"Combate Popular contra a Criminalidade"
I – INTRODUÇÃO
Do Rovuma ao Maputo, o povo moçambicano unido, organizado e dirigido pela FRELIMO, engaja-se resolutamente na Reconstrução Nacional.
No campo e na cidade, nas fábricas, nas aldeias comunais, nas machambas coletivas, nas cooperativas de produção, nas unidades militares, nos caminhos de ferro, nas escolas, nos hospitais, nas repartições, em todo o lado, homens e mulheres, jovens e velhos, operários, camponeses, intelectuais, estudantes e funcionários, libertam a sua imensa energia criadora permitindo assim novos êxitos à Revolução Moçambicana.
São múltiplas as tarefas que o nosso povo tem de realizar na sua luta constante pelo progresso, pela justiça, pela paz. São diversas as frentes de combate popular: produção, educação, saúde, defesa, solidariedade internacional, etc.
Na dura, mas exaltante fase de Edificação da Democracia Popular em que todo o nosso povo se engaja, umas das tarefas prioritárias é o combate à criminalidade.
E porquê?
Os criminosos, os bandidos, sejam eles ladrões, assassinos, violadores de mulheres ou outros, são inimigos do povo, são inimigos da Revolução. São elementos reacionários, são elementos contrarrevolucionários.
São reacionários porque, ao roubarem os bens do povo, ao assassinarem ou maltratarem trabalhadores, ao abusarem das mulheres, agridem os mais elementares princípios de respeito pelo nosso povo trabalhador, atacando assim a linha política da FRELIMO.
São reacionários porque, pela sua atuação, contribuem para espalhar o medo, a insegurança, a desorientação e a desorganização no seio do povo. O povo, sentindo-se inseguro e desorientado, deixa de estar em condições para executar eficazmente as tarefas essenciais da revolução: a produção, o ensino, assistência sanitária, as reuniões para estudo coletivo, as atividades culturais, e outras.
Assim sendo, e para que no seio do nosso povo sejam criadas condições mínimas de paz, segurança e tranquilidade social indispensáveis à participação popular organizada nas tarefas da Revolução, impõe-se como ação prioritária o combate à criminalidade.
E neste contexto que devem ser entendidas as orientações do Camarada Presidente da FRELIMO e Presidente da República Popular de Moçambique, Samora Moisés Machel, de intensificação do combate à criminalidade.
Na definição da estratégia e da tática a adotar na luta contra a criminalidade e o banditismo, devemos antes de mais proceder a uma análise científica das causas da criminalidade. Devemos seguidamente buscar a inspiração para a ação na rica experiência já adquirida pelo nosso povo nas zonas libertadas e, também, nas experiências registradas em todo o País desde a tomada de posse do Governo de Transição até ao presente.
II – AS CAUSAS DA CRIMINALIDADE
Durante o período colonial o nosso povo viveu sob as influências predominantes da sociedade tradicional-feudal até certo ponto e da sociedade colonial-capitalista. Esses dois tipos de sociedade que o nosso povo, organizado e dirigido pela FRELIMO, está progressivamente a destruir e a substituir pela nova sociedade, têm uma característica comum: são sociedades divididas em classes. Tanto na sociedade feudal como na capitalista, existem as classes exploradoras e as classes exploradas, e existe a exploração do homem pelo homem, por estar a classe exploradora no poder.
Esta noção de sociedade dividida em classes é de importância fundamental para compreender as causas da criminalidade na medida em que nestas sociedades, normalmente, o crime é consequência, em última análise, dos mecanismos de exploração do homem pelo homem. E porquê?
Em qualquer sociedade de classes vigora a ideologia das classes exploradoras, segundo a qual todos os meios (incluindo a mentira, o roubo, a agressão e até o assassinato) são legítimos para a satisfação das necessidades e dos interesses dos exploradores.
