos, ao verem a sua derrota passam a buscar novos caminhos para lutar pela libertação da classe operária. Os camaradas Astrojildo Pereira e Octávio Brandão, ambos militantes de destaque do movimento operário e anarquista no Brasil, posteriormente desempenharam importante papel na fundação do Partido Comunista do Brasil. Em 1922, é fundado em Niterói, cidade do Estado do Rio de Janeiro, o Partido Comunista do Brasil – Seção Brasileira da Internacional Comunista (P.C.B - SBIC). Três meses após a fundação do Partido, eclode a Rebelião Militar do Forte de Copacabana. Esse acontecimento daria origem ao Movimento Tenentista, um importante movimento de caráter democrático-burguês, que lutava pela realização de reformas sociais de cunho progressista, combatendo as velhas oligarquias agrárias que dominavam o país. Outras revoltas militares ocorrem em 1925, em São Paulo e Rio Grande do Sul. Essas revoltas deram origem a Coluna Prestes liderada pelos militares Luís Carlos Prestes e Miguel Costa. A Coluna Prestes, inspirado pelas causas democrático-nacionais, percorreu mais de vinte e cinco mil quilômetros a pé pelo interior do Brasil durante mais de dois anos (1925-1927) com o objetivo de se derrubar o governo oligárquico de Arthur Bernardes e de se conquistar as tão necessárias reformas para a prosperidade da nação brasileira e concretização da independência nacional.
O Partido não soube interpretar de maneira correta o caráter dos acontecimentos em curso e abdicou de participar de maneira ativa do movimento democrático-burguês em ascensão. Em vez de lutar para tomar a liderança do movimento da burguesia nacional, adotou uma linha que estabelecia que o proletariado nada tinha a ver com o movimento que se desenvolvia no país. Por conta da sua imaturidade e baixa compreensão da teoria científica do proletariado, o Partido passa a repetir de maneira mecânica certas teses da Internacional Comunista, falhando em integrar o marxismo-leninismo com a realidade brasileira. Devido a tais limitações, o Partido não conseguiu se consolidar como uma organização capaz de influenciar os acontecimentos em curso e liderar a classe operária no caminho da Revolução.
A repressão acompanhou o Partido Comunista do Brasil durante toda sua existência enquanto organização revolucionária do proletariado, tanto que três meses após a sua fundação já havia sido colocado na clandestinidade. Ainda que tenha permitido sua atuação legal em brevíssimos períodos, sempre coibiu a livre atividade do Partido. Mesmo enfrentando grandes dificuldades, oriundas da intensa repressão reacionária, posteriormente o Partido teve forças para ir às massas e impulsionar importantes iniciativas políticas. Em 1930, fruto do desenvolvimento das agitações da década de 20, eclode o movimento armado de 1930, dirigido pela pequena-burguesia urbana e com a participação de amplos setores da classe operária. A figura que assumiu o governo após o triunfo da revolta armada de 1930 é Getúlio Vargas, personagem que exerceria grande influência na vida política do país. O governo Vargas implementou importantes transformações, entre elas a nacionalização do subsolo, a redução da jornada para oito horas diárias e o reconhecimento dos sindicatos. Mesmo tendo implementado tais reformas, o novo governo não foi capaz e nem tinha o interesse de por fim ao monopólio da terra por parte dos grandes latifundiários, nem tampouco combater a dominação imperialista. As forças armadas continuaram mantendo o seu caráter antidemocrático e antipopular. O novo governo representava assim uma aliança dos setores de direita da burguesia nacional com as classes dominantes reacionárias (grande burguesia e latifúndio). O Partido continua a sofrer intensa repressão por parte do Estado burguês-latifundiário.
Em 1933, o partido nazista alemão sobe ao poder e o fascismo converte-se a uma grande ameaça a toda a humanidade. Os comunistas de todos os países se mobilizam amplamente contra o nazifascismo. Em 1934 é criada a Aliança Nacional Libertadora. Com o crescimento do fascismo, que tinha na Ação Integralista Brasileira o seu principal representante, o Partido se esforçou para organizar e mobilizar as massas na luta contra o fascismo. Influenciado pelas teses da Internacional Comunista apoiou e impulsionou a formação da frente única antifascista e da Aliança Nacional Libertadora, que tinha como objetivo reunir em seu seio diversos setores democráticos e patrióticos da sociedade brasileira. Nessa época o Partido travava uma intensa luta contra os fascistas que estavam incrustados em vários círculos do governo Vargas. Pouco tempo depois de ser fundada, o reacionário Estado brasileiro aproveita para colocar a ANL na ilegalidade, período em que o Partido se transformou em força hegemônica na organização. Com uma atitude apressada e subjetivista, sem contar com o apoio das grandes massas operárias e camponesas, tendo como base de apoio social principalmente a pequena burguesia oriunda do Exército brasileiro e possuindo uma visão equivocada sobre como levar a cabo a revolução armada em um país semicolonial e semifeudal, em 1935 o PCB orienta a ANL para que se prepare para o movimento armado visando a tomada do poder.
Após o fracasso da insurreição de 1935, o Estado reacionário prepara uma forte investida repressiva que desmantela a organização revolucionária do proletariado. Em 1937, Vargas, através de um golpe, instaura o chamado Estado Novo. A repressão aos comunistas, que já era intensa, aumenta e o Estado brasileiro adquire feições fascistas. O Partido Comunista do Brasil só viria ser reorganizado após a realização da Conferência Nacional da Mantiqueira articulada pela Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP)[1], iniciativa de militantes revolucionários que se opuseram as teses liquidacionistas influenciadas pelo browderismo.[2]
Com posterior crescimento e fortalecimento do Partido, principalmente após a CNOP e o fim da Segunda Guerra Mundial, pode-se observar no interior da organização uma verdadeira luta pela assimilação correta dos princípios do marxismo-leninismo e pelo entendimento da realidade brasileira. Durante tal período, o Partido Comunista do Brasil levou a cabo importantes iniciativas como a campanha nacional de solidariedade à República Popular Democrática da Coreia, contra o envio de tropas brasileiras para combater ao lado dos Estados Unidos na Guerra da Coreia, solidarizando-se com os povos coreano e chinês na luta anti-imperialista e pela libertação nacional.
Como reflexo do temporário avanço das posições revolucionárias sobre as posições reformistas no seio do Partido, é lançado em 1950 o famoso “Manifesto de Agosto” que caracteriza a sociedade brasileira como semicolonial e semifeudal, o Estado brasileiro como uma ditadura conjunta de grandes capitalistas e latifundiários serviçais do imperialismo e estabelece a luta armada – tendo o campo e as regiões rurais como ponto de apoio fundamental, cercando as cidades pelo campo – como único caminho para a tomada do poder pela classe operária.
O Manifesto de Agosto de 1950 sistematizou o avanço na prática revolucionária do Partido Comunista do Brasil durante os anos 1940-1950 e apontou, ainda que com limitações, o correto caminho a ser seguido pela luta revolucionária. Influenciado pelo Manifesto de Agosto, o PCB liderou o levante agrário de Porecatu, no norte do Paraná, chegando a libertar uma área de 40 km² onde viviam trezentas famílias, e armando um pequeno exército de aproximadamente quatrocentos camponeses que durante anos lutaram pela posse de suas terras e combateram a polícia, latifundiários e pistoleiros. Apesar da vitória do levante de Porecatu, que terminou com os camponeses conquistando a propriedade sobre suas terras, não foi lograda e consolidada a aliança operário-camponesa, e a vitória se limitou às aspirações democráticas como a liquidação do latifúndio.
Com a derrota das posições revolucionárias no seio do Partido e o avanço do reformismo, o PCB voltou atrás no que havia afirmado no Manifesto de Agosto de 1950 e retrocedeu para o revisionismo. Como consequência, a luta armada camponesa do sul da Bahia que, na mesma época, sacudia a região contra a exploração dos latifundiários, não foi apoiada pelo Partido. Vários acontecimentos na arena internacional viriam contribuir para a consolidação do revisionismo no seio do PCB.
