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Entre Bahia e Minas, "Ary Barroso e Dorival Caymmi: um interpreta o outro"

No fim dos anos 50, houve um marco nos caminhos da música popular brasileira. Em 1958, quando o jazz americano com suas guitarras elétricas e baterias entrava no cerne da pequena burguesia brasileira, um jovem juazeirense, franzino e de voz sussurrante, chamado João Gilberto, lançava seu revolucionário álbum, “Chega de Saudade”.

De maneira tímida e de pouca volúpia midiática, quando as rádios não mais granjeavam tantas vozes do samba, o produtor musical Aloysio de Oliveira, admirador de choros e maxixes, surge com uma ideia que provavelmente pouco daria certo, mas a sua ousadia melódica faria diferença em cada nota ou semitonada proposta naquele tempo. Resolveu juntar dois sambistas de estirpe invejável, um com sua voz intimidadora, de arrepiar os pelos dos braços com sua simplicidade genial: o baiano Dorival Caymmi; o outro, com seu toque de piano, deixaria tudo mais calmo e harmonizado: o mineiro Ary Barroso. Aloysio o fez, concretou sua audácia, e nasceu, em 1958, pela Odeon: “Ary Caymmi e Dorival Barroso: um interpreta o outro”, um joguete com os nomes dos sambistas. Como o próprio diz na contracapa do disco, “um acontecimento inesquecível por muitas e muitas gerações” (MARQUES FILHO, B.P., 2008).

"No inicio do ano seguinte, 1958, Caymmi mal tinha chegado de férias com a família, quando Aloysio de Oliveira o procurou com uma ideia inquietante: o produtor queria a qualquer custo promover “o encontro musical do ano”, juntando em disco Ary Barroso e Dorival Caymmi. Deu certo e, em tom profético, Aloysio escreveu na contracapa do disco que aquele seria “um acontecimento inesquecível por muitas e muitas gerações. Caymmi cantava – acompanhando-se ao violão – algumas das mais belas canções de Ary, enquanto Ary tocava o piano pérolas de Caymmi. Bahia, terra da felicidade" (MARQUES FILHO, B.P., 2008).

Oliveira estava correto e o álbum atravessou gerações, além de ter sido inquietante para a crítica brasileira daquele momento, que resolveu dar uma atenção a mais a ele, esquecendo ao menos por uma nota de jornal o grande “Chega de Saudade”. Maravilha! Voltou-se ao samba: o baiano e o mineiro protagonizaram bons conteúdos para aqueles que investigaram como um interpretou o outro, a exemplo de Stella Caymmi, que em seu “Dorival Caymmi: o mar e o tempo”, discorreu que os dois ao menos chegaram a se encontrar nos estúdios pela falta de agenda de Ary. Como se não bastasse, outras querelas foram protagonizadas pelos atores principais do disco. Em entrevista à Revista da Semana, Ary Barroso acusa Caymmi de plágio, este último, no entanto, acaba por escrever uma carta ao parceiro de capa, onde retrata-se de tal feito; mais uma rusga detectavam os jornalistas! Uma outra contenda ocorre com a trilha sonora do filme “Banana da Terra”, onde estava estipulado um samba de Ary Barroso o qual foi substituído por um de Dorival Caymmi. Apesar das controvérsias entre os dois, o álbum saiu, e talvez o arranca rabo fora o tempero necessário para a sublime obra.

Dorival Caymmi interpreta no disco as canções de Ary Barroso “Risque”, “Maria” e “Na Baixa do Sapateiro”. E Ary, ao palato de seu piano, “Nem eu”, “Marina”, “Lá vem a baiana”, entre outras tantas ricas composições dos dois sambistas. O LP tem a seguinte ordem:

Lado A

1. “Lá Vem a Baiana”, de Dorival Caymmi 2. “Risque”, de Ary Barroso 3. “Maracangalha”, de Dorival Caymmi 4. “Por Causa Desta Cabocla”, de Ary Barroso 5. “João Valentão”, de Dorival Caymmi 6. “Inquietação”, de Ary Barroso

Lado B

1. “Na Baixa do Sapateiro”, de Ary Barroso 2. “Marina”, de Dorival Caymmi 3. “Maria”, de Ary Barroso 4. “Dora”, de Dorival Caymmi 5. “Tu”, de Ary Barroso 6. “Nem Eu”, de Dorival Caymmi

A arte da capa é bárbara: enquanto o baiano Caymmi, de joelhos, em vestes flamenguistas, está como se fosse tirar uma foto para a final do campeonato, o mineiro está de calça pula-brejo, com um chapéu de fazer sombra, insinuando-se um perfeito pescador com a sua vara na mão. O LP é abastado de suas ricas composições do início ao fim; em grande fase, Caymmi nem sequer precisa de esforços para soltar a sua voz pulsante, enquanto Ary exibe maestria nas melodias. Digna de nota, a passagem do Lado A para o Lado B é um tremendo acerto: “Inquietação” e “Na Baixa do Sapateiro” fazem valer a pena levantar a agulha e virar o disco. Que dobradinha!

Por C.V.Z.O.



Referências:

Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Cravo Albin, 2020. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/dorival-caymmi/dados-artisticos. Acesso em: 17 de agosto de 2020.

MARQUES FILHO, B. P. A gente faz o que o coração dita: Analise semiótica das capas dos discos de Dorival Caymmi. Dissertação (Mestrado) – Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em ciências da comunicação, da escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo, sob orientação da Prof. Dr. Clotilde Perez, São Paulo, 2008.

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