Hafez Al-Assad e a Unidade da Nação Árabe
HAFEZ AL-ASSAD E A UNIDADE DA NAÇÃO ÁRABE
Introdução
O presente texto tem por objetivo abrir para os camaradas da União Reconstrução Comunista e seus simpatizantes, bem como, para todos os combatentes do povo uma discussão sobre a realidade da Síria contemporânea. Ele é um texto inicial. Somente dá partida a uma discussão que é muito frutífera. Mas não pretende ser definitivo, nem pode ser completo. Devido às deficiências do autor mesmo. Porém, mesmo o estimulo a uma tal reflexão, que se questione sobra a verdadeira realidade e história da Síria Baath Árabe, para além das narrativas oficias da imprensa burguesa e imperialista, consideramos, seja já uma grande iniciativa.
Atualmente a Síria é o palco de uma das mais tristes e calamitosas crises humanas da nossa época. O século XXI, cujo imperialismo, momentaneamente triunfante, prometera ser de vibrante prosperidade universal e de paz para todos os povos, isso em decorrência do desmantelamento do socialismo mundial e dos regimes inspirados no “totalitarismo” soviético, é na verdade uma sangria desatada para todos os povos. Ele se encontra somente em sua segunda década e já testemunhou o massacre dos povos iraquiano, afegão, líbio e ainda presencia o sempre continuado massacre do povo palestino, irmão querido de toda humanidade, humilhado e pisoteado pelo Estado de Israel, mas que nunca desistira de lutar por sua libertação.
Também a Síria é palco do derramamento de sangue. Atualmente massacra-se o povo sírio, matam-se crianças, extirpam-se os fetos de dentro do ventre de suas mães. Um carniceiro canibal e fanático come corações. Um mercenário checheno pode vangloria-se de haver matado mais de 300 sírios. Claro, tudo em nome da democracia, da luta contra o totalitarismo, a corrupção despótica e o estatismo local, se se acredita na narrativa oficial da imprensa colonizada.
Manobra-se para transformar o conflito sírio em uma intervenção estrangeira direta. Nesse mesmo ano, uma terrível tensão também pôs em xeque a frágil estabilidade da península coreana. Até recentemente o Irã também era alvo de provocações e clamores de intervenção. Em todas essas crises, em todos esses atos de atrocidades cometidos no novo século é o imperialismo o bandido que promove a fanfarra. Fanfarra sangrenta e desumana. Mas a propaganda e a desinformação burguesa, principalmente no Brasil, onde os veículos de comunicação que mais alcançam o público pertencem a grandes grupos monopolistas, dependentes do capital estrangeiro e vinculados historicamente ao autoritarismo estatal – exemplo da Rede Globo – tenta apresentar o discurso legitimador que sustenta o imperialismo norte-americano como totalmente condizente com a verdade.
Dessa forma, as guerras sangrentas travadas pelo império em nome do lucro máximo são sempre guerras pela democracia e contra o totalitarismo, ou, – o termo até ontem da moda – o terrorismo. Assim, ao folhear as grandes revistas e jornais, ou, ao acompanhar a guerra pela televisão, os “rebeldes” sírios tornam-se um grupo homogêneo composto por revolucionários democráticos que querem libertar a Síria da “ditadura de Bashar Assad”.
Também aqui há uma simplificação, o regime de 50 anos do Baath Árabe. Que há 50 anos dirige um país numa das regiões mais explosivas do mundo é enquadrado nesse simples termo, “Ditadura”. Aqui também há um empobrecimento da linguagem. Léxicos como “democracia” e “ditadura” não tem mais um sentido complexo, nem uma longa história de desenvolvimento e significação. Eles são a sua ressignificação em um sentido neoliberal aberrante.
É por isso que pretendemos aqui realizar uma análise mais profunda, na medida dos nossos limites, dá realidade desse país nada desprezível em contribuições à história do mundo. Ela deve começar por essa fundamentação histórica da atual Síria Baath. O surgimento do atual regime revolucionário sírio. A história do seu principal líder e símbolo, o presidente Hafez Al-Assad, e de sua luta pela unidade da Nação Árabe em sua luta de libertação nacional contra o império sionista assassino. Lembremos, porém, que se trata de um texto introdutório.