Situação Internacional agudiza a capitulação do Partido Comunista do Brasil
O mesmo período de meados da década de 1950 é marcado por contradições e retrocessos. Em 1956, todos os comunistas e progressistas do mundo que viam a URSS como farol emancipatório, esperavam ver as diretrizes a serem tomadas no primeiro Congresso do PCUS após a morte de Stalin. Stalin, revolucionário bolchevique desde sua juventude, que após a morte de Lenin se mostrou como o principal continuador da causa do comunismo, esteve à frente da construção socialista da União Soviética durante mais de duas décadas. Sob sua liderança, a URSS foi capaz de realizar sua industrialização socialista e garantir uma vida digna para todos os povos do país em plena crise mundial do imperialismo. Combateu as tendências oportunistas de direita e de esquerda (bukharinismo e trotskismo) que surgiram no Partido e dirigiu o processo de coletivização da agricultura. Em 1936 a União Soviética aprova uma nova constituição, que consagra diversos direitos fundamentais históricos, o que colocava a pátria do proletariado mundial na vanguarda do processo civilizatório. Em uma época onde o povo negro era perseguido e linchado nas ruas dos Estados Unidos, a URSS estabeleceu a primeira constituição que criminalizava o racismo. Ainda sob a direção leninista de Stalin, a URSS foi a grande responsável pela libertação da humanidade do nazi-fascismo e pela derrota do eixo Alemanha-Itália-Japão. Stalin também teve o mérito de combater os oportunismos, de direita e de esquerda, para minar a contrarrevolução, e mesmo após a derrota do fascismo e contando com mais de 70 anos de idade, rechaçou o dogmatismo e o sectarismo dentro do PCUS, contribuindo grandemente para o desenvolvimento da teoria revolucionária marxista-leninista. Combateu energicamente todas as manifestações do revisionismo no seio do Partido e no Movimento Comunista Internacional, vide sua luta contra o revisionismo de Josep Broz Tito. Tais feitos renderam a Stalin um enorme prestígio entre o proletariado internacional e os povos oprimidos do mundo, que se referiam ao líder dos povos da URSS e do Partido Comunista como “Libertador da Humanidade” e “Genial Guia dos Povos”. Conta-se que cerca de quatro milhões de pessoas participaram do seu velório em Moscou[3], dando amostras claras de que Stalin realmente defendeu a classe operária e seu poder político.
No entanto, alguns equívocos da antiga direção revolucionária de Stalin, na condução da luta de classes sob o socialismo, criaram as condições para a subida da ala direitista do Partido, representada por Khrushchev a partir do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética[4], realizado em 1956, que representou o início do divórcio da URSS com a construção de uma nova sociedade. No tão famoso XX Congresso do PCUS, o revisionista Nikita Khrushchev, que na época se encontrava à frente do partido, deu grande ênfase em atacar a direção revolucionária de Stalin, sob o pretexto de se “retornar ao leninismo” que, nas palavras de Khrushchev, havia sido deturpado por Stalin, e de “combate ao culto à personalidade”. Contudo, não se retornou ao leninismo – o mesmo leninismo que era agora posto por terra – e não se combateu o “culto à personalidade” (“culto” este substituído então pela ausência de uma direção revolucionária).
As duas principais teses do XX Congresso foram a de que a força do bloco socialista poderia apaziguar conflitos internacionais, fazendo com que agora as guerras não mais seriam inevitáveis, e a tese segundo a qual nos países onde o Partido Comunista ainda não havia tomado o poder, a passagem do capitalismo para o socialismo poderia se dar pacificamente. Posteriormente, no XXI Congresso ocorrido em 1959, superestimaram dogmaticamente sua própria realidade e defenderam que as bases para o comunismo já estavam consolidadas, com a URSS alcançando a sociedade sem classes por volta de 1980(?), ignorando as diversas contradições ainda existentes na sociedade socialista que devem ser superadas para se abrir caminho ao comunismo (contradição entre cidade e campo, trabalho manual e intelectual, luta de classes no seio do partido, etc.), não levando a cabo a transformação revolucionária das relações de produção para efetuar uma passagem gradual às relações de produção comunistas, bem como das relações ideológicas, daí afirmando lamentavelmente que a etapa da ditadura do proletariado havia sido superada na URSS, e que agora então o Estado Soviético seria um “Estado de todo o Povo” e o partido dirigente, o PCUS, também não seria mais o destacamento avançado da classe operária, e se convertera em um “Partido de todo o Povo”. Ao rejeitarem que ainda haveria luta de classes no socialismo por um logo período de tempo, abriram caminho para os diversos tipos de oportunistas e burgueses ganharem força e se infiltrarem cada vez mais no Estado e no Partido, sabotando o próprio socialismo, promovendo crescente a desideologização não só do Partido, mas também do Exército e da sociedade soviética como um todo. Como não enxergavam os problemas que apareciam como produto das classes que desejavam criar obstáculos na construção do socialismo, e que a partir delas se avançariam os ventos da contrarrevolução, usaram de métodos capitalistas para “resolver” tais problemas, como a adoção do lucro como principal critério de produção das empresas, afrouxamento da planificação econômica, se estabelecendo cada vez maior separação entre as empresas socialistas e o Estado, e entre os produtores diretos e os meios de produção, e criando uma camada privilegiada afastada das massas, cujo interesse era obstaculizar a construção do socialismo, sendo uma nova ala burguesa no seio da sociedade e do Partido.
Dito isto, fica nítido que os interesses de Khrushchev e da nova direção soviética em liquidar Stalin não eram “combater o culto à personalidade” nem “retornar ao leninismo”, mas sim atacar Stalin a fim de fazer prevalecer suas teses direitistas, abandonando os princípios do marxismo-leninismo, fazendo subir a ala burguesa do Partido na orientação do PCUS, o transformando em um partido revisionista. A partir de 1956, o PCUS regrediu para posições cada vez mais contrarrevolucionárias. No campo internacional, impôs que os Partidos Comunistas do mundo abandonassem a luta armada contra a burguesia e o imperialismo e adotassem o parlamento como meio principal de luta. Segundo tal teoria, que ficou mundialmente conhecida como “transição pacífica ao socialismo”, o proletariado evitaria choques frontais contra as velhas forças reacionárias em prol de uma suposta coexistência pacífica da URSS com os países do Ocidente. Além disso, defendia a postura conciliadora de que o desenvolvimento do socialismo na URSS e nas democracias populares do Leste Europeu, por si só, daria conta de abrir caminho para o socialismo em países outrora capitalistas.
Reflexos do XX Congresso do PCUS no Brasil
A Declaração de Março de 1958 do PCB, influenciada pelo XX Congresso do PCUS revisionista, marcou o a capitulação do Partido ante as posições khrushchevistas. Sob o pretexto de mostrar que o PCB de fato não era uma organização mantida por forças estrangeiras, como vociferava a reação brasileira, o Partido rebaixou sua ideologia e retirou todas as referências ao Marxismo-Leninismo e ao Internacionalismo proletário em seu programa e estatuto. Em seu programa, entendia-se a transição do capitalismo ao socialismo como uma evolução quantitativa divorciada de rupturas e saltos qualitativos.
De maneira coerente com a guinada revisionista do PCB após 1958, a luta revolucionária pela tomada do poder político pelo proletariado foi substituída desde então pela “luta pelo desenvolvimento” e o cretinismo eleitoreiro, ambas influenciadas pela “transição pacífica ao socialismo” do XX Congresso do PCUS.
Na suposta “Revolução democrática” defendida pelo PCB, estavam incluídos entre as forças nacionais e anti-imperialistas mesmo setores de latifundiários e grandes capitalistas burocrático-compradores ligados ao capital imperialista. Negava-se a necessidade da direção do proletariado na Revolução democrático-popular (condição indispensável para a vitória das Revoluções democráticas de novo tipo na época do imperialismo e das Revoluções proletárias) e que somente a construção do destacamento armado do proletariado, o Exército Vermelho, garantiria a independência e a direção do proletariado sobre todas as demais classes revolucionárias na Revolução democrática.
Superestimava-se o “desenvolvimento capitalista” da época, que se manifestava no apoio ao governo pró-imperialista de Juscelino Kubitschek, sem levar em conta que o que existia não era o “desenvolvimento capitalista”, mas sim o aprofundamento do saque imperialista contra a nação brasileira e o avanço do capital estrangeiro que passava a controlar setores cada vez mais estratégicos da economia nacional, impossibilitando o país de desenvolver setores tão importantes para a industrialização (como a indústria de bens de capital e demais bens de tecnologia) mediante a política de substituição de importações via a importação de pacotes tecnológicos de países desenvolvidos, deixando o desenvolvimento econômico do Brasil sob total controle de especuladores estrangeiros e das grandes multinacionais estrangeiras, quebrando a indústria nacional dos pequenos e médios capitalistas. Em 1961, sob o pretexto de se conquistar a legalidade, mudou-se o nome da organização de “Partido Comunista do Brasil” para “Partido Comunista Brasileiro”. A partir de então, o Partido Comunista do Brasil é liquidado e substituído por uma agremiação oportunista-revisionista, afundada no eleitoralismo e no cretinismo parlamentar, agora como “Partido Comunista Brasileiro”.
