"Sudão, o país das almas perdidas"
Enquanto a crise humanitária no Sudão se agrava à velocidade dos mísseis que ambos os lados desperdiçam para além das necessidades de milhões de almas, que viajam perdidas nas estradas do país ou se amontoam em campos de refugiados, as caríssimas organizações internacionais como: As Nações Unidas, a União Africana, a União Europeia e um longo e burocrático etc., continuam a tornar-se meros narradores dos acontecimentos, reunidos desde a passada quinta-feira, dia 11, em Genebra na Suíça, depois de a mesa de Jeddah na Arábia Saudita ter falhado completamente dias após o início da guerra, sem que tenham sido alcançados quaisquer progressos, pelo que uma mera mudança de cenário não é suficiente para entusiasmar uns aos outros. Este tempo de ações que parecem limitar-se a beber chá, falar de bois perdidos e lamentar como os sudaneses continuam a matar-se uns aos outros, sem uma resolução política forte que implemente qualquer medida concreta para parar esta guerra que consome o país há quinze meses, nada será alcançado.
Segundo vários estudos, se a situação não mudar, são esperados dois milhões e meio de mortes por fome até setembro próximo, o que transformará a situação atual na pior fome global dos últimos 40 anos. O que é conhecido como “fome aguda” aumentou de 17,7 milhões para 25,6 milhões só até agora, só em 2024.
O exemplo mais concreto desta situação ocorre na cidade de al-Fasher, capital do Norte de Darfur, onde cerca de 800 mil pessoas ficaram encurraladas no fogo cruzado das Forças de Apoio Rápido (FAR), que, durante pelo menos três meses, têm tentado arrancar o controle da cidade às exaustas companhias das Forças Armadas Sudanesas (FAS) do General Abdel Fattah al Burhan, que resistem para evitar a tomada total de toda a região de Darfur, o enclave mais valorizado pelos paramilitares liderado pelo pseudo-general, Mohamed Hamdan Dagalo, mais conhecido pelo diminutivo do seu nome Hemetti, antigo criador de camelos, cuja exploração ilegal e tráfico de ouro fez dele o homem mais rico do país, com o qual pode financiar a compra de armas, o pagamento dos seus soldados, financia campanhas midiáticas e até paga o apoio de grupos de pressão e jornalistas estrangeiros.
A exploração irracional das jazidas de ouro no país, ainda muito antes do início da guerra, em abril de 2023, provocou uma grave situação de saúde para os mineiros e para as populações próximas destes empreendimentos. Devido ao uso excessivo e indiscriminado de mercúrio, cianeto e tioureia, expondo milhões de pessoas a um alto risco de saúde humana e contaminação do solo.
A queda de al-Fasher poderá precipitar uma divisão do Sudão ao estilo da Líbia, deixando o oeste do país para as FAR, e o norte e o leste nas mãos da FAS.
Sem comida, água ou assistência médica, al-Fasher aproxima-se do colapso, o que será apenas o preâmbulo do massacre tardio dos milicianos das FAR, árabes e muçulmanos, contra a população local, negros, na sua maioria cristãos e animistas.
No que diz respeito à escassez de todos os tipos de insumos e ao colapso cada vez mais próximo desta frente, além do que se viu em Darfur, o mesmo acontece nos estados do Cordofão, Cartum, onde está localizado o principal centro urbano do país: Cartum (a capital federal) e a cidade de Omdurman, apenas separada pelo Nilo, que reunia com as suas periferias, até ao início da guerra, cerca de 7 milhões de habitantes; além do Estado de al-Jazirah, o maior produtor de cereais do país, cujas colheitas foram gravemente afetadas, depois de no final do ano passado, de onde agora atacam o Estado de Sennar. O que aprofundou diretamente a crise alimentar que afeta praticamente todo o Sudão.
Para os sudaneses que conseguiram escapar do país e estão amontoados em campos no Chade, na Etiópia, no Egito ou no Sudão do Sul, a situação não é nada melhor, não só em termos de alimentação ou cuidados médicos, mas também em termos de da sua segurança.