A Síria, como palco da principal luta anti-imperialista de nossos dias, está nos corações de todos os povos e, principalmente, dos militantes da União Reconstrução Comunista. Todos eles deverão contribuir nessa compreensão materialista e dialética da Síria, de sua história e luta de classes. Devemos travar a luta das ideias contra a leitura burguesa da realidade síria nessa e em novas edições da Revista Eletrônica Nova Cultura.
Por que escrever sobre o presidente Hafez Al-Assad?
Esse texto tem uma finalidade histórica. É uma discussão histórica. Mas não pretendemos aqui haver apresentado uma incrível novidade, no sentido de termos descobertos novas informações sobre o presidente Hafez Assad. Somente repetiremos simples verdades, recentemente esquecidas por pura conveniência. Para a imprensa burguesa, desde a primavera árabe, que também alcançou os sírios, e mais ainda, com o início da guerra civil, a Síria é um regime de ditadura de Bashar Al-Assad, que por sua vez herdou o poder de seu pai, Hafez, um “golpista”, que era o ditador do país, entre 1970-2000.
Atendendo aos chamados dos seus patrões burgueses, os trotskistas do PSTU trazem para o Brasil uma agente da CIA, Sarah Al Suri, que trabalha arrecadando fundos para o Exército Livre da Síria, para depredar um monumento a Hafez Al-Assad na cidade de Curitiba. O argumento, “Não podemos aceitar que Curitiba mantenha uma homenagem a um ditador, que é contra a liberdade de um povo”. Os trotskistas e a agente da CIA pretendiam falar em nome do povo sírio. Mas será isso verdade? Óbvio que não. Como resposta uma contra manifestação foi organizada pela comunidade síria no Brasil: “Os manifestantes da comunidade síria que, do outro lado da praça, seguravam cartazes com imagens de Bashar Assad, criticaram o protesto opositor por não representarem suas demandas. ‘Nós estamos a favor do governo sírio, então queremos que a estátua fique’, disse o comerciante Ghassan Youssef. “‘Se o povo da Síria quisesse o presidente fora do país, ele sairia’, disse à Gazeta do Povo Abdo Dib Abage, cônsul honorário do país no Paraná e em Santa Catarina. ‘Esses manifestantes não falam por nós, nem por ninguém que vive na Síria.’”[1]
É verdade também que organizações de Esquerda, fiéis aos seus ideais anti-imperialistas, têm nos últimos meses se levantado contra as manobras espúrias dos Estados Unidos para intervir na Síria. Essas organizações foram às ruas do lado do povo sírio, e não do imperialismo, para dizer “Não a intervenção! E sim a Síria de Bashar Al-Assad e ao seu povo soberano!”. Porém, isso não basta. É preciso avançar na consciência de que a Síria vive sim uma agressão imperialista, mesmo que não de forma direta. Que o país não é simplesmente mais um país ameaçado pelo império, que ele tem uma história e que é um posto central na luta contra o imperialismo. Que é a sua opção pela Unidade Árabe que faz dele um alvo de longa data da Organização Sionista e do Imperialismo Ianque, que esperam somente o momento de poder destroçar aquele heroico país e seu povo, tal como fizeram com a Líbia de Gaddafi.
Por isso se faz importante escrever sobre Hafez Assad, suas ideias, seu partido Baath e seus ideais inalienáveis de Unidade da Nação Árabe para travar a guerra de libertação contra o imperial-sionismo.
Do Colonialismo Otomano e Europeu ao Renascimento Árabe
A República Árabe da Síria é um ponto estratégico entre o Oriente Médio e Próximo. Situada na Costa do mediterrâneo, está próximo da encruzilhada entre Ásia, África e Europa. Limita ao norte com a Turquia, ao leste com o Iraque, ao sul com a Jordânia e a Palestina (atualmente Israel) e a oeste com o Líbano e o Mar Mediterrâneo. Para todos os analistas é um país chave seja para a paz ou para a guerra naquela região.