A Reorganização do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
Os principais seguidores da linha revisionista se articularam em torno da figura de Luiz Carlos Prestes - principal liderança do partido até então -, que concordou integralmente com as novas teses reformistas e oportunistas adotadas pelo PCUS. A defesa do Marxismo-Leninismo e do caminho revolucionário da luta armada ficou a cargo de dirigentes como Pedro Pomar, Maurício Grabois e João Amazonas. Após a publicação da famosa “Carta dos Cem” em agosto de 1961, onde cem militantes do Partido Comunista Brasileiro criticaram as ações administrativas e oportunistas do Comitê Central do Partido ao realizarem as alterações no programa e no estatuto (retirando as referências ao Marxismo-Leninismo e ao internacionalismo proletário) sem a presença do Congresso partidário, ficou demonstrado o caminho revisionista enveredado pelo PCB. Por iniciativa do grupo revisionista reunido em torno de Luiz Carlos Prestes, parte dos militantes que assinaram a Carta dos Cem de agosto de 1961 foram expulsos do PCB revisionista.
A ala revolucionária, expulsa da organização, argumenta que “não poderiam ser expulsos de um partido da qual nunca fizeram parte”, a saber, o PCBrasileiro. Decidem, então, reorganizar o original Partido Comunista do Brasil. A partir de 1962, passa a existir no Brasil dois partidos comunistas: um que adere integralmente às teses revisionistas pró-soviéticas (PCB) e outro que luta por assimilar corretamente o marxismo-leninismo. Em um primeiro momento, os dirigentes que reorganizaram o Partido Comunista do Brasil não haviam compreendido totalmente o significado das mudanças que estavam sendo operadas na URSS e tentaram estabelecer contatos com o PCUS revisionista. Não demorou para que fossem acusados pelo próprio Khrushchev como “liquidacionistas”. O Partido estabeleceu contatos com organizações revolucionárias como o Partido do Trabalho da Coreia, o Partido Comunista de Cuba e o Partido do Trabalho da Albânia. Ao se desenvolver a luta entre revisionismo e marxismo-leninismo no seio do Movimento Comunista Internacional, o Partido Comunista do Brasil, corretamente, se coloca do lado do Partido Comunista da China, liderado pelo camarada Mao Tsé-Tung.
Aos poucos, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), reorganizado, vai adquirindo musculatura própria e construindo sua linha justa, marxista-leninista. O Partido percebe, naquele momento, as contradições da teoria “foquista” cubana (rompendo com esta teoria, chamada de “guerra particular”, pequeno-burguesa) e desenvolve, através do documento de 1969 intitulado “Guerra Popular, caminho da luta armada no Brasil”, a linha de Guerra Popular, próxima do Pensamento Mao Tsé-tung. Prepara-se neste instante a luta guerrilheira no Norte do Brasil, no antigo Estado de Goiás (hoje Tocantins), região do Araguaia. Num primeiro momento somente alguns militantes do PCdoB sabem sobre as preparações para a guerrilha rural. O Partido inicia um trabalho de aproximação com as massas trabalhadoras da região e vai formando – aos poucos – colunas guerrilheiras que resistem heroicamente a vários ataques das Forças Armadas regulares, caindo no último desses ataques. Vários militantes são mortos em combate e em covardes sessões de tortura e execuções sumárias. Após o fim deste evento que ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia, o PCdoB inicia um processo de debate interno sobre os erros cometidos nessa experiência. A maioria do então Comitê Central (liderados pela figura destacada de Pedro Pomar) resolve criticar a minoria (liderada por João Amazonas e Ângelo Arroyo) pelos erros cometidos na guerrilha. A minoria, sem autorização do CC publica o documento “Gloriosa jornada de luta” destacando o heroísmo do Araguaia e acobertando os erros. Os debates entre as duas concepções, guerra popular e glorificação da guerrilha do Araguaia, criam substância para uma correção dos erros do PCdoB, mas, o ataque das forças de repressão à sede provisória do CC no bairro da Lapa em São Paulo, faria com que caíssem todos os membros do CC presentes (com exceção de dois) e o assassinato brutal de Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond (este assassinado nos porões do DOI-CODI em São Paulo), figuras chave no processo de autocrítica partidária.
A linha justa com que Pedro Pomar lutava para implantar no PCdoB era a linha de preparação das massas para a Guerra Popular. A ideia central de Pomar em sua última intervenção antes de morto, era de que seria necessário “formar uma sólida base de apoio no campo e desenvolver o núcleo de um futuro exército popular, poderoso, capaz de vencer as forças armadas a serviço das classes dominantes e do imperialismo ianque”. O Partido perde muito com a morte desses militantes, principalmente com as perdas de Maurício Grabois (morto no Araguaia) e Pedro Pomar, assassinado na Lapa. Sem estes grandes vultos, revolucionários de fato, o PCdoB inicia uma caminhada rumo ao revisionismo (num primeiro momento de esquerda, depois, assumindo uma postura claramente de direita). Revisionismo este que domina o Partido até os dias atuais e o coloca como organização historicamente superada para se construir a luta pelo socialismo no Brasil. Consideramos que, mesmo com o estabelecimento de uma linha política que no geral era correta, ainda nessa época o Partido cometeu graves erros, erros estes que também foram cometidos por outros destacamentos do proletariado internacional. Em uma determinada etapa do seu desenvolvimento, a luta antirrevisionista levada a cabo por forças avançadas do Movimento Comunista Internacional se desviou para o ultra-esquerdismo, ao reconhecer apenas a China e Albânia como países socialistas.
Luiz Carlos Prestes, a “Carta aos Comunistas” e o “esquerdismo”
É importante que reconheçamos o papel valoroso de Luiz Carlos Prestes ao apresentar, em 1980, a sua famosa “Carta aos Comunistas”, documento onde ele expõe os motivos que levaram a sua ruptura com o chamado “Partido Comunista Brasileiro”, já apodrecido até a medula. Prestes, de maneira corajosa e honesta, reconhece que foi o principal responsável pela liquidação do Partido Comunista do Brasil pelo revisionismo e o oportunismo. Critica as posições oportunistas e revisionistas do PCB, que, segundo ele, se manifestavam na forma de “[...] passividade, falta de inciativa e, inclusive, ausência dos comunistas na vida política nacional de hoje. [...]” Prossegue ainda: “Sem me propor, nesta carta, a analisar as causas profundas que determinaram a situação a que chegou o movimento comunista em nossa Terra, considero, no entanto, necessário tornar claros os meus pontos de vista sobre algumas questões fundamentais, de forma que os companheiros e amigos possam julgar sobre sua justeza. Ao mesmo tempo, quero deixar claro que não me eximo de minha parcela de responsabilidade e me considero o principal responsável pelos erros e deformações existentes no PCB. Minha atitude não é de fugir à necessária autocrítica – em palavras e na prática —, mas, ao contrário, de tomar a iniciativa de torná-la pública, procurando, assim, contribuir para o avanço da luta pelos ideais socialistas em nosso País e para a reorganização do movimento comunista do Partido Comunista”.
Tal foi a postura correta de um revolucionário que agiu de maneira franca, reconhecendo seus erros mesmo após décadas mantendo uma prática oportunista. Eis a maneira como devemos analisar a figura de Prestes.
Na autocrítica considerada como um todo, porém, seus erros e limitações devem ser postos num plano primário em relação a seus méritos em denunciar o oportunismo do antigo Partido Comunista Brasileiro. Se tomarmos como autocrítica o balanço crítico do revolucionário de sua atitude e retificação dos erros passados para o avanço a uma prática qualitativamente superior, chegamos a concluir que o conjunto da autocrítica de Prestes passou longe de prestar seu correto papel. Num dos mais importantes documentos que compôs todo o seu processo de autocrítica durante os anos 80, “Aprender com os erros do passado para construir um Partido novo, efetivamente revolucionário”, Prestes erra quase que inteiramente em explicar o porquê da degeneração do PCB pelo revisionismo. Ao contrário do problema da questão ideológica e da enorme influência que o reformismo sempre exerceu no Partido, Prestes atribui à III Internacional e à linha da Revolução democrática-nacional, agrária e anti-imperialista a responsabilidade pelos fracassos, cometendo o absurdo de caracterizar o Brasil, já no final do século XIX, como um país capitalista. Eis um ponto nos quais teremos que nos deter mais profundamente, a fim de evitar determinadas confusões que possam advir de tais escritos. Vejamos: “Onde estão, porém, as raízes dos erros cometidos? [...] Olvidando que nosso país conquistara a independência política no princípio do século XIX e que no fim do século surgira a burguesia industrial, já na época do imperialismo e, por isso, já nascida como uma burguesia dependente e associada do imperialismo, negávamos já em pleno século XX que a formação econômico-social no Brasil fosse a capitalista, embora desde o início marcada como dependente, mas de qualquer forma capitalista. Víamos o Brasil como um país semicolonial e chegamos a afirmar que dependia da eliminação da dominação imperialista e da liquidação do latifúndio o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esta falsa apreciação nos levou, ainda em 1945, a definir o caráter da revolução brasileira como democrática-burguesa, transpondo ao nosso Partido aquilo que Lenin, com acerto, afirmava para as condições da Rússia czarista de 1905. Negando o caráter capitalista da economia brasileira, aplicávamos mecanicamente e esquematicamente, em nosso país, as teses para os países coloniais e semicoloniais aprovadas pelo VI Congresso da Internacional Comunista”.