E essa ideologia, essa maneira de pensar, que explica que os exploradores (sejam eles régulos ou capitalistas) não hesitem em recorrer a todo o tipo de crime para satisfazerem os seus gostos corruptos, a sua ganância, a sua ambição, o seu desejo incontrolável de acumular mais riquezas à custa das classes exploradas. E assim também que se explica a ação criminosa de alguns elementos das classes exploradas. Esses elementos, vítimas da miséria, da fome, da nudez, da humilhação que lhes são impostos pelas classes exploradoras, mas contaminados pela ideologia das mesmas classes, procuram resolver os seus problemas pessoais ou de grupo à custa do sacrifício, do roubo, da humilhação e até do assassinato dos seus irmãos de classe.
Quer dizer, esses elementos, em vez de se juntarem aos outros explorados para coletivamente resolverem os problemas fundamentais da sua classe (opressão, humilhação, miséria, fome, nudez) procedem como se fossem exploradores e também humilham, oprimem, roubam e maltratam o povo.
Na realidade os criminosos, os bandidos, são quase sempre elementos das classes exploradas, são filhos do povo trabalhador, os quais engolidos pela engrenagem da sociedade exploradora (feudal ou capitalista), e possuídos já de uma mentalidade corrupta e exploradora, procuram a solução das dificuldades pessoais que lhes são causadas pela sociedade dividida em classes, não através da luta pela destruição desse tipo de sociedade, mas através da exploração, opressão e humilhação do próprio povo.
É por essa razão que em uma Sociedade Revolucionária compete essencialmente ao povo organizado a reeducação dos criminosos. Muitos dos criminosos, embora agindo como inimigos do Povo, são filhos do povo, e como tal devem ser reeducados pelo povo. É no seio do povo, integrados na sua classe de origem que esses criminosos são transformados e ensinados a atuar de acordo com os interesses da sua classe.
A criminalidade tem, pois, a sua origem profunda na opressão, na exploração e na humilhação do homem pelo homem. Onde houver exploração, onde houver sociedades divididas em classes, existirá miséria, existirá fome e existirá o crime.
Só através da luta pela criação de uma sociedade sem exploradores nem explorados onde todos os homens procurem satisfazer as suas necessidades individuais através da cooperação com outros homens, através do trabalho coletivo organizado, é que será possível eliminar definitivamente a criminalidade e o banditismo.
Por essa razão, a FRELIMO definiu desde o início que a luta contra a criminalidade era parte integrante da luta de classes, associada à luta contra todas as formas de exploração do homem pelo homem, à luta pelo aumento de produção (como forma de eliminar a miséria, a fome, a nudez, a doença) e à luta ideológica (como forma de liquidar todos os vestígios da ideologia das classes exploradoras e de a substituir pela ideologia científica das classes trabalhadoras).
III – O COMBATE À CRIMINALIDADE NAS ZONAS LIBERTADAS
Durante a luta Armada de Libertação Nacional, as populações das zonas libertadas, sob a direção da FRELIMO, tiveram de enfrentar o problema da criminalidade e do banditismo. Aí também existiam ladrões, assassinos, violadores de mulheres, elementos que desrespeitavam o povo, que procuravam viver à custa do suor e do sangue das classes trabalhadoras. Tratava-se de elementos de mentalidade deformada cuja ação antipopular fora aproveitada, primeiro pelos régulos feudais e pelos colonialistas, e, após a expulsão física destes das zonas libertadas, por alguns moçambicanos igualmente corruptos e exploradores como o Lázaro Kavandame e outros, que pretendiam substituir os colonialistas.
Aí, nas zonas libertadas, as populações orientadas pela linha correta da FRELIMO, desenvolveram um sistema de luta contra a criminalidade e um sistema de justiça profundamente ligados ao seu modo de vida e às exigências da própria luta.
A base fundamental desse sistema era a participação organizada do Povo em todas as fases da luta contra a criminalidade.
Assim os bandidos descobertos e detidos pelo povo organizado eram depois submetidos a julgamento popular em estruturas especialmente criadas para o feito. Através desses julgamentos o povo investigava e estudava, de forma coletiva e organizada, as causas de cada crime e as razões concretas pelas quais o criminoso seguira por essa carreira. Através desse estudo, o povo ia adquirindo um conhecimento cada vez mais claro do problema da criminalidade e ia assim elevando a sua consciência política.