O povo sírio foi parte – assim como muitos outros – do império otomano. E como tal, esteve subjugado a dominação turca. Após sua libertação entre fins do século XIX e início do XX, as nações árabes ficaram progressivamente sobre a dominação do colonialismo europeu. A Síria cairia sob o mandato francês a partir de 1920. Antes desse momento os sírios gozavam de um território de 300.000 Km². A Conferência de San Remo, em abril de 1920, divide, sem qualquer consulta popular, esse território. Essa decisão é tomada pelos governos inglês e francês que anexam Bekaa ao Líbano. Com um traço de lápis sob um mapa, Georges Clemenceau refaz as fronteiras do mundo árabe e elimina para sempre a Grande Síria, o país Bilad Cham. Que a altura do domínio otomano incluía o Líbano, a Palestina e parte da Transjordânia até Mossoul.
Durante os 21 anos de mandato francês a resistência nacional jamais cessou. Durante a primeira guerra mundial, em decorrência dos terríveis sofrimentos infligidos aos sírios pelos turcos, os primeiros decidiram aliar-se aos britânicos e também aos franceses. Mas eles seriam traídos. Em março de 1920, a reinvindicação do Congresso Nacional Sírio da independência de Bilad Cham se vê frustrada pelo mandato. O emir Faisal, líder dos nacionalistas árabes, é derrotado em Khan Meyssaloun pelas tropas europeias, refugiando-se em Bagdá, onde se faz proclamar rei, em 21 de agosto de 1921. Quatro anos depois os combates recomeçam em Damasco.
A Síria é dividia em pequenos estados e duas tentativas de constituintes são dissolvidas. Uma feroz repressão colonialista se abate contra as revoltas nacional-libertadoras. Tudo para fazer fracassar o projeto da Síria livre. Nada funciona. A chegada ao poder do governo de Frente Popular, apoiado pelo Partido Comunista, na França, acelera a independência síria. Porém, o tratado franco-sírio, de 1936, é rejeitado pelo parlamento. É a luta antifascista de libertação nacional durante a segunda guerra mundial – essa enorme guerra de guerrilhas internacional, cujo epicentro são as forças da aliança operário-camponesa, e que também envolve o povo sírio – que dará a liberdade para esse país.
Em junho de 1941, as forças francesas livres e aliados britânicos adentram na Síria para neutralizar o governo de Vichy na região, aliado dos alemães. Manifestações populares pela independência tomam todo país. Esta é proclamada pelo general Catroux, em 27 de setembro de 1941, em nome do Comitê Nacional de Libertação. Chouki Al-Kouatli é eleito o primeiro presidente da República Síria, em 1943, e os franceses constituem divisões especiais com soldados sírios e libaneses.
Mas o poder não foi transmitido de imediato das mãos dos colonialistas franceses para a das autoridades legitimas nativas. A Síria, que, em 22 de março de 1945, participara da fundação da Liga dos Estados Árabes, continuava submetida. A política dos imperialistas de utilizar dos recursos alimentícios para abastecer as suas tropas especiais de ocupação no período crítico do segundo pós-guerra criou uma situação de fome entre o povo, desencadeando a revolta anticolonial do começo de 1946. As forças francesas foram forçadas a se retirar, em 17 de abril. Antes haviam bombardeado Damasco, entre 29 e 30 de maio do ano anterior, porém, o movimento daquele ano foi uma verdadeira revolução popular, contra a qual o imperialismo francês debilitado e comprometido no massacre do Vietnã não pode combater. Na Síria independente a luta não cessaria.
