"A Mulher é um elemento transformador da sociedade"
Ao estabelecer as linhas diretivas para a ação da FRELIMO, o 11º Congresso da FRELIMO deu uma importância particular à situação da mulher moçambicana. “A mulher moçambicana – diz o Programa da FRELIMO –, foi sempre considerada um simples instrumento de prazer pelos colonialistas. As nossas mães, irmãs, filhas são violadas impunemente pelos colonos. A dignidade da mulher moçambicana foi espezinhada”.
Mais adiante ao definir os objetivos da FRELIMO, o Programa da FRELIMO precisa entre outros pontos:
“Promover a emancipação política, social, econômica e cultural da mulher moçambicana: realizar a igualdade de direitos entre o homem e a mulher: encorajar a mulher moçambicana a participar cada vez mais na luta de libertação nacional”. Esta preocupação existia desde o momento da constituição da FRELIMO.
Antes de analisarmos o trabalho realizado pela FRELIMO neste domínio importa examinar as razões que levaram a nossa Organização a inscrever a emancipação da mulher entre os objetivos da nossa Organização. Para isso nós temos de nos debruçar, embora em linhas gerais, sobre a situação da mulher na sociedade moçambicana.
A realização e aprofundamento desta análise, que nós aqui apenas esboçaremos é fundamental, pois qualquer tentativa para separar o problema da emancipação da mulher dos objetivos gerais da Organização não pode conduzir senão ao insucesso. Com isto queremos dizer que os dois combates estão intimamente ligados.
Na sociedade moçambicana a mulher está submetida à dominação colonial que se manifesta através da privação dos direitos mais elementares. Como o homem, ela está submetida ao trabalho forçado, aos impostos pesados. Sofre na sua família os efeitos da exportação dos trabalhadores para a África do Sul e Rodésia assim como de outras formas de deportação às quais está submetido o homem. Em particular o sistema capitalista inerente ao colonialismo submete a mulher à prática vergonhosa e mercantil da prostituição.
A prostituição que é uma instituição do sistema capitalista, está em Moçambique diretamente ligada à exploração e dominação colonial. Arrastados os maridos, pais ou filhos maiores para as prisões ou para o trabalho forçado, longe das suas famílias, as mulheres ficam desamparadas e ficam obrigadas a tomar sobre si os encargos familiares.
Privada de recursos a mulher vê-se obrigada a comercializar o seu próprio corpo, prostituindo-se em graus diversos, aos patrões capitalistas ou tornando-se mesmo prostituta profissional.
O resultado desta situação é a desagregação da unidade familiar assim como a incapacidade para a mulher de assumir o seu papel de mãe e de educadora dos filhos.
Desta forma a mulher é considerada pelo colonialismo como mero objeto de prazer ou de procriação através da reprodução de filhos, que significa aumentar a mão-de-obra.
Mas além desta forma de exploração, causada diretamente pelo colonialismo a mulher estava também submetida a outras formas de dominação que se manifestavam no interior mesmo da sociedade moçambicana. Neste momento não possuímos ainda todos os elementos que nos permitem analisar em detalhe a situação existente em cada região ; mas conhecemos os traços gerais que são comuns a todo o país.
Na sociedade tradicional a mulher encontra-se numa situação de inferioridade e está submetida à dominação do homem, que se transmite sucessivamente do pai ao marido e mais tarde, por vezes, ao próprio filho.
À mulher cabe um papel submisso e passivo e as suas funções sociais são rigorosamente delimitadas: fornecimento da mão-de-obra, em geral no setor agrícola, e procriação de filhos.
O primeiro aspecto – a mulher como fornecedor da mão-de-obra – está intimamente ligado ao modelo de produção existente na sociedade tradicional, que é o modelo da economia doméstica.
Em Moçambique existem hoje dois setores económicos:
O setor capitalista que existe onde se manifesta direta e plenamente a dominação colonial portuguesa e imperialista. Dentro deste setor a mulher, como o homem, estão sujeitos ao trabalho forçado e impostos para financiar a máquina de repressão.
Ao lado do setor capitalista existe um setor tradicional que subsistiu nas zonas ainda não profundamente atingidas pela economia capitalista, na maior parte dos casos em zonas rurais, e o setor da economia de subsistência que se organiza ao nível doméstico.
No quadro desta economia doméstica a mulher é considerada e valorizada sobretudo como elemento produtor ou reprodutor de força de trabalho, dentro de um sistema económico em que a propriedade é privada e pertence ao homem.
Quer isto dizer que a nossa sociedade se encontra em geral numa fase de patriarcado em que a propriedade de todos os bens e capacidades da família cabem ao homem, chefe de família.
Esta conjunção de dois fatores – propriedade privada e afirmação de domínio de sexo masculino – leva ao desvirtuamento das relações familiares. Pode dizer-se que no seio da pequena sociedade que é a família, se manifestam em pequena escala os conflitos e contradições da sociedade em geral.
O carácter do casamento avilta-se: em vez de ser uma relação harmoniosa espiritual, social e física entre dois seres para viverem juntos e juntos assegurarem a educação da geração futura, o casamento passou a ser antes de mais uma forma para o homem adquirir mão-de-obra. A poligamia, que é o sistema em que o homem possui várias mulheres, aparece assim como forma de o chefe de família –proprietário, aumentar a sua força de trabalho.