Por exemplo, na região de Kumer, no nordeste da Etiópia, onde milhares de refugiados sudaneses estão localizados em vários campos, tem havido confrontos armados entre a Polícia Federal Etíope e um bando armado que, embora não tenha sido identificado, suspeita-se que possam ser membros das FAR, chegaram ao país vizinho para desestabilizar as regiões próximas da fronteira. Nos confrontos, nove policiais foram mortos pelo grupo de ataque, enquanto um grupo não especificado de civis teria ficado ferido.
Estima-se que só naquela zona se instalaram entre 8 e 10 mil sudaneses, escondidos na zona florestal de Awlala (Etiópia), que vivem em condições extremas, que nos últimos meses levaram à morte de cerca de cinquenta crianças, de acordo com o Comitê Sudanês para os Refugiados da região de Amhara, noroeste da Etiópia.
Como resultado deste ataque, Adis Abeba ordenou a retirada da polícia, o que deixa os refugiados sem qualquer proteção, razão pela qual se espera que tantos bandos armados vindos do Sudão e da própria região de Amhara comecem a invadir os campos, saqueando, sequestrando seus habitantes, além de ter transformado o estupro em massa de mulheres em mais um instrumento de guerra.
Segundo relatórios do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), já foram transferidos cerca de 2.600 refugiados das proximidades da passagem fronteiriça de Kurmuk para um campo na zona de Aura, perto da cidade de Assosa, capital da região de Benishangul-Gumuz, região no oeste da Etiópia, onde estima que, nos próximos meses, poderá transferir mais doze mil dos refugiados para um novo campo.
Chade, transbordamento imparável
O governo do Chade alertou a comunidade internacional para a situação crítica que vivem mais de dois milhões de pessoas, não apenas os refugiados sudaneses, que chegaram ao seu território e se estabeleceram principalmente nos campos da região de Ouaddaï, perto da cidade de Adré; mas também muitos dos seus próprios, como resultado da guerra e da crise climática, que está a devastar o Chade, uma das nações mais pobres do mundo. Cuja situação se agravou no ano passado, depois de sofrer cheias e secas sem precedentes no ano passado. O que se agrava durante a “época de escassez”, entre os períodos de colheita, que ocorre anualmente entre os meses de junho a agosto.
É em consequência desta situação que o Ministro da Saúde Pública do Chade, Abdelmadjid Abderahim, em declarações à televisão estatal na passada segunda-feira, pediu aos seus parceiros internacionais que ajudassem o seu país. Cuja pobreza endêmica é agravada pela insegurança alimentar e pela crise humanitária, não tem precedentes devido ao constante fluxo de refugiados para as regiões orientais, causado pelas guerras civis sudanesas e centro-africanas, além dos provenientes da Nigéria nas áreas adjacentes ao Lago Chade, no oeste do país.
Segundo Abderahim, o Chade já acolhe perto de 800 mil pessoas deslocadas do Sudão, número que aumenta praticamente de hora em hora, estima-se que, impulsionado pelas operações das FAR, que estão entrincheiradas em Darfur, o estado sudanês que faz fronteira com Chade, entre 500 e 700 pessoas chegam a este país todos os dias.
Nesta nação saheliana há também dezenas de milhares de refugiados que chegam da República Centro-Africana, que desde 2013 sofre uma guerra civil intermitente, entre as tropas do Governo Central, da coligação muçulmana, conhecida como Seleka (Aliança) que deu um golpe de Estado em 2013, desde então em guerra, com as persistentes milícias do grupo anti-balaka (anti-facão), formado por milicianos cristãos animistas.
Na região ocidental do país, na zona do Lago, há também a presença de milhares de nigerianos deslocados, provenientes da ação do grupo fundamentalista Boko Haram e dos seus destacamentos, que está em guerra entre eles e o exército nacional, para os quais a assistência humanitária também é urgentemente necessária.
Os países que fazem fronteira com o Sudão: Chade, Etiópia, Sudão do Sul, exceto a Líbia, devido à sua situação interna; O Egito, que tomou fortes medidas para impedir a chegada de refugiados, e a República Centro-Africana, devido à sua própria guerra civil, recebem diariamente milhares de sudaneses que fogem do seu país, cansados de fazer peregrinações no seu próprio país, como almas perdidas.
Por Guadi Calvo, no Línea Internacional