Para toda uma geração de jovens estudantes e ativistas sírios, entre os quais se incluía o jovem estudante secundarista de Lataquia, nascido em outubro de 1930, Hafez Al-Assad, a verdadeira independência ainda estava por vir. Eles acreditavam que para varrer de vez as estruturas coloniais, e evitar que o país fosse condenado a ser uma neocolônia era necessário combater o imperialismo das grandes empresas estrangeiras, derrubar feudalismo e o poder dos grandes capitalistas locais, entregando o poder ao povo, que compreendiam como o grosso da nação, os camponeses, operários e os pequenos comerciantes. É sob esse ideário que nascerá o Baath.[2]
O nacionalismo árabe fermenta na cultura do país durante os conturbados anos trinta, inspirando uma série de intelectuais progressistas. Durante o processo de independência do inicio dos anos quarenta a ideologia do Ressurgimento (Baath ou Baas) é um desdobramento lógico. Seus principais inspiradores serão Zaki Al-Arzouzi, Michel Aflak e Salah Bitar. Segundo Lucien Bitterlin, estudioso dos assuntos árabes e biografo de Hafez Al-Assad, os baathistas acreditavam que: “Para resistir ao invasor, era necessário a união entre os árabes. Ao nacionalismo sírio, uma outra dimensão se acrescentava, a do arabismo. Que se manifesta cada vez mais nos discursos. Assim como outros árabes vivendo sempre sob ocupação estrangeira na África do Norte, no Iêmen, nos Emirados, e que a Liga Árabe fundada em 22 de março de 1945, composta de sete países, incluindo a Síria, tinha por objetivo ‘coordenar suas políticas e defender de todos os modos sua independência e soberania contra toda agressão’. Se a Síria tornou-se independente, a Palestina com o qual seu destino sempre esteve ligado, por sua vez tinha como rotina diária enfrentar a realidade da chegada maciça dos sionistas.”[3]
O Partido Baath Árabe realizou seu primeiro congresso no Café El Rashid, na rua 29 de maio, em Damasco, em abril de 1947. Esse congresso formulou uma constituição da ideologia Baath baseada nos princípios de unidade, liberdade e socialismo. No início dos anos cinquenta o Partido se funde ao Partido Socialista Árabe, transformando-se no Partido Baath Árabe Socialista. Em sua constituição encontram-se trechos como “A política externa se inspira nos interesses do nacionalismo árabe... Lutam os árabes com todas as suas forças para... suprimir todo poder político ou econômico estrangeiro em sua pátria...” e “...a riqueza econômica é propriedade da Nação... A exploração do esforço do próximo é proibida... A propriedade agrícola é limitada... submetida à inspeção do Estado e deverá estar em harmonia com o seu plano econômico total... Deverão colaborar os trabalhadores na administração de suas empresas... Eles receberão, além de seus salários, uma parte dos lucros...”[4]
Hafez Al-Assad estava entre os jovens militantes do Baath. Sua militância era combativa e reconhecida por todos os estudantes de Lataquia. Ele define assim as razões que o levaram a se engajar na atividade militante: “O que me conduziu à militância antes de 1952? Constatar a realidade de uma nação árabe que sofria com a guerra e com dificuldades interiores. Uma parte da nossa nação árabe, a Palestina, estava ocupada (...) Considerávamos que ela era conseqüência direta da desastrosa situação interior que suportávamos e de todos os males que atingiam a pátria árabe. Aquela realidade possibilitou, de fato, aos sionistas a invasão da Palestina. Era meu hábito dizer, quando estudante, que o doente de tuberculose ou câncer não poderia ser um combatente. Ele não poderia se mostrar forte se a sua força física estava debilitada. Ele precisava ter cuidado antes de tudo. Era nosso caso. Nós éramos fracos e para vencer era preciso ser forte. “Os problemas econômicos se mostravam graves, acarretando o surgimento de uma população de explorados. Os camponeses viviam miseravelmente, trabalhando terras que não lhes pertenciam e recebendo por isso salários insuficientes. A maioria das crianças não frequentava a escola. (...) A administração estava em mãos feudais e a mentalidade era colonialista.”[5]
Da ditadura semicolonial dos feudais e grandes capitalistas a revolução de 08 de março de 1963
Após a independência de 1946 o regime que imperou no país foi um semi-colonialismo governado por feudais em aliança com os grandes capitalistas. Partidos como o Partido Nacional, o Partido do Povo e os Irmãos Muçulmanos eram os mais influentes. Todos eles estavam preocupados com a manutenção de seus interesses econômicos privados. Mas logo todos os partidos seriam postos na ilegalidade, pois o sistema eleitoral da República não tinha um funcionamento real, sucedendo-se as proclamações militares que levavam ao poder, hora um, hora outro líder militar. Essa é a realidade síria durante o princípio dos anos cinquenta.