Certas práticas sociais que sobrevivem até aos nossos dias e nalgumas partes do nosso país e da nossa sociedade como a prática do lobolo ou dote mostram claramente, apesar da evolução que sofreram, que se trata de uma forma de aquisição de mão-de-obra.
A função biológica da mulher como procriadora da espécie, também é atingida pelo sistema econômico-social: considera-se assim que a mulher deve produzir o maior número possível de filhos a fim de aumentar as capacidades produtivas da família.
Para manter a mulher nesta situação de dominada e explorada ao longo dos séculos, a sociedade tradicional foi forjando mitos, ritos, tradições e preconceitos que visavam justificar, preservar e acentuar o carácter de inferioridade da mulher.
Entre estes ritos um papel particular foi dado aos ritos de iniciação cujo objetivo é o de envolver as tradições existentes numa aura religiosa e metafísica para levar as pessoas a aceitá-las cegamente e de maneira dogmática, pondo de lado todo e qualquer espírito crítico.
Estes ritos marcam o início da idade adulta: contudo isto não significa que a partir desse momento a mulher passa a assumir um papel ativo e dinâmico na vida social; eles significam simplesmente que a mulher está apta, a partir desse momento, a assumir o papel em que a sociedade a limitou: a procriação de filhos.
É de notar, contudo, que em certos ritos de iniciação se podem distinguir dois aspectos: o primeiro é o ensino de certas regras de higiene sexual ou a prática de certas operações sanitárias do mesmo tipo (como a circuncisão dos jovens) que podem ter um aspecto positivo se forem realizados com os cuidados médicos indispensáveis. Contudo, o segundo aspecto, pelo contrário, é bastante negativo o fato de se aproveitar esse momento para incrustar na mentalidade dos jovens iniciados mitos e tabus que visam perpetuar valores reacionários e conservadores da sociedade tradicional.
Entre esses valores de cuja crença depende em grande parte a resistência da sociedade tradicional ao progresso, e por consequência a manutenção dos privilégios de um setor da sociedade, podemos citar a sobrevalorização da fertilidade da mulher. As origens deste mito estão evidentemente ligadas ao papel da mulher como produtora de mão-de-obra: a mulher mais apreciada é assim aquela que produz mais trabalhadores potenciais para o patrão, seu marido.
Deste modo se reforça a concepção da mulher como ser exclusivamente ou pelo menos essencialmente biológico e animal. A poligamia, o lobolo (mesmo se hoje em vários lugares já tomou um carácter meramente simbólico), a forma como os casamentos são organizados, isto é, através das famílias, a natureza das relações; homem-mulher no seio da família contribuem para reforçar ainda mais a condição de objeto atribuído à mulher.
No conjunto a mulher é condicionada e educada para ser passiva, procriar, produzir para o homem e servi-lo. Deste modo, através de um processo secular, conseguiu-se criar na mentalidade da mulher um complexo de inferioridade imutável em relação ao homem, e de autofragilidade psicológica e intelectual, que chega ao ponto de levar as mulheres, ou uma grande parte delas, a serem incapazes de conceber a vida sem estarem sob a dependência do homem.
Desde a sua formação, pois, como dizíamos atrás, a FRELIMO se preocupou em mobilizar e organizar a mulher para a fazer participar no combate pela independência nacional e pela sua emancipação.
As motivações desta tomada de posição da Organização no que respeita à mulher são várias:
or um lado, porque o colonialismo português não escolheu oprimir somente os homens, mas lançou a sua garra opressora e viciosa, também sobre a mulher, era normal que esta tivesse o espírito de resistência aceso. Em muitos casos, durante toda a noite colonial foi a mãe de família que manteve viva a recordação dos feitos de resistência dos antepassados que se haviam batido contra o colonialismo.
Por outro lado, tanto em consequência do fato que acabamos de citar como porque a nossa Organização tem uma linha política profundamente democrática e popular, estabeleceu-se desde o início o princípio de recusa de qualquer discriminação, fosse ela baseada na religião, raça ou sexo.
Podemos ainda citar, entre estas razões, a necessidade de mobilizar todo o enorme potencial humano que representam as mulheres moçambicanas. A emancipação da mulher, a sua integração total na luta, representam um aumento considerável da capacidade da Organização.
Mas seria errado ligar o combate pela emancipação da mulher moçambicana somente a uma questão de princípios estatutários ou a uma questão de aumento dos efetivos.
É certo que estes aspectos não podem ser descurados. Sem dúvida a emancipação da mulher permite mobilizar mais completamente todas as forças vivas da Nação moçambicana.
Mas o combate pela emancipação da mulher é acima de tudo uma das formas de combate contra a exploração do homem pelo homem, ou neste caso diríamos com mais propriedade, a liquidação da exploração econômica e social da mulher pelo homem. Na medida em que um ser que oprime não é livre o homem moçambicano não será livre enquanto qualquer forma de opressão ou exploração continua a pesar sobre a mulher.
Por esta razão a FRELIMO a engajou