As palavras ditas por Prestes são confusas para qualquer um familiarizado com as experiências da prática revolucionária do proletariado ao longo do século XX, principalmente quando nos referimos à prática do proletariado das colônias e das semicolônias! Diz-se que o “grande erro” dos comunistas brasileiros do século passado foi ter considerado o Brasil como uma semicolônia e de ter aplicado “mecanicamente” as teses do VI Congresso da III Internacional para as colônias e as semicolônias, que as teses sobre uma Revolução democrático-burguesa para desenvolver um “capitalismo autônomo” foram corretas para a realidade da Rússia (?!) e que, com efeito, essas eram as orientações dadas pela III Internacional aos comunistas brasileiros e que foram por eles devidamente aplicadas. Nada mais longe da verdade.
Qual era, pois, a situação da economia brasileira a fins do século XIX e início do século XX? Dados disponibilizados pelo historiador soviético Boris Koval, em seu História do Proletariado Brasileiro de 1857-1967, dão conta de esclarecer que, em 1887, um ano antes da “abolição”[5], de 1/3 à metade da força de trabalho brasileira era ainda composta por escravos, sendo o restante composto por camponeses feudais ou semifeudais. O proletariado, no sentido moderno do termo (o operário livre, despojado de meios de produção, que vende sua força de trabalho ao capitalista em troca de salário), praticamente não existia, sendo o “proletariado”, na verdade, ainda um trabalhador artesanal ou semi-artesanal que produzia para a venda, esta que por sua vez garantia suas condições de existência. O censo de 1920 mostrava que o proletariado brasileiro (mesmo após a grande expansão das relações capitalistas de produção durante os anos da Primeira Guerra Mundial, em que as potências capitalistas realizaram menos investimentos no Brasil, permitindo assim que o proletariado nativo tivesse um maior desenvolvimento), apesar de sua grande combatividade mostrada durante as greves de 1917, seguia sendo uma camada ainda pequena da sociedade, composta por 297 mil indivíduos. Deste contingente, contudo, 83,6 mil não eram proletários de fato, estando ainda inseridos na forma artesanal de produção. 18,1 mil eram considerados “operários das usinas de açúcar”, não sendo, a rigor, proletários, pois a esmagadora maioria destes era ainda composta por camponeses que faziam trabalhos sazonais nas grandes plantações latifundiárias (semiproletários) ou por “foreiros”, “moradores”, “camaradas” e demais tipos de trabalhadores inseridos em formas feudais de exploração. Fazendo tais ressalvas, o contingente do proletariado moderno, de fato, caia para somente 196 mil indivíduos, em uma população estimada em cerca de 30 milhões de pessoas. As indústrias de bens de capital, metalúrgicas, de engenharia, etc. não tinham um papel relevante na indústria do Brasil. Ao contrário, os ramos da indústria do período inicial do desenvolvimento do capitalismo – têxtil, alimentícia e extrativista – eram responsáveis por 89,3% do valor da produção industrial, ao passo que à indústria moderna cabia somente 10,7% daquele valor.
Ainda que a escravidão tenha sido abolida em 1888, o Brasil não havia atingido as condições necessárias para o desenvolvimento de uma economia capitalista[6]. Após 322 anos de exploração colonial e quase um século de exploração semicolonial, que prossegue até os dias de hoje, não sobraram para o país sequer migalhas do saque ao qual foi submetido. Quando as condições objetivas impossibilitavam o surgimento de uma economia de tipo capitalista, o Brasil realizou, em 1822 e 1888, respectivamente, a transição da economia feudal-escravista e colonial para a economia feudal-escravista e semicolonial e, depois, para a economia semifeudal e semicolonial. A realidade contradiz, pois, o erro das concepções subjetivistas de Prestes expostas em sua autocrítica.
Prestes não percebia que o tipo de capitalismo que se desenvolvia no Brasil era justamente o capitalismo burocrático. No Brasil, o capitalismo não surgiu de uma Revolução democrático-burguesa liderada pela burguesia que liquidou o regime de produção feudal, ou por meio de uma via reformista do desenvolvimento capitalista. Ao contrário, o capitalismo surge em nosso país como fruto da expansão imperialista aos países atrasados, que expande as indispensáveis relações capitalistas de produção necessárias para manter a dominação imperialista sobre o conjunto da nação brasileira. O capitalismo não surge, aqui, em oposição ao feudalismo ou à dominação estrangeira (como se deu historicamente em países como Inglaterra, França, Bélgica, Holanda, Estados Unidos, etc.), mas de maneira fortemente atada aos mesmos. Sobre isso, diz o relatório da III Internacional sobre o movimento revolucionário nas colônias e semicolônias: “Onde quer que o imperialismo necessite de apoio social nas colônias, ele se alia primeiramente com a camada dominante da estrutura social retrógrada, como os senhores feudais e a burguesia comercial, contra a maioria do povo. Em todos os locais, o imperialismo procura preservar e perpetuar todas as formas pré-capitalistas de exploração (especialmente no campo), onde servem de base para a existência dos aliados reacionários. O aumento da fome e das epidemias, particularmente entre o campesinato pauperizado; a expropriação em massa das terras da população nativa, as condições desumanas de trabalho (nas plantações e nas minas dos capitalistas, e assim por diante), são muitas vezes ainda piores do que a escravidão aberta. Tudo isso mostra o efeito devastador entre a população colonial e frequentemente leva à ruína de nacionalidades inteiras. A “missão civilizatória” dos Estados imperialistas nas colônias é, na realidade, a de um carrasco.” [...] “Desde que, entretanto, a exploração colonial pressupõe o incentivo à produção colonial, isso é feito de maneira e em tal grau que corresponde aos interesses das metrópoles e, em particular, com os interesses da preservação de seu monopólio colonial. Uma parte do campesinato, por exemplo, pode converter seu cultivo de grãos em produção de algodão, açúcar, borracha (como no Sudão, Cuba ou Egito), mas isso é feito de uma forma que não só não promove o desenvolvimento econômico independente do país colonial, como, ao contrário, reforça sua dependência sobre a metrópole imperialista. A verdadeira industrialização do país colonial, em particular a construção de uma indústria de engenharia que promovesse o desenvolvimento independente das forças produtivas, não é incentivada, mas, ao contrário, é entravada pela metrópole.” [...] Por conta da intervenção imperialista (imposição de taxas, importação de produtos industriais das metrópoles, etc.), a transformação do campo pela economia mercantil e monetária é acompanhada pela pauperização do campesinato, pela destruição da indústria artesanal no campo, etc., processo que avança de maneira muito mais rápida do que no caso dos países capitalistas centrais. Por outro lado, o retardamento do desenvolvimento industrial impõe estreitos limites ao processo de proletarização. A enorme desproporção entre o alto grau de destruição das velhas formas de economia e o baixo grau de desenvolvimento das novas levou que países como China, Índia, Indonésia, Egito, etc., se tornassem terras de fome, de sobrepopulação agrária, especulação e extrema fragmentação da terra cultivada pelo campesinato. As deploráveis tentativas de se introduzir reformas agrárias sem causar danos ao regime colonial são facilitadas pela conversão gradual de latifundiários semifeudais em latifundiários capitalistas, que em certos casos cria um estrato limitado de camponeses kulaks. Na prática, só leva à pauperização ainda maior da imensa maioria dos camponeses, que por sua paralisa o desenvolvimento do mercado interno. Na base de tais processos econômicos contraditórios, as mais importantes forças sociais do movimento colonial se desenvolvem”.