Enquanto isso, no Egito, em 1952, um grupo de oficiais do Exército leva o rei Faruk a abdicar. No ano seguinte, um jovem coronel, Gamel Abdel Nasser, assume a chefatura do Estado e das forças armadas. Eleito presidente da República do Egito, com mais de 90% dos votos, em 23 de junho de 1956, Nasser nacionalizaria o canal de Suez, fundaria, com o apoio dos baathistas a República Árabe Unida (unificação entre as repúblicas de Síria e Egito), travaria a guerra de 1956 contra o imperialismo tripartite (inglês, francês e israelita) e se tornaria um símbolo da Unidade Árabe. Entre 1946 e 1963 a dominação feudal-burguesa pouco ou nada contribui para a libertação da Síria. O imperialismo anglo-francês decadente é substituído pelo americano, que em unidade com o Estado de Israel explora ferozmente os povos árabes pretendendo monopolizar seus recursos hídricos (o projeto de barragem sobre o rio Hasbani no Líbano).
O rápido interregno de unidade árabe sírio-egípcia (a RAU só sobrevive entre 1958-1961) é completamente corroída pela sabotagem das elites sírias, que perseguem os baathistas e o Partido Comunista da Síria, e a incapacidade dos nasseristas de superarem as formas burocráticas de unidade árabe e apelarem a classes operária e camponesa síria e a sua intelectualidade progressista. Como consequência crescem as forças conservadoras. Elas iriam se apoiar num golpe de Estado desencadeado por oficiais de Damasco para romper com a RAU.
Hafez Al-Assad, então oficial da força aérea da República Árabe, em treinamento no Cairo, retorna a Síria junto a outros jovens oficiais baathistas, como Mustafa Tlass. Eles iriam liderar, em 08 de março de 1963, a revolução contra a ditadura neocolonial, feudal-burguesa e anti-unitarista reinante do país. Era tal a extensão da influência baathista e o desejo do povo e da maioria das forças armadas pela Unidade Árabe e o fim da situação vigente no país que a revolução se deu sem derramamento de sangue. Logo se instituiu em Damasco o poder do Conselho Nacional do Comando da Revolução, com a participação de Assad, dirigido durante algum tempo por Louay Al Atassi e o governo sob a chefia de Salah Bitar.
A luta pela aplicação dos princípios avançados do Baath e o movimento de 23 de fevereiro de 1966
A situação interna na Síria pós-revolução não era fácil. Setores “pró-egípcios” preparavam um putsch. Os reacionários ligados ao antigo regime trabalhavam para repor no poder as antigas classes dominantes a partir do exílio. Com pouco sucesso o novo governo tentava organizar uma federação de Estados entre Egito, Síria e Iraque.[6] A crise interna e as tensões geopolíticas externas desencadearam manifestações populares contra o novo regime. Na maioria das vezes essas manifestações tomavam caráter religioso e fundamentalista.
O general Amine Al-Hafez, designado para a chefia do ministério do Interior, consegue controlar a rebelião anti-baathista através de uma violenta repressão. Logo ele se tornaria o principal representante das alas conservadoras do Partido. Desde sua fundação o Partido Baath seria fragmentado por lutas internas. Em setembro, o congresso do regional do Partido[7] havia lançado os fundamentos do da revolução; reforma agrária, nacionalização gradual do comércio externo e da indústria e desenvolvimento do ensino, da saúde e da habitação gratuitas. Antes, em 13 de maio, o governo revolucionário já havia se decidido pela nacionalização dos bancos. Mas o predomínio dos setores conservadores no novo governo, que tinham como modelo “a democracia ocidental”, eram um tremendo obstáculo à realização desse programa. Hafez Al-Assad e Salah Jedid (general de artilharia) seriam os principais representantes da “ala radical” – majoritária nas bases, mas com pouca representação na cúpula do Partido – “(...) que considera e reafirma o socialismo como essência fundamental do nacionalismo árabe moderno, mesmo que ainda não tenha realizado o socialismo científico em seus múltiplos aspectos.”[8] Eles atuaram revolucionariamente nesse período, destacando-se como proeminentes líderes nacionais. Nesse período conturbado muitas nacionalizações serão realizadas pela ala radical à revelia do poder central e serão eles a realizar o movimento de retificação de 23 de fevereiro de 1966.
