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Mariátegui: "América Latina e a disputa boliviana-paraguaia"


A facilidade tropical com que dois países da América do Sul se mobilizaram e se enfrentaram, avisa que as garantias de paz nesta parte do mundo são muito menores do que aquilo que, por excessivo otimismo, nos acostumamos a admitir. A América do Sul como a América Central, se prestarmos atenção a este aviso repentino, podem se transformar em uma cena dos Bálcãs a qualquer momento. Basta um choque de patrulhas, uma mudança de injúria – se é que se trata de uma daquelas disputas de fronteira, que em nossa América substituem as questões das minorias nacionais – para que dois povos cheguem à tragédia.


A paz, como acabamos de ver, não tem fiadores. Nem os Estados Unidos nem a Liga das Nações, em caso de iminência do canil, vão além da amistosa oferta de seus bons serviços. O Pacto Kellogg, o Espírito de Locarno têm – para a América ainda menos do que para a Europa – mais um valor platônico e diplomático. A paz carece não apenas de garantias materiais – desarmamento – mas também de garantias jurídicas. Se os combates paraguaios e bolivianos não tivessem coincidido com a realização da Conferência Pan-Americana de Conciliação e Arbitragem em Washington, faltaria o órgão capaz de mediar com autoridade entre os dois países, o Governo de Washington e a Liga das Nações são polidamente neutralizados. O monroísmo descobre seu significado negativo, sua função ianque, não americana. Os Estados Unidos encontram em uma revolução como a da Nicarágua motivos suficientes para intervir com seus navios, aviões e marinheiros; mas diante de um conflito armado entre dois países hispano-americanos, sente a necessidade de não ultrapassar o estrito e prudente limite de neutralidade do mês.


Problemas políticos internos contribuem para tornar qualquer atrito extremamente perigoso. No caso da Bolívia, a situação do governo de Siles parece ter desempenhado um papel decisivo para inflar e exagerar o problema gerado pelo ataque paraguaio. (Atentado que teria sido precedido pela incursão de tropas bolivianas em território sob a autoridade do Paraguai. Não contesto as declarações oficiais. Os termos da controvérsia não interessam a meu comentário). O governo de Siles é um governo de facções, cujos adversários não são apenas aqueles que eram o governo de Saavedra, mas também uma grande parte dos saavedristas. Sua estabilidade depende do exército. Sua política internacional deve, portanto, ser entonada com humor militarista. A chamada ao grito da pátria em perigo foi, muitas vezes, na história, excelentes recursos da política oligárquica. Na Bolívia, Siles aproveitou a oportunidade para constituir um ministério de concentração que amplia as bases partidárias de sua política. Escalier e Abdón Saavedra obedeceram às suas ordens. Don Abdon, expulso ruidosamente logo após a ascensão de Siles ao poder, voltou à Bolívia. Pode acontecer que, com tudo isso, os riscos para o futuro sejam complicados e aumentados. Que a frente interna, a concórdia das partes, significa para o governo de Siles a ameaça de um cavalo de Tróia. Mas as oligarquias hispano-americanas sempre viveram assim, alternando a violência com a astúcia, voltando-se contra o futuro.


Sem esses elementos de excitação artificial, agravados por temperamentos mais ou menos patéticos, mais ou menos propensos a vertigens bélicas, seria inconcebível que uma escaramuça de fronteira, um choque de patrulhas – isto é, um episódio comum na vida internacional deste Continente onde as fronteiras ainda não estão bem consolidadas e definidas – pode ser seriamente considerado um motivo de mobilização e guerra.


Os riscos do conflito armado são, sem dúvida, muito mais explicados na Europa superpovoada, dividida em múltiplas nacionalidades – reais e diferentes – forçadas enquanto a ordem se mantém em vigor com difícil equilíbrio. Neste continente latino-americano que, com exceção do Brasil, fala uma só língua, e que não tem lutas nem competições tradicionais, existem rivalidades que antagonizam os povos e que podem precipitá-los na guerra, ao lado das diferenças europeias, pequenas reclamações provincianas.


O mais preocupante, portanto, nos acontecimentos recentes, é que não tenham suscitado na opinião pública dos povos latino-americanos uma afirmação pacifista enérgica, instantânea, compacta e unânime. A defesa da paz foi deixada para a imprensa, para os governos. E a ação oficial, sem solicitação pública, nunca esgota seus recursos. Talvez a surpresa tenha dominado e paralisado as pessoas. Talvez os povos ainda não tenham saído de seu estupor. Esperançosamente, essa é a explicação para a calma do público. O dever da Inteligência, acima de tudo, é na América Latina, mais do que em qualquer outro setor do mundo, estar alerta contra qualquer aventura de guerra. Uma guerra entre dois países latino-americanos seria uma traição ao destino e à missão do Continente. Somente os intelectuais que se divertem em plagiar nacionalismos europeus podem ser indiferentes a este dever. E não é por causa do pacifismo sentimental, nem por causa do humanitarismo abstrato, que devemos nos proteger contra todos os perigos da guerra. É pelo interesse elementar de viver avisado da ameaça de balcanização da nossa América, em benefício dos imperialismos que disputam silenciosamente os seus mercados e as suas riquezas.


Por José Carlos Mariátegui, publicado em Variedades: Lima, 22 de dezembro de 1928


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