Prestes confunde a burguesia nacional (média burguesia) com a grande burguesia burocrático-compradora atrelada ao imperialismo. Daí ter passado a negar a possibilidade de alianças com ela. Prestes confunde a Revolução democrático-burguesa de velho tipo – leia-se: o modelo de desenvolvimento capitalista seguido por países como Inglaterra, França e Estados Unidos – com a Revolução democrático-popular de novo tipo (a Revolução nacional-democrática de tarefas anti-imperialistas e antifeudais, dirigida pelo proletariado e seu partido, em aliança com as grandes massas camponesas e demais forças nacionais e anti-imperialistas)[7] orientada pela III Internacional, que nos dias de hoje pode ser corretamente entendida pelos comunistas de todo o mundo por conta da sistematização de novas experiências pela prática revolucionária do proletariado do Terceiro Mundo.
Ao contrário do que é defendido por Prestes, o documento “Teses sobre o movimento revolucionário nos países coloniais e semicoloniais” (aprovado no VI Congresso da III Internacional Comunista, em 1928) não possui uma única linha sequer falando sobre incentivar os comunistas dos países coloniais e semicoloniais a “lutar para desenvolver um capitalismo autônomo”. Nenhuma confusão deve ser feita quanto às enormes diferenças que existem entre levar a cabo a luta contra o imperialismo, o feudalismo e o capitalismo burocrático sob a direção do proletariado e do Partido Comunista na Revolução Democrática e andar a reboque da burguesia nacional, na luta por uma Revolução burguesa de velho tipo – categoria de Revolução que não mais pertence à nossa época, que é essencialmente a época do imperialismo e das Revoluções proletárias, onde a burguesia já se converteu numa classe reacionária e historicamente superada para levar a cabo quaisquer transformações de cunho democrático e anti-imperialista em países semicoloniais. Tal tarefa cabe precisamente ao proletariado organizado no Partido Comunista.
O fracasso da insurreição de 1935 deveu-se principalmente, como já assinalamos anteriormente, às concepções oportunistas de esquerda, putchistas e subjetivistas no seio do Partido que, desprezando a necessidade de se dedicar durante um longo período ao persistente trabalho de organização do proletariado para a Revolução, sem levar em conta o caráter semifeudal e semicolonial da economia brasileira que demandava de maneira urgente a resolução do problema da terra e, consequentemente, a aliança com as grandes massas camponesas para estender a luta armada ao campo, materializou uma errônea concepção puramente insurrecional da luta armada. Nas zonas urbanas, muito pouco se fez na questão da organização e mobilização da classe operária e das massas pequeno-burguesas (estudantes, intelectuais, pequenos funcionários, pequenos comerciantes, etc.) para a luta. Indo na total contramão às persistentes indicações da III Internacional sobre a fundamental importância das massas camponesas para a Revolução Brasileira, nenhuma nesga sequer de trabalho foi realizada para mobilizar os camponeses e trabalhadores agrícolas contra a tirania dos latifundiários.
Ainda que de conteúdo essencialmente incorreto, as teses absurdas de Prestes seguem influenciando até hoje dezenas de organizações que reivindicam o socialismo e o comunismo. Praticamente todas elas negam que a Revolução Brasileira se desenvolverá por meio de etapas, criticando o que chamam de “reformismo etapista”. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que colocamos Luís Carlos Prestes no seu devido lugar de grande comunista e patriota, devemos também apontar seus desvios, erros e limitações que foram constantes em sua longa vida de serviço à Revolução.
A verdadeira Revolução Democrática
A realidade mostra, portanto, a justeza, a atualidade e a necessidade de se levar a cabo, nos dias de hoje, a Revolução democrática, agrária antifeudal e anti-imperialista para se derrubar, no Brasil, o domínio do imperialismo, feudalismo e capitalismo burocrático, representados nas classes dos compradores, capitalistas burocráticos, grandes latifundiários e capitalistas monopolistas estrangeiros, principalmente norte-americanos. As tarefas da Revolução brasileira não diferem, em essência, do conteúdo das Revoluções chinesa, coreana, cubana, vietnamita, argelina, albanesa e outros países, ainda que o nível de desenvolvimento capitalista do Brasil seja muito maior do que o desses países nessa época. Uma das grandes confusões atuais a respeito da revolução brasileira, principalmente entre aqueles que tentam criticar as bandeiras nacionais e democráticas, é a confusão entre as tarefas a serem realizadas e as forças motrizes que levarão a cabo estas tarefas. Apontar o caráter democrático e anti-imperialista de uma revolução tem por consequência reconhecer meramente que as tarefas a serem realizadas são majoritariamente nacionais, democráticas e anti-imperialistas, mas não implica defender a teoria menchevique das duas revoluções, tampouco a defesa de uma etapa de desenvolvimento capitalista autônomo. Pelo contrário, apontar isso pressupõe se evidenciar a natureza de novo tipo desta revolução, cujo programa é de cunho democrático e nacional, mas de novo tipo por ter à frente o proletariado como força motriz dirigente a desempenhar este programa; a burguesia na época do Imperialismo não tem capacidades de dirigir uma revolução democrática, e um desenvolvimento capitalista autônomo é impossível de ser concretizado na atual fase imperialista do capitalismo. Segundo Lenin: “só o proletariado poderia levar até o fim a revolução democrática, a condição de que, como única classe consequente revolucionária da sociedade atual, leve atrás de si a massa camponesa à luta implacável contra a propriedade agrária dos latifundiários e o Estado do regime da servidão”. Se de um lado, a posição esquerdista, de rejeitar as bandeiras nacionais e anti-imperialistas, apenas leva ao isolamento e chauvinismo, do outro, a posição direitista da teoria das duas revoluções, e defesa de um desenvolvimento capitalista autônomo leva ao seguidismo e perda de independência de classe. Daí a primeira condição para a vitória do socialismo nos países dependentes é a agitação de bandeiras democráticas e anti-imperialistas, e a libertação nacional nestes só pode ser efetivamente concretizada caso se passe para a etapa da construção do socialismo. Para tal, a revolução democrática deve garantir a hegemonia do proletariado organizado a fim de que se efetue seu caráter ininterrupto (sem intervalos) até o socialismo. A realização das tarefas democráticas imediatas, então, não cria a velha democracia burguesa ou um capitalismo independente, mas sim cria as condições para o socialismo, abrindo caminho a ele, diferente das revoluções burguesas clássicas. A Revolução Democrática ininterrupta até o socialismo, como Mao apontou: “não dará lugar à ditadura da burguesia, mas sim à ditadura da frente única das classes revolucionárias sob a direção do Proletariado”, e nesse sentido, se estabelecendo uma unidade entre a Revolução Democrática e a Revolução Socialista, a palavra de ordem que adotamos não é pelo “desenvolvimento autônomo”, mas sim a derrubada do Imperialismo para construir o socialismo.
Assim, a Revolução democrática de novo tipo, agrária antifeudal e anti-imperialista é uma Revolução dirigida pelo proletariado que leva atrás de suas principais reivindicações as várias outras classes oprimidas pelo domínio do imperialismo, como os camponeses pobres e médios, a pequena-burguesia urbana e rural, e, em determinadas condições, mesmo a burguesia nacional[8]. O Brasil ainda é um país que não conquistou sua verdadeira independência e está totalmente submetido ao imperialismo nos planos político, econômico e cultural. A Revolução Democrática dará conta de destruir as bases político-econômicas que garantem a dominação imperialista em nosso país, confiscando o capitalismo burocrático-comprador e realizando a Revolução Agrária no campo. A Revolução Democrática exige, necessariamente, a destruição de toda estrutura do Estado burguês-latifundiário e a edificação de um novo Estado dirigido pelo proletariado e o seu partido de vanguarda, onde existirá a mais ampla democracia para as massas populares e a ditadura para a minoria de reacionários e parasitas despejados do poder. Estamos falando de uma Revolução e não de reformas ou “conquistas” de governos “democráticos e populares” no âmbito da ordem burguesa. Enganam-se aqueles que acreditam que a Revolução Democrática poderá ser realizada por uma via parlamentar e pacífica.
Nunca, em momento algum de nossa história, nosso país conquistou sua independência política. Um país que depende de outros para a produção de seus meios de subsistência sempre será, também, em todos os outros aspectos, um país dependente e submisso. Se se considera o termo “independência política” como a existência de uma República democrático-burguesa formalizada – ainda que fantoche do imperialismo e da reação – chegamos à conclusão que todos os países do mundo conquistaram sua independência política e que, portanto, não devemos sequer falar em colonialismo ou semicolonialismo, e que qualquer luta pela soberania ou dignidade nacionais seria uma manifestação de “chauvinismo”.