No início do ano de 1966, em meio ao avanço da crise, com a crescente repressão contra as massas trabalhadoras, os métodos burocráticos de decisão no partido, que não correspondiam ao interesse e opiniões das bases, e sob o risco de uma contrarrevolução aberta, Assad e outros elementos da ala radical desencadeiam o levante que põe fim a ditadura da ala direta, formando um novo governo sob a direção de Youssef Zouyen, Nouredin Atassi, Salah Jedid, e com Hafez Assad como ministro da Defesa.
Durante os anos subsequentes a República Árabe da Síria e o Partido Baath avançarão enormemente na realização do programa democrático e popular da revolução síria. Assad justificaria assim a necessidade do movimento de 23 de fevereiro: “Antes da revolução, falávamos de nossas dificuldades, dos sofrimentos enfrentados pelo povo, das causas de suas infelicidades, de suas esperanças. Nós discutíamos tudo que era preciso fazer para atender às aspirações das massas que confiavam em nós, tanto no plano civil como no militar. Depois da revolução, precisamos agir de acordo com nossas promessas. Nos referíamos ao socialismo a propósito da situação econômica e atribuíamos ao feudais e aos capitalistas a responsabilidade pelos sofrimentos do povo. Depois da revolução, era preciso colocar um ponto final às atividades nefastas desses feudais e capitalistas. Ora, a concepção de direita estava em contradição com as exigências desse período ‘pós-revolucionário’”.[9]
Ofensiva do imperial-sionismo, aumento das contradições no campo árabe e a necessidade do movimento corretivo de novembro de 1970 (um movimento pela Unidade Árabe)
O movimento de 23 de fevereiro fez avançar a revolução síria, afastando a ala direita e levando ao poder das forças de esquerda que representavam os interesses dos operários e camponeses sírios e de sua intelectualidade progressista. Ele triunfa, no entanto, em meio a uma enorme crise geopolítica na região. O Estado de Israel, fundado após a guerra de 1948, sob a égide da ideologia imperialista, colonialista, fascista e racista do sionismo não tem pretensões de limitar-se ao território que lhe foi concedido pelas potencias imperialistas organizadas na ONU. Ele lançará seu braço armado sanguinário sobre novas dimensões do território árabe durante a Guerra dos seis dias, em junho de 1967, Ocupando Gaza, a Cisjordânia, o Golan, Kuneitra e o Sinai.
Sob o comando do ministro da Defesa, Hafez Al-Assad, o Exército Árabe da Síria, resistirá com mais determinação que qualquer outro, disputando bunker por bunker com o Exército israelita. Ele não poderá, porém, contar com um equipamento bélico moderno, nem com a solidariedade irrestrita de seus irmãos árabes.
Depois da derrota na Guerra dos seis dias as divergências entre as duas tendências no interior da Síria, a de Salah Jedid – defensora do fechamento do país em si mesmo – e a de Hafez Al-Assad – partidária da abertura para o mundo exterior e da maior aproximação com os demais países árabes – se intensificarão. Com os terríveis dias do Setembro Negro – guerra civil, em setembro de 1970, entre o rei Hussein da Jordânia e as forças do Exército de Libertação da Palestina, representantes dos refugiados palestinos, maioria no país – a situação do mundo árabe torna-se frágil.
Al-Assad, compreendendo o alcance dos desafios que se colocavam perante a Síria, chamada a desempenhar um papel de vanguarda na luta pela Unidade Árabe e a guerra contra o império sionista, desencadeia, em 13 de novembro de 1970 o movimento corretivo. Assume o poder definitivamente, afasta os isolacionistas, toma medidas de liberalização com relação à pequena-burguesia síria, legaliza uma série de partidos progressistas e socialistas atuantes no país (entre eles o Partido Comunista da Síria), formando com eles a Frente Nacional Progressista e convoca a Assembleia Constituinte. De agora em diante a Síria tomaria com maior determinação o rumo da Unidade Árabe e aproximar-se-ia da União Soviética, e dos demais países socialistas.