Vinha depois a reeducação do criminoso. O povo organizado, consciente de que o criminoso, se bem que atuando como inimigo do povo, é um filho do povo, estudava as formas concretas de o libertar das influências e hábitos negativos das classes exploradoras, de o recuperar para a trincheira das classes trabalhadoras, em suma, a forma de o transformar em um homem novo.
Nas zonas libertadas todo o processo de luta contra a criminalidade depende essencialmente do povo organizado, assenta em estruturas democráticas e populares, tanto nos métodos de trabalho como no conteúdo das decisões.
Assim se compreende que, em alguns anos apenas, a criminalidade nas zonas libertadas se tivesse reduzido até quase desaparecer.
IV – O COMBATE À CRIMINALIDADE A PARTIR DA TOMADA DE POSSE DO GOVERNO DE TRANSIÇÃO
No dia 20 de setembro de 1974, tomou posse o Governo de Transição, dirigido pela FRELIMO, iniciando-se assim a fase final da longa e árdua marcha do nosso Povo até à independência. Desde então a FRELIMO definiu como uma das palavras de ordem fundamentais para o Povo Moçambicano a vigilância e, no seu contexto, a luta contra a criminalidade.
A partir desse momento todo o Povo, organizado e enquadrado politicamente através dos grupos dinamizadores, tem desenvolvido uma intensa atividade de combate aos bandidos e criminosos de todos os tipos. Assim, raro é o dia em que os órgãos de informação não noticiam mais um êxito na luta contra a criminalidade.
No entanto, nem tudo têm sido sucessos na luta contra a criminalidade. Existem ainda insuficiências, têm sido cometidos alguns erros e persistem estruturas e leis coloniais que importa-nos escangalhar.
É necessário analisarmos a nossa ação nos últimos vinte meses para daí retirarmos ensinamentos e inspiração para avançarmos mais corretamente no combate ao banditismo.
Em primeiro lugar, constata-se que o nosso povo atualmente apenas participa na descoberta e detenção dos criminosos. Os criminosos, após a sua detenção, são submetidos a julgamento. Mas esse julgamento tem lugar sem participação popular organizada, devido ao fato de ainda sermos forçados a admitir no nosso sistema certas estruturas e leis herdadas do colonialismo.
É a aplicação dessas leis que explica, por exemplo, que muitos bandidos (especialmente ladrões, arrombadores, carteiristas) que são entregues ou denunciados pelo povo às autoridades apareçam à solta logo no dia seguinte, quando não no mesmo dia.
Esta situação, que causa preocupação e descontentamento no seio do Povo, é devida ao fato de que, segundo a lei colonial, um roubo até $ 2 mil não permite a prisão do bandido e é punido com pena mínima. Apenas os roubos acima de $ 10 mil são considerados crimes graves e, como tal, castigados com penas pesadas. E o que resulta desta lei?
Todos sabemos que a esmagadora maioria do nosso povo vive com grandes dificuldades e que, por exemplo, o roubo de três galinhas, ou de uma manta, ou de um par de sapatos de uma família com rendimento mensal de $ 1,5 mil, constitui uma perda grave para essa família. Quer dizer, qualquer roubo ao povo é, pois, um crime grave, porque prejudica o povo que já vive com dificuldades. Ora, segundo a lei colonial, esses crimes são considerados crimes ligeiros.
Por outro lado, a lei colonial considera graves os roubos acima de $ 10 mil, que são precisamente aqueles que afetam essencialmente as pessoas de classes privilegiadas, que são aquelas que possuem esse dinheiro.
Em conclusão, a lei colonial, aparentemente imparcial, reveste-se de um vincado caráter de classe, na medida em que considera sem importância os crimes contra o povo e muito graves os crimes contra as classes privilegiadas.