O oportunismo hoje
Do lado oposto aos defensores da tese da “revolução sem etapas” estão os defensores do chamado “projeto nacional de desenvolvimento”. O grande representante dessa linha dentro da “esquerda” brasileira é o atual PCdoB. Este partido há um bom tempo passa por um grande processe de degeneração, que se intensifica após a morte de João Amazonas. A morte de Mao Tsé-tung e a chegada de Deng Xiaoping ao poder na República Popular da China causou confusão no seio do Movimento Comunista Internacional, fazendo com que alguns desses partidos que reivindicavam o Marxismo-Leninismo entrassem em profunda crise ideológica e organizativa. Alguns desses partidos passaram a criticar não somente as reformas pró-capitalistas de Deng Xiaoping, mas o próprio pensamento Mao Tsé-tung, que durante anos guiou o Partido Comunista da China em sua luta pela construção do socialismo. Seguindo as teses de Enver Hoxha, esses partidos concluíram que Mao Tsé-tung era um representante do revisionismo moderno. No Brasil, João Amazonas defendeu essas posições de caráter esquerdista e sectário. Ao mesmo tempo em que internacionalmente adotava um discurso “esquerdista”, alinhado a Albânia, no plano da política interna o Partido caminhava a reboque de elementos pseudo-democráticos da burguesia nacional e da própria Burguesia Burocrática, adotando na prática uma linha política oportunista de direita, ainda que o grau de degeneração do Partido estivesse bem longe de poder ser comparado com o que ocorre com atual PCdoB. A queda da URSS e da Albânia Socialista exerceram uma forte pressão ideológica sobre o PCdoB, que reviu uma série de teses e conceitos que havia defendido no período anterior, se reaproximando de partidos que outrora apoiaram o revisionismo soviético, bem como se aproximando de partidos dirigentes de países que o Partido não considerava socialista, como Cuba, Coreia e China. Em 1992, em seu 9º Congresso, o PCdoB realiza uma crítica à Stalin, ainda que formalmente não condene em bloco a obra do dirigente soviético. Em nossa opinião, ainda que certas atitudes corretas – como a do reconhecimento da República Popular Democrática da Coreia e Cuba como países socialistas – de um modo geral a linha do partido aprofundava um caminho oportunista de direita.
Na luta contra o golpe de Estado se desenvolveu em nosso país, é justamente o PCdoB revisionista que sustentou a posição mais direitista dentro do movimento popular. Atuam como verdadeiros representantes da burguesia no seio do movimento operário, característica que pode ser facilmente comprovada por fatos recentes. Foi o PCdoB um dos primeiros partidos a chamar pela realização de “eleições gerais”, que na prática apenas legitimariam o golpe de Estado patrocinado pelo imperialismo Estadunidense. O PCdoB, apesar de fazer bastante alarde sobre a luta contra o Golpe, na prática aplica uma linha política que não compreende as consequências políticas sociais criadas por ele, se iludindo e alimentando a ilusão no parlamento burguês e a via legalista de combate ao Golpe. A confusão em suas fileiras é generalizada, pois o golpe de certa maneira desmascarou por completo as teses revisionistas defendidas por esse Partido. Esse partido vende aos seus militantes a ridícula tese de que o socialismo no Brasil seria alcançado por meio de um chamado “projeto nacional de desenvolvimento”. Utiliza a palavra de ordem de que o “socialismo é o rumo” e o “projeto nacional” é o caminho. Essa tese é mais revisionista do que as teses evolucionistas difundidas por destacados representantes do oportunismo como Bernstein, Kautsky e outros representantes do velho oportunismo. Defendem a ideia de que é possível alcançar o socialismo de maneira gradual, evolutiva, ainda que falem abstratamente em “rupturas”. O programa do PCdoB é uma cópia mal feita das velhas teses desenvolvimentistas defendidas por elementos da burguesia nacional na década de 50 e 60 do século passado. É de cabo a rabo um programa que objetiva colocar o proletariado a reboque da burguesia. Uma defesa de um programa com esse caráter, neste caso, é particularmente triste, tratando-se de uma organização que reivindica o legado do PCdoB de Grabois e Pedro Pomar, já que esses foram as principais figuras que se opuseram aos desvios nacionalistas-burgueses e reformistas que se apoderaram da direção do Partido Comunista ainda em 1958. Desmascarar o revisionismo do atual PCdoB é uma tarefa imperiosa para o nosso trabalho político e ideológico.
O neoliberalismo no Brasil e a posição dos partidos políticos diante do imperialismo e do movimento operário
O chamado “neoliberalismo”, que chegou com força em nosso país nos anos 90, e que segue vigente até os dias de hoje, apenas reforçou o caráter semicolonial da sociedade brasileira. O “neoliberalismo” é a ofensiva geral do imperialismo contra os povos do mundo, em especial o das nações dependentes, e a sua aplicação nos países do chamado terceiro mundo apenas aprofundou o domínio neocolonial do imperialismo. A aplicação do neoliberalismo também produziu resultados nefastos em muitos países europeus, incluindo países imperialistas, penalizando sua classe operária e demais setores das massas populares. Ainda assim, é importante lembrarmos que o chamado “neoliberalismo” não representa o “fim do estado” como apregoam certos ideólogos burgueses e até pretensos marxistas. As classes dominantes sabem que não podem prescindir de seu Estado para reproduzir seus valores e seu poder. O Estado é um órgão de dominação de classe, que segue existindo enquanto houver sociedades divididas em classes sociais. Até mesmo as privatizações realizadas no Brasil na década de 90 foram impulsionadas pelo velho Estado, com ampla ajuda e financiamento do BNDES. A essência do “neoliberalismo” consiste, portanto, na retirada e destruição completa dos direitos mínimos adquiridos pelas massas populares ao longo do século XX e uma ofensiva do imperialismo sob as economias já débeis dos países de terceiro mundo. Uma parcela da chamada “esquerda” brasileira acredita que é possível destruir o que chamam de neoliberalismo por meio da formação de um governo de tipo “pós-neoliberal” que recuperaria a capacidade de investimento e planejamento do Estado, colocando-o a serviço de um “projeto nacional desenvolvimentista” com “democracia” e “distribuição de renda”. As forças políticas que defendem tais teses oportunistas (PT, PC do B, PSOL, PDT) estão, em maior ou menor medida, todas elas comprometidas com a manutenção e defesa do velho Estado. Representam objetivamente setores da pequena e média burguesia nacional, que apesar de possuírem certas contradições com o imperialismo, não estão dispostas a levar até o fim a luta consequente contra ele, tendendo a capitular diante da reação. No campo da direita burguesa encontra-se partidos apodrecidos como PSDB, Democratas e PMDB, com apoio da velha imprensa (Abril, Globo). Não raro, como forma de se opor às políticas do PT e outros partidos de esquerda da pequena e média burguesia, esses partidos recorrem ao fascismo aberto, vendendo para o povo a ideia de que o PT é um “partido de comunistas” e que a ordem e os valores da “família brasileira” se encontram ameaçadas pela corrupção e pelo “radicalismo” de “baderneiros” liderados pelo petismo. Utilizam os seus holofotes midiáticos para jogar todo o conjunto dos movimentos populares no colo do petismo, ao mesmo tempo em que tentam desmoraliza-los perante as massas. Esses partidos direitistas representam as classes mais reacionárias. São os partidos dos grandes capitalistas, latifundiários, militares entreguistas e demais elementos diretamente atrelados ao imperialismo. Estimularam e apoiaram de modo entusiasta o golpe de Estado ocorrido no país.
A URC, o Movimento Comunista Internacional e os países que ainda reivindicam o socialismo
Como já falamos, a linha política estabelecida durante o XX Congresso do PCUS provocou o caos e a cisão do Movimento Comunista Internacional. A grande maioria dos Partidos Comunistas da época ficaram ao lado da linha revisionista estabelecida pelos soviéticos. Em cada um desses países os revisionistas expulsaram os marxista-leninistas de suas fileiras, abrindo o espaço para a criação de outras organizações e estruturas comunistas. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), reorganizado em uma Conferência em 1962, surge desse processo. Esses Partidos se colocam do lado da China Popular e Albânia, que na época denunciavam abertamente o revisionismo moderno. A evolução da situação objetiva, tanto na URSS, quanto na China e Albânia, produziu uma situação que agravou ainda mais a divergência entre as posições em luta. Na década de 70, a URSS com sua política de defesa da “soberania limitada” dos países socialistas, agravou o sentimento nacionalista—burguês de vastos setores da população, ao mesmo tempo em que passa a intervir de uma maneira ainda mais intensa nos assuntos internos desses países. Os partidos que governavam os países socialistas se encontram impossibilitados de traçar e desenvolver uma linha política justa, correta, dado o revisionismo de suas direções. O avanço do revisionismo nesses países é acompanhado da paulatina reintrodução das relações de produção capitalistas, que culminam com a Perestroika e a Glasnost.
Na China, a derrota da Revolução Cultural e a prisão dos quatro oficiais do Partido Comunista da China, Wang Hongwen, Yao Wenyuan, Jiang Qing, Zhang Chunqiao, chamados pejorativamente de “Bando dos Quatro” faz com que Deng Xiaoping e os seus colaboradores voltem a dirigir o país. A partir de 1978 o Partido Comunista da China passa a adotar uma política conhecida como política de “Reforma e Abertura”. A China passa a permitir a entrada do capital estrangeiro, alegando que tal capital contribui para o desenvolvimento das forças produtivas. Apesar de ser apresentado como uma política de total sucesso, na verdade o início das reformas na China foi acompanhado também pelo reaparecimento de diversos problemas que haviam sido destruídos com a Revolução Chinesa (corrupção, tráfico de drogas, prostituição, etc.). O sistema de saúde universal e público foi desmantelado, bem como o sistema das Comunas Populares no campo, que representavam a consolidação das relações de produção socialistas e a base da aliança operária e camponesa. Na década de 90 o Partido Comunista da China passa a defender a tese de que estaria construindo um “socialismo de mercado”, onde mecanismos de planificação e mercado seriam utilizados como forma de desenvolver as forças produtivas.
A queda da URSS produz um novo e duro golpe ao Movimento Comunista Internacional. Tal golpe não atingiu somente as forças que eram diretamente ligadas ao revisionismo da URSS, mas atinge também os partidos que eram aliados da China e Albânia. Ao mesmo tempo em que a vitória completa da contrarrevolução na URSS e Leste Europeu impõe uma dura crise ao movimento operário de um modo geral, abre-se também o espaço para o ressurgimento e o restabelecimento do Movimento Comunista Internacional, agora sob novas bases. Muitos partidos que outrora apoiaram a linha do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, passam agora a fazer autocrítica dessa linha, desenvolvendo uma posição mais próxima aos princípios básicos do Marxismo-Leninismo. Ainda que possamos apontar certas limitações na linha de alguns desses partidos, esse acontecimento não pode deixar de ser saudado como algo positivo. Outros partidos buscam reorganizar o MCI tendo como base as ideias de Enver Hoxha ou Mao Tse-tung, negando assim reconhecer que a queda da URSS impõe uma mudança de postura de todos aqueles que lutam contra o revisionismo e se batem pelo estabelecimento de uma linha política correta, realmente Marxista-Leninista. Negam a possibilidade de um avanço positivo em direção ao Marxismo-Leninismo de muitos grupos que outrora ficaram do lado da URSS. Os partidos que se enquadram nessa posição, não reconhecem o caráter socialista de países como Cuba e República Popular Democrática da Coreia. No entanto, de um modo geral, predomina no conjunto do Movimento Comunista Internacional, posições oportunistas de direita e “esquerda”. As posições de direita no seio do Movimento Comunista Internacional predicam o apoio programático aos socialdemocratas e reformistas e advogam a participação dos partidos comunistas no âmbito da administração dos estados burgueses. Adotam um programa que, no máximo, possui um caráter democrático-burguês genérico e defendem a diluição do partido em frentes e movimentos eleitoreiros de caráter eclético. Os partidos comunistas europeus que sustentam posições oportunistas de direita, ou seja, os falsos partidos comunistas defendem a União Europeia e suas instituições. Sustentam suas posições abertamente revisionistas alegando estarem “renovando” o Marxismo. Classificam como datadas as teses leninistas sobre a organização política do proletariado. As posições de “esquerda”, por outro lado, avaliam que no capitalismo atual não existem mais as contradições entre países opressores e oprimidos. Da correta premissa leninista que estabelece que o imperialismo é um sistema mundial, concluem que todos os países são países imperialistas, já que eles fazem parte da “pirâmide imperialista”. Recusam-se a reconhecer que o imperialismo estadunidense é a força imperialista principal, contra o qual o movimento operário revolucionário deve dirigir os seus golpes. Não raro, de maneira confusa, esses partidos comunistas de “esquerda” apresentam como “revoluções socialistas” os processos avançados de libertação nacional dirigidos por setores radicalizados da burguesia nacional (vide o caso da Venezuela).
A restauração do capitalismo na URSS e no Leste Europeu e o consequente avanço da contrarrevolução mundial não foi o suficiente para derrubar do poder os Partidos Comunistas de Cuba, China, Coreia, Vietnã e Laos. Esses países seguem afirmando defender o socialismo e o comunismo. Avaliamos que, no caso dos países que defendem o chamado “socialismo de mercado” (China, Vietnã e Laos), o restabelecimento da propriedade privada dos meios de produção é a principal fonte dos problemas sociais que esses países atravessam. São países onde as relações de produção capitalistas já são hegemônicas, o que leva ao consequente surgimento de uma nova burguesia, que aos poucos exige participação política e amplia sua dominação econômica sobre vastos setores da população. Possuem uma linha abertamente revisionista, ainda que possamos reconhecer que no interior desses Partidos existam partidários do marxismo-leninismo. No caso da China, a introdução da chamada política da “Tripla Representatividade”, que viabilizou a entrada de burgueses no Partido, é uma clara demonstração desse processo. A burguesia chinesa começa a estender os seus tentáculos para outros países por meio da exportação de capital, obrigando o governo da República Popular da China estabeleça acordos com os países imperialistas por reserva de mercado em vastas regiões da África e Ásia. Vale destacar que ainda que existam esses acordos, a tendência é o aprofundamento das contradições entre China e os países imperialistas.
Em Cuba, particularmente desde a realização do 7º congresso do Partido Comunista, se aprofunda um processo de reforma econômica na ilha. Os cubanos chamam esse processo de reformas de “atualização do modelo econômico socialista”. Diversas medidas que beneficiam o desenvolvimento da pequena propriedade, principalmente no setor de serviços (restaurantes, pequenos hotéis, cabelereiros, etc.) foram tomadas. Algumas dessas mudanças foram iniciadas ainda no chamado “período especial”, mas se intensificaram nos últimos anos. O país se abre cada vez mais para o investimento de capital estrangeiro. Segue existindo diversos tipos de cooperativas na agricultura e as fábricas seguem sendo propriedade socialista. Ao contrário do caso chinês, vietnamita e laosiano, não é possível afirmar que as relações de produção capitalistas são hegemônicas.
A República Popular Democrática da Coreia adota uma política bastante diferente das experiências acima analisadas. O Partido do Trabalho da Coreia afirma se guiar pelo “kimilsunismo-kimjongilismo”, que seria a teoria que encarna a “ideia Juche”. Desenvolvida pelos comunistas coreanos, a ideia Juche surge da aplicação dos princípios básicos do marxismo-leninismo à realidade coreana, dando respostas a certos problemas que não teriam sido tratados pelos fundadores da teoria científica do proletariado, estabelecendo o princípio que “o homem é dono de tudo e decide tudo.” Dado a situação de brutal cerco militar, bloqueio econômico e ocupação do sul da península por tropas estadunidenses, se faz necessário o investimento pesado em defesa, bem como a elevação do Exército Popular, dirigido pelo Partido do Trabalho da Coreia, no instrumento mais importante para a preservação do socialismo. Os coreanos dão o nome de “Songun” a tal política. Do ponto de vista econômico, o país segue adotando a economia planificada como princípio regulador básico de uma economia socialista e rechaça o caminho das chamadas “reformas de abertura”. Ainda que permita o investimento estrangeiro em setores extremamente limitados, os tipos de propriedade predominantes são a propriedade cooperativa e a estatal de todo o povo. Na política externa, o país adota uma posição coerente com o seu caráter socialista e anti-imperialista, o que faz que a RPDC seja alvo constante de ataques e demonizações da imprensa capitalista-imperialista. Recentemente o Partido do Trabalho da Coreia realizou o seu 7º Congresso, que reafirmou a linha estabelecida por Kim Il Sung, Kim Jong Il e agora continuada por Kim Jong Un.
Partidos Comunistas dirigem importantes lutas de libertação nacional e social em países como as Filipinas e a Índia. Em nosso trabalho internacional é de fundamental importância desenvolver iniciativas de solidariedade aos povos e aos Partidos Comunistas desses países. Também devemos ter uma posição solidária em relação aos processos nacionalistas, democráticos e anti-imperialistas em curso em países como Venezuela e Bolívia, que no momento passam por uma intensa campanha de desestabilização promovida pelo imperialismo estadunidense.
Conclusão
Devemos colaborar com organizações que possuam a mesma análise (ou semelhante) sobre a realidade brasileira. Também devemos construir os nossos próprios veículos de comunicação e propaganda, visando divulgar as propostas transformadoras que defendemos e a construção e unidade do movimento comunista brasileiro. Na luta contra o revisionismo, é necessário levarmos em consideração as contradições que existem no seio das diversas organizações que reivindicam o Marxismo-Leninismo, incluindo as contradições que existem dentro do PCdoB revisionista. No desenvolvimento de certas atividades, como por exemplo a da solidariedade internacional, a luta contra a guerra imperialista, a defesa dos refugiados, etc., é possível o estabelecimento de frentes de atividades conjuntas com certas organizações e grupos que consideramos possuir uma linha reformista, revisionista ou ultra-esquerdista, desde que elas não comprometam o conteúdo e o caráter de nossa linha política. Definitivamente necessitamos romper com qualquer postura de cunho meramente legalista e nos concentrarmos na criação dessa concepção, que deverá ser balizada por uma linha política que estabeleça tarefas e prioridades. Por “romper com qualquer postura de cunho meramente legalista” nos referimos ao fato de não podemos ter nenhuma ilusão quanto ao caráter “democrático” do estado brasileiro e suas respectivas instituições. É importante deixarmos claro: o Estado burguês-latifundiário brasileiro e consequentemente o imperialismo são os nossos principais inimigos. Temos que denunciar de maneira enfática o Golpe de Estado em curso.
O que estamos nos propondo a construir é algo ousado, mas temos certeza que dará seus frutos caso saibamos atuar com inteligência, sempre nos apoiando nas massas populares e servindo-as.
DOCUMENTO FUNDACIONAL DA UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA, PREPARADO EM 2013 QUANDO DA SUA FUNDAÇÃO E REVISADO EM 2015
NOTAS:
[1] A Comissão Nacional de Organização Provisória foi formado em 1941 por diversos militantes comunistas que tinham como objetivo reconstruir o Partido Comunista do Brasil, após a brutal repressão empreendida pelo Estado Novo. O CNOP convocou em 1943 a histórica Conferência da Mantiqueira, que elegeu Luis Carlos Prestes como Secretário-Geral do Partido. Os principais quadros responsáveis pela construção da CNOP foram: Pedro Pomar, Maurício Grabois, João Amazonas, Diógenes de Arruda Câmara, Amarílio Vasconcelos, Júlio Sérgio de Oliveira e Mário Alves.
[2] Browderismo: corrente revisionista contrarrevolucionária surgida nos Estados Unidos e formuladas por Earl Browder, então Secretário-Geral do PCEUA.
[3] Ver livro "Stalin, um Novo Olhar", de Ludo Martens.
[4] Ver artigo "Os 60 anos do XX Congresso do Partido Comunista da URSS", publicado na Revista Nova Cultura #7.
[5] Usamos aqui o termo ‘abolição’ entre aspas pelo fato de o governo brasileiro haver decretado, em 1888, o fim da escravidão mediante onerosas indenizações aos antigos proprietários de escravos. O poder dos antigos proprietários de escravos – agora, senhores de terras feudais – longe de se abalar com a abolição, fortaleceu-se sensivelmente com os novos “resgates” feitos pelo governo brasileiro aos latifundiários feudais.
[6] O historiador Nelson Werneck Sodré, em seu Formação Histórica do Brasil, enumera as condições necessárias para a transição do regime de produção pré-capitalista para o capitalista: (I) a existência de uma produção simples de mercadorias suficientemente desenvolvida e em processo de desintegração em que os poucos artesãos e camponeses enriquecidos se transformam em capitalistas; e os muitos arruinados, em operários assalariados; (II) a existência de uma acumulação primitiva, seja decorrente da atividade comercial e predatória, seja decorrente da expropriação violenta e em massa de camponeses e artesãos; (III) a existência de uma massa de trabalhadores sem posses, pessoalmente livres mas privados dos meios de produção e de subsistência, obrigados por isso a trabalhar mediante salário para os capitalistas; (IV) a existência de uma enorme acumulação de riqueza em dinheiro, necessária para a criação das grandes empresas capitalistas.
[7] Antes da Primeira Grande Guerra Imperialista (1914-1918) e da revolução russa de outubro (1917), a revolução de caráter democrático era de tipo velho, quer dizer, dirigida pela burguesia liberal. Após o acontecimento dos supracitados eventos, a revolução democrática passou a ser de um tipo novo. Por que? Porque após tais acontecimentos históricos, uma parcela considerável da frente capitalista mundial fora sepultada e a partir deste momento ela passou a necessitar mais do que nunca do retraimento do desenvolvimento da maior parte dos países do globo para sua sobrevivência, e também por ter sido consolidado o primeiro Estado socialista, este que estava disposto a dar um suporte ativo aos movimentos de libertação nacional nas colônias e semicolônias*. Na etapa atual em que se encontra o capitalismo, toda revolução nacional-libertadora nos países coloniais e semicoloniais é direcionada contra a burguesia monopolista e o imperialismo e, portanto, ela é de um tipo novo. Estas revolução não são aliadas do capitalismo mundial, pelo contrário, são inimigas dela e por isso devem caminhar em direção ao socialismo. As revoluções democráticas de nossos dias são completamente rechaçadas pelo imperialismo, este que vê em tais processos a destruição de sua dominação sobre os países coloniais e semicoloniais. E por serem anti-imperialistas e por abalarem os alicerces do capitalismo mundial, as revoluções democráticas de nossos dias, ou seja, de tipo novo, contarão com o total apoio dos países socialistas e do proletariado internacional e justamente por tais fatores, estas revoluções são o prelúdio da revolução proletária socialista em todo o globo. É por esta razão que o dirigente da vitoriosa revolução chinesa (1949) Mao Tsé-tung, em seu célebre trabalho “Sobre a Democracia Nova” aponta que a “revolução chinesa é parte da revolução mundial”. Muitas organizações com seus palavrórios “ultrarrevolucionários” e bombásticos alegam que aqueles que reivindicam a revolução democrática são reformistas, pois pretendem andar à reboque da burguesia e então “desenvolver um capitalismo autônomo”. Disto só podemos concluir que estas organizações jamais estudaram a obra anteriormente citada “Sobre a Democracia Nova”, onde o camarada Mao Tsetung nos ensina que numa república de democracia nova não será uma ditadura burguesa, mas sim, uma “ditadura conjunta de todas as classes revolucionárias”, sendo estas encabeçadas pelo proletariado, e que a questão da aliança com a burguesia nacional (média burguesia) dependerá do desenrolar do processo revolucionário, pois tal classe possui um caráter duplo – ora ela se alia à revolução contra a dominação imperialista, ora afasta-se da revolução temendo a força do proletariado. Resumindo: na revolução democrática de tipo novo, não é o proletariado que caminhará à reboque da burguesia, mas a burguesia é quem irá (caso decida apoiar a revolução) caminhar sob a direção do proletariado.
[8] Compreende-se aqui a burguesia nacional como uma classe social que compõe as camadas médias. Nos países coloniais e semicoloniais, a burguesia se divide em burguesia nacional (classe média) e burguesia burocrático-compradora (aqui, a grande burguesia, ligada a operações de importação-exportação, ao sistema financeiro do imperialismo e podendo exercer também certas atividades industriais a serviço do capital estrangeiro, alvo portanto da Revolução Democrática). A vacilação da burguesia nacional para com a Revolução Democrática reside no fato de que, no momento em que sofre os golpes do capital estrangeiro e das importações predatórias, a mesma cumpre um papel progressista quando dirige sua luta contra o domínio do imperialismo, das sobrevivências feudais e pela industrialização nacional. Contudo, ao mesmo tempo em que dirige sua luta contra o imperialismo e o feudalismo, sua razão de existência está na exploração das grandes massas da classe operária e do campesinato, jamais podendo, portanto, cumprir um papel dirigente nas transformações democrático-nacionais, papel esse que cabe precisamente ao proletariado em aliança com o campesinato no período do imperialismo e das Revoluções proletárias.