A liberalização da pequena-burguesia síria não pode ser entendia jamais como abandono dos ideais socialistas. Pelo contrário, após o movimento corretivo, a indústria nacionalizada se desenvolveria através de formação de agências setoriais. Estabelecer-se-ia um plano de eletrificação do país de acordo com o primeiro plano quinquenal único de toda economia. Formar-se-iam cooperativas agrícolas. E o país caminharia a passos largos para a transição da condição de um país agrário a um país industrial.[10]
Realizar a Unidade Árabe: ideal do presidente Hafez Al-Assad, tarefa imperiosa da luta anti-imperialista dos povos
Durante toda a sua vida de combates o presidente Hafez Al-Assad defendeu o ideal da unidade árabe para lutar por sua libertação nacional. Ele nunca abdicou do projeto de formação de um Estado palestino. Travou inúmeras guerras contra o Estado de Israel. E jamais dissociou o seu arabismo dos ideais de socialismo e democracia. A geopolítica do mundo árabe sempre foi muito difícil. As constantes agressões sionistas, o predomínio de Estados confeccionais, feudais e títeres, no mundo árabe deixaram por realizar o ideal da Unidade Árabe. Essa bandeira deve ser defendida por todos os povos.
A Unidade da Nação Árabe, a libertação da palestina, a destruição do sionismo de Israel são tarefas internacionalistas dos comunistas. Elas só poderão ser levadas até o fim sobre a direção do proletariado árabe, em aliança com os camponeses árabes e dirigindo uma ampla frente nacional única de todas as classes interessadas no aniquilamento do imperialismo estadunidense-israelense na região.
A situação dos povos árabes tem se agravado. As manobras e agressões do imperialismo contra esses vêm se agravando na última década, desde a destruição do Iraque de Saddan Hussein, até ao ressente assassinato brutal do valente coronel Muammar Al-Gaddafi e o esmagamento da Líbia pela OTAN. A Síria de Bashar Al-Assad permanece um posto avançado de resistência anti-imperialista. É preciso ampliar a solidariedade a esse país e a seu governo legítimo contra a ação dos mercenários do ELS. A União Reconstrução Comunista conclama todos os combatentes anti-imperialistas a defenderem a Síria laica, soberana e anti-imperialista.
Vitória para República Árabe da Síria!
Vitória para Bashar Al-Assad e todas as organizações anti-imperialistas sírias!
Pela realização da Unidade anti-imperialista da Nação Árabe!
NOTAS
[1] Rodolfo Stancki. Busto de ex-presidente sírio motiva protestos em Curitiba, 19/12/2012 in Gazeta do Povo site: http://www.gazetadopovo.com.br/mundo/conteudo.phtml?id=1329209&tit=Busto-de-ex-presidente-sirio-motiva-protestos-em-Curitiba
[2] O termo Baath ou Baas, variando de acordo com a transliteração, significa ressurgimento.
[3] Lucien Bitterlin. Hafez Al-Assad – O Percurso de um Combatente. Edição de 1998, página 28
[4] Obra Citada página 30
[5] Obra Citada páginas 35-36
[6] No Iraque as forças baathistas chegariam ao poder em fevereiro de 1963, sendo depostas ainda naquele ano e só retornado ao poder após a revolução de 1968.
[7] No Baath, devido a sua dimensão pan-árabe, os congressos nacionais envolvem os ativistas de todos os países árabes onde o partido tem atuação, enquanto os congressos a nível de cada país são considerados congressos regionais.
[8] Obra Citada página 32
[9] Obra Citada página 66
[10] Ver o interessante estudo publicado pelo Ministério das Informações da República Árabe da Síria, em 1973, sobre a situação econômica do país intitulado, A Síria de Hoje.
Artigo publicado na primeira edição da Revista Nova Cultura em 2014