A 8.ª Sessão do Comitê Central da FRELIMO, tendo se debruçado sobre estes problemas, conclui que no nosso País a luta contra a criminalidade está intimamente ligada à reestruturação do sistema judicial e definiu como tarefas prioritárias do Governo a criação de Tribunais Populares, onde o povo organizado estude coletivamente as causas dos crimes e as formas de os eliminar, e a substituição das leis coloniais por leis revolucionárias que permitam criar condições para o avanço da Revolução. Desde então o Ministério da Justiça tem vindo a proceder esse estudo. Devemos ter consciência de que se trata de uma tarefa difícil e cuja execução leva tempo.
Devemos também compreender que o sistema de leis coloniais é o único sistema de leis de que dispomos até que as novas leis revolucionárias estejam concluídas. A abolição pura e simples do sistema de leis coloniais sem a imediata substituição por novas leis criaria uma situação de anarquia que permitiria atuações arbitrárias, com consequências muito graves para o nosso povo.
Outra insuficiência que ainda se verifica é que, exceto nas zonas libertadas, o povo ainda não participa na reeducação dos criminosos. Estes, após julgamento, ou são postos em liberdade, ou são colocados na prisão. Em qualquer dos três casos, não existe uma ação direta, consciente e organizada das massas populares sobre o criminoso. Tanto na prisão como nos Centros de Reeducação os criminosos são objetivamente isolados do povo, ficando assim privados dos imensos benefícios da educação popular. No caso daqueles que são logo postos em liberdade, eles retornam à sociedade sem que esta seja claramente responsabilizada pela sua reeducação. Em uma palavra, a reeducação dos criminosos escapa ao controle do povo organizado.
Importa retificar esta situação. É necessário que os criminosos passem a ser reeducados no seio da sociedade onde cometem os crimes. Só em um número reduzido de casos (assassinos, doentes mentais perigosos, etc.) se justifica que os criminosos sejam colocados em estruturas especiais de reeducação, afastados do povo, para não molestarem o povo. Mas para tal é essencial, antes de mais, esclarecer as massas populares do seu papel importante no que diz respeito à reeducação dos criminosos, é necessário eliminar a concepção errada de que a reeducação dos criminosos é algo de complicado e distante, que nada tem a ver com o povo. Somente o povo organizado e consciente das suas responsabilidades poderá contribuir para a reeducação dos criminosos e bandidos.
Neste contexto, as leis atualmente em estudo e que irão substituir as leis coloniais em um futuro próximo, serão leis destinadas, não a encher as prisões, mas a criar condições para que os criminosos sejam reeducados no seio do povo, serão leis que responsabilizarão o povo pela reeducação dos criminosos.
Entretanto, e no sentido de organizar a participação popular na estruturação do Sistema de Justiça Popular, todos os Grupos Dinamizadores devem:
1) Lançar uma ampla campanha de esclarecimento do nosso povo sobre o problema da luta contra a criminalidade;
2) Reforçar a organização popular e estimular a criação das Brigadas de Vigilância Popular destinadas à luta contra todo o tipo de reacionários, incluindo os criminosos;
3) Mobilizar e organizar o nosso povo para a recolha de costumes e regras práticas usadas em todo o País, na aplicação da justiça, para que as novas leis, inspiradas pela linha política da FRELIMO, também exprimam e correspondam às realidades no nosso País;
4) Mobilizar e organizar o povo para que se estude coletivamente o modo de constituição e de funcionamento dos Tribunais Populares, dentro dos princípios gerais definidos na “Resolução sobre Justiça” da 8.ª Reunião do Comitê Central da FRELIMO;
5) Mobilizar e organizar o povo para o estudo coletivo das formas concretas de reeducação dos diversos tipos de criminosos no seio do povo;
Todas as informações e contribuições referidas nos pontos 3, 4 e 5 devem ser canalizadas, pelos Grupos Dinamizadores, até à Sede Nacional da FRELIMO através das estruturas do Partido até ao dia 15 de outubro de 1976.
A LUTA CONTINUA!
A SEDE NACIONAL DA FRELIMO
Maputo, 11 de agosto de 1976.