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REIMPRESSÕES

Foto do escritorNOVACULTURA.info

Astrojildo: "Não nos Assustemos com o Debate"


A fundação de nossos grupos comunistas, primeiro passo para a próxima e definitiva constituição do Partido Comunista Brasileiro, tem suscitado, como não podia deixar de ser, uma viva e renhida celeuma em nossos meios obreiros. Isso está na ordem natural das coisas, e é um bem que assim seja. Esse embate de ideias, esse confronto de ideologias, essa diversidade de pontos de vistas, antes de mais nada denotam vitalidade e bravura. Alguns camaradas, timoratos ou pouco perspicazes, assustam-se e desgostam-se com a refrega aberta entre companheiros de ontem. Não há de quê. Ao contrário, amigos, regozijemo-nos com isso! E entendamo-nos. A grande guerra pôs em desequilíbrio não somente o mundo capitalista, mas também o mundo proletário. Com uma diferença: que o desequilíbrio do mundo capitalista é um desequilíbrio mortal, de decadência de valores, ao passo que o desequilíbrio do mundo proletário é um desequilíbrio vital, de renovação de valores. A crise do mundo capitalista é uma crise de agonia; a crise do mundo proletário é uma crise de parto. Deixemos, porém, de parte a crise do capitalismo, que não vem agora ao caso, e vejamos, rapidamente em linhas gerais, que formas e manifestações tomou a crise do proletariado. Podemos dividi-la em duas fases. Primeira, ocasionada logo de começo pela guerra propriamente. Esta primeira fase se caracterizou pelo deslocamento do movimento operário do plano internacional para o plano nacional. A "união sagrada" tomou o lugar do postulado: "proletários de todo mundo, uni-vos!" Os partidos socialistas e as organizações sindicalistas e anarquistas renegam, pela boca de seus chefes e pela ação de suas massas, aquele postulado, arrolando-se mutuamente nos campos de batalha. Só uma pequena minoria das três frações proletárias resistiu ao embebedamento guerrista e nacionalista, mantendo alto, embora debilmente, o pendão da Internacional. Segunda fase, marcada com o rebentar da Revolução Russa, seu fulminante desenvolvimento e sua transmudação de política em social com o advento do bolchevismo. Esta segunda fase, ainda acentuada com as revoluções nos Impérios Centrais, precipitou a crise. Aquela pequena minoria internacionalista foi pouco a pouco tomando maior vulto, engrossando suas fileiras, até constituir-se, de algum modo, o elemento novamente preponderante, senão pelo número, pelo prestígio de sua ação e suas atividades mundiais. A III Internacional, constituída em 1919, concretizou este movimento. E a crise tomou, assim, uma feição decisiva. Os partidos socialistas se fracionaram nitidamente, em cisões completas e absolutas: as esquerdas ingressando na Internacional de Moscou e as direitas permanecendo onde estavam, a montar guarda ao cadáver da II Internacional. As organizações sindicais igualmente se cindiram, senão organicamente, ideologicamente: as esquerdas pela ditadura do proletariado e as direitas contra, aquelas constituindo-se em Internacional Sindical Vermelha e estas continuando na Internacional de Amsterdã. (Deixo de parte aqui, por secundário, o dualismo existente, nas esquerdas sindicais, em torno do critério "político" e "a-político" do movimento). Igualmente as agrupações anarquistas se fracionaram: umas por Moscou, outras contra Moscou. Tal, em síntese ligeira, o desenvolvimento da crise mundial do proletariado. Ora, pois que o fenômeno, por sua mesma natureza, é fundamentalmente um fenômeno internacional, não podia o Brasil escapar à crise e seus efeitos. O meio brasileiro é, porém, um meio singular. Nunca houve aqui partidos ou correntes sistemáticas propriamente socialistas. Todo o movimento proletário revolucionário na Brasil tem sofrido só a influência quase exclusiva dos anarquistas. Assim, entre nós, a crise tem sido e é uma crise de anarquismo. Esta crise, latente desde o advento do bolchevismo, chega a um desfecho lógico, com a constituição do Partido Comunista composto, em sua quase totalidade, de elementos de formação anarquista. A celeuma atual nada mais é que a expressão inevitável dessa crise. É por isso mesmo, saudável, revigoradora, fecundíssima. É necessário que os campos se definam e se delimitem nitidamente. Só assim poderemos viver, uns e outros. A confusão é que é entorpecedora, desorientando a uns e outros. Não nos assustemos, pois, com o debate. Mantenhamo-lo e sustentemo-lo, antes, com energia e desassombro. E sobretudo com elevação de vistas, com superioridade de ânimo, com lealdade — coisas que não excluem, ao contrário: dignificam, a veemência, o ardor, a paixão. Deixemos, isso sim, os vis processos de intriguelhas e difamações aos eternos incapazes e impotentes, ontem como hoje dignos apenas de desprezo e comiseração...

artigo de Astrojildo Pereira, fundado do Partido Comunista do Brasil em março de 1922

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