"Diante da Espanha em Armas"
A atenção do mundo inteiro está direcionada ao drama da Espanha. Todos os países têm momentaneamente suspensos seus próprios problemas, que empalidecem diante do tremendo problema de vida ou morte que se apresenta ao povo espanhol, o feroz ataque fascista.
As simpatias de todas multidões do mundo se voltam em direção daquele onde se segue a heroica luta, com emoção e ansiedade.
Nosso país não pode escapar desse estado geral de espírito. Nosso povo, no que tem de mais nobre, aguarda a sangrenta epopeia ibérica. Quanto à capital federal, fomos capazes de apreciá-la em toda sua magnitude por meio da manifestação de solidariedade com o povo espanhol, organizada pelo Comitê Executivo do Partido Socialista. Um verdadeiro formigueiro humano transbordou da sede do Teatro Corrientes para virar em direção aos estabelecimentos e às ruas.
Haviam ali homens e mulheres das mais diversas ideologias, mentalidades, etnias e nacionalidades, mas todos unidos pelos vínculos da emoção solidária com os lutadores da Espanha. Todos esperavam – com grande e compreensível ansiedade, os numerosos espanhóis presentes –, que as palavras dos oradores dessem forma a essa emoção fraternal, como uma interpretação clara do momento histórico não apenas da Espanha, mas do mundo inteiro, assombrado pelos crimes do fascismo.
Todos esperavam que as palavras dos oradores pudessem pulsar as cordas do entusiasmo coletivo, que pudessem penetrar na consciência das pessoas que, tensas, se aglomeravam naquela sala.
Tudo isso que acabamos de dizer se desprendia do comovente espetáculo de milhares de homens e centenas de mulheres que levantavam os punhos cerrados e, como um só, saudavam à Espanha e à Frente Popular.
Vamos ignorar o que foi dito na tribuna em homenagem ao heroísmo das massas espanholas. Em vez disso, vamos escrever o que deveria ter sido dito:
Era necessário dizer a essa multidão vibrante que, se hoje sua Espanha dá ao mundo um exemplo de grandeza lendária na luta contra o fascismo, é porque seu povo se preparava a tempos para se proteger, unificando suas melhores forças em sua inabalável Frente Popular.
Que essa Frente Popular não poderia ser o que é sem ter formado seu núcleo a partir de todas as forças operárias e seus partidos políticos.
Que as milícias do povo, cuja coragem admiramos e exaltamos, são formadas em sua imensa maioria pelos trabalhadores organizados em seus sindicatos e partidos políticos.
Que sem essa massa proletária, esclarecida e educada revolucionariamente, custaria bem pouco a casta clérigo-burguesa-militar tomar conta da situação.
Deveria ter sido dito que nenhuma mudança ascendente dentro do processo social pode prescindir do impulso criador das classes trabalhadoras, e que a república democrática burguesa de Azaña não seria uma realidade se não tivesse sido defendida e realizada pela vanguarda do povo, ou seja, o proletariado espanhol. Assim entendeu o governo de Azaña ao conceder armamento ao povo, atitude que ele rejeitou em outra oportunidade, quando foi solicitada por Largo Caballero...
Deveria também se ter chegado a conclusões concretas face ao fato brutal da guerra civil na Espanha, que coloca atitudes definidas a todos que estão ameaçados em maior ou menor grau por ditaduras fascistas.
Era necessário derivar, consequentemente, do drama da Espanha o nosso próprio drama, que ainda não está acusando os contornos daquele, mas está em processo de tê-los. Que nós também já temos os nossos Lerrouz, Alcalá Zamora, os nossos Gil Robles, Sanjurjo e Juan March, se bem que de envergadura mais débil, mas com apetites idênticos...
Que se não temos o nosso crédito com sedimentos monárquicos e nobres, apoiamos, em vez disso, a tala de reis sem coroa, assim como os ases imperialistas, que administram nossos governantes através de seu ouro, como simples títeres, impondo-lhes a política reacionária que estão desenvolvendo.
Que a anulação vergonhosa e progressiva de nossas conquistas democráticas elementares responde, precisamente, ao propósito de quebrar o controle popular, capaz de expor todas as traições aos interesses do país que, além das já consumadas, entram no vasto plano de nossa oligarquia.
Que a sangrenta experiência da Espanha assinala a necessidade impostergável de formar uma Frente Popular, que não poderia ser formada de outra forma senão sobre a base dos partidos políticos operários, poderoso ponto de coesão sobre o qual se agruparão todos os demais partidos democráticos e setores sociais que repudiam o fascismo.
Que essa Frente Popular, longe de se limitar ao aspecto eleitoral, deverá propiciar um vasto plano econômico-social que tenda para as grandes reivindicações nacionais e coletivas.
Que a Frente Popular estará disposta a usar todos os meios que as circunstâncias requererem, já que a oligarquia fraudulenta crioula, que havia tomado de assalto o poder, não se deterá diante de qualquer ameaça para assegurá-lo.
Que para desenvolver um plano tão complexo e de tantas projeções, nos falta a unificação de todas as forças e um espírito indomável de combatividade, aptidão plenamente demonstrada por nosso proletariado nas últimas lutas por suas reinvindicações...
Que se o povo argentino, com seu proletariado à frente, não acabar com a oligarquia, esta acabara com o povo.
Por Rosa Scheiner, na Revista Contra-fascismo (órgão do Comitê Antifascista
Argentino, Buenos Aires), Ano 1, n. 2, agosto-setembro 1936