Engels: "Lições da Guerra Americana"
Quando, semanas atrás, chamamos a atenção para o processo de depuração que havia se tornado necessário no exército de voluntários americanos, estávamos longe de esgotar as valiosas lições que esta Guerra tem oferecido continuamente aos voluntários deste lado do Atlântico. Nós, no entanto, pedimos licença mais uma vez para retornar ao assunto.
O tipo de guerra que está sendo travada atualmente na América é realmente sem precedentes. Do Missouri à Baía de Chesapeake, um milhão de homens, quase igualmente divididos em dois campos hostis, tem se confrontado por cerca de seis meses sem chegar a uma única ação geral. No Missouri, os dois exércitos avançam, se retiram, combatem, avançam e se retiram de novo sem qualquer resultado visível; mesmo agora, após sete meses de marchas e contramarchas, que devem ter provocado um grau de destruição considerável, as coisas parecem estar tão distantes de uma definição quanto antes. No Kentucky, após um período prolongado de aparente neutralidade, porém de efetiva preparação, um estado de coisas similar parece ser iminente; na Virgínia ocidental, pequenas ações ocorrem constantemente sem qualquer resultado aparente e no Potomac, onde estão concentrados os maiores efetivos de ambos os lados, um quase à vista do outro; nenhuma das partes tem a preocupação de atacar, demonstrando que, pelo andar da carruagem, mesmo uma vitória pode não ter qualquer utilidade. E, a menos que circunstâncias alheias a este estado de coisas provoquem uma grande mudança, este método estéril de travar a Guerra deve continuar pelos próximos meses.
Que avaliação podemos fazer?
Os americanos têm, de ambos os lados, quase que somente voluntários. O pequeno núcleo do anterior exército dos Estados Unidos ou se dissolveu, ou é fraco demais para lapidar a massa bruta de recrutas que foi acumulada no contexto da Guerra. Não há sequer uma quantidade suficiente de sargentos para transformar todos estes homens em soldados. Consequentemente, a instrução militar tem de ser muito demorada, e, de fato, não é possível dizer quanto tempo vai demorar até que a versão lapidada destes homens recrutados nas duas margens do Rio Potomac esteja apta a ser conduzida em grandes efetivos, oferecendo ou aceitando o combate entre suas forças combinadas.
Porém, mesmo que estes homens realizem sua preparação em tempo razoável, não haverá oficiais em quantidade suficiente para comandá-los, sem falar dos suboficiais, que realmente não podem ser escolhidos dentre os civis. Não há oficiais suficientes para comandar batalhões, mesmo se todos os tenentes e alferes regulares forem designados para esta função.
Deste modo, se faz indispensável um número considerável de oficiais de carreira para comandar os civis e ninguém que conheça os nossos próprios voluntários considerará tanto McClellan quanto Beauregard como excessivamente prudentes caso recusem uma ação agressiva ou manobras estratégicas complexas com tais oficiais, que ocupam seus postos há apenas seis meses.
Vamos supor, no entanto, que esta dificuldade foi, no geral, superada; que os coronéis civis com seus uniformes também adquiriram o conhecimento, a experiência e o tato necessários ao desempenho de suas funções — pelo menos no que diz respeito à infantaria. Mas, e o que será da cavalaria? Treinar um regimento de cavalaria exige mais tempo e maior experiência dos oficiais instrutores do que pôr um regimento de infantaria em boa forma. Suponhamos que os homens ingressem na tropa, todos com conhecimento suficiente de equitação — ou seja, todos sabendo como montar seus cavalos, comandá-los, alimentá-los e tratá-los — isto não reduzirá em quase nada o tempo necessário para o seu treinamento.
A equitação militar, por meio da qual o cavaleiro controla seu cavalo e o faz executar todos os movimentos necessários nas evoluções da cavalaria, é algo muito diferente da equitação comumente praticada pelos civis. A cavalaria de Napoleão, que, segundo Sir William Napier (History of peninsular War), por pouco não foi considerada melhor do que a cavalaria inglesa da época, notoriamente consistia nos piores cavaleiros que um dia enfeitaram uma sela. Muitos de nossos melhores ginetes esportivos descobriram, ao ingressar em um corpo de voluntários montados, que ainda tinham um bocado a aprender. Não devemos nos surpreender ao descobrir que os americanos não são muito eficientes em matéria de cavalaria e que o pouco que possuem consiste em destacamentos irregulares ao estilo dos cossacos ou indígenas, inadequados para cargas de cavalaria.
Quanto à artilharia, eles devem estar em situação ainda pior; o mesmo vale para os batalhões de engenharia. Ambos são corpos altamente científicos e exigem um treinamento longo e cuidadoso tanto para os oficiais regulares, quanto para os oficiais não comissionados, e certamente ainda mais treinamento para os homens do que aquele exigido pela infantaria. Ademais, a artilharia é uma arma ainda mais complicada do que a própria cavalaria; ela requer armas de fogo, cavalos adestrados para um tipo peculiar de condução e dois tipos de homens treinados — atiradores e cavaleiros, os quais exigem, por sua vez, numerosos vagões de munição e grandes laboratórios para a confecção de munições, forjas, oficinas, etc.; tudo isto equipado com uma maquinaria complexa. As forças da União afirmam ter em seu conjunto 600 peças de artilharia no campo de batalha; podemos imaginar as condições de uso em que se encontram ao atentarmos para o fato de que é completamente impossível produzir 100 baterias completas, bem equipadas e bem servidas do nada em apenas seis meses.
Porém, suponhamos mais uma vez que todas as dificuldades foram superadas e que as frações combatentes dos dois setores americanos em conflito encontrem-se em boas condições para fazer seu trabalho. Poderiam entrar em combate? Seguramente não. Um exército precisa ser alimentado e um grande exército em um território escassamente povoado — em termos comparativos, como a Virginia, o Kentucky e o Missouri — precisa ser prioritariamente abastecido a partir de depósitos (armazéns). Seus suprimentos de munições necessitam ser repostos, ele precisa ser acompanhado por armeiros, seleiros, marceneiros e outros artesãos, de modo a manter seu poder de combate em boas condições. Todos estes requisitos se notabilizam por sua ausência na América; eles precisam ser providenciados a partir de quase nada e não temos qualquer evidência para demonstrar que, mesmo agora, o comissariado e setor de transporte de qualquer dos exércitos já tenha emergido de sua incipiência.
A América, tanto o Norte quanto o Sul, a União e os Confederados, não possuem uma organização militar digna deste nome. O exército regular é totalmente inadequado, pelos seus efetivos, para enfrentar qualquer inimigo respeitável, a milícia praticamente não existe. As guerras anteriores da União jamais colocaram a força militar do país em primeiro plano; a Inglaterra, entre 1812 e 1814, não tinha muitos homens para poupar e o México se defendeu utilizando a baixa população. O fato é que, em sua posição geográfica, a América não possuía inimigos que pudessem atacá-la com mais de 30.000 ou 40.000 soldados regulares na pior das hipóteses, e para tal efetivo, a imensa extensão do país logo se mostraria um obstáculo mais formidável do que quaisquer tropas que o país pudesse mobilizar contra eles. Para tanto, bastava que seu exército regular se constituísse em um núcleo, ao redor do qual se reunissem uns 100.000 voluntários em condições de adquirir formação militar em um período de tempo razoável.
Porém, quando uma guerra civil exigiu a mobilização de mais de um milhão de combatentes, o sistema inteiro colapsou e tudo teve de começar do início. Os resultados estão diante de nós. Duas desajeitadas massas de homens, uma com medo da outra e com quase tanto medo da vitória quanto da derrota, encarando uma a outra, tentando a um custo extraordinário adotar o aspecto de uma organização regular. O desperdício de dinheiro, por mais assustador que seja, é completamente inevitável, devido à total ausência daquela base organizada sobre a qual a estrutura poderia ter sido edificada. Com a ignorância e a inexperiência reinando absolutas em todas as esferas, como poderia ser diferente? Por outro lado, o retorno dos gastos em termos de organização e eficiência é extremamente baixo — como poderia ser diferente?
Os voluntários britânicos devem suas condecorações ao fato de terem encontrado, ao iniciar, um exército numeroso, disciplinado e experiente para acolhê-los sob suas asas. Descontando os preconceitos comuns a todos os ofícios, aquele exército os recebeu e tratou muito bem. Espera-se que nem os voluntários e nem o público jamais pensem que o novo serviço possa substituir, em qualquer grau, o antigo. Se houver algum, um olhar sobre o estado dos dois exércitos voluntários americanos poderá mostrar a eles sua própria ignorância e insensatez. Nenhum exército recentemente formado por civis pode subsistir em um estado eficiente a menos que seja treinado e apoiado pelos imensos recursos materiais e intelectuais que se encontram depositados nas mãos de um exército regular, proporcionalmente forte e, principalmente, pela organização que constitui a força maior de um exército regular. Imaginem uma invasão que pusesse a Inglaterra sob ameaça e comparem então o que poderia ser feito com o que está sendo feito inevitavelmente na América. Na Inglaterra, o Ministério da Guerra, com o auxílio de mais um punhado de funcionários fáceis de ser encontrados entre militares treinados, estaria em condições de realizar todo o trabalho adicional que a mobilização de um exército de 300.000 homens poderia envolver; existem oficiais mal remunerados em quantidade suficiente para tomar, digamos, três ou quatro batalhões de voluntários cada qual sob sua inspeção especial e, com algum esforço, cada batalhão poderia receber um oficial regular como ajudante de campo e outro como coronel. A cavalaria, é claro, não poderia ser improvisada, porém uma reorganização resoluta dos voluntários da artilharia —com oficiais e cavaleiros da Artilharia Real —ajudaria a equipar muitas baterias de campo. Os engenheiros civis no país apenas aguardam uma oportunidade para receber o treinamento da dimensão militar de sua profissão, que os transformaria em oficiais de engenharia de primeira linha. Os serviços de comissariado e de transporte estão organizados e poderão em breve suprir as necessidades de 400.000 homens tão facilmente quanto de 100.000. Nada estaria desorganizado, nada em estado de confusão, em toda parte haveria ajuda e assistência para os voluntários que em lugar algum precisariam tatear na escuridão e — excluindo alguns dos atropelos que a Inglaterra não pode deixar de cometer logo que mergulha numa guerra — não vemos motivos para que, em seis semanas, tudo não estivesse funcionando muito bem.
Agora olhe para a América e diga o quanto vale um exército regular em comparação com um exército insurgente de voluntários.
Publicado por Friedrich Engels, no The Volunteer Journal for Lancashire and Cheshire. No. 66, de 6 de dezembro de 1861
Do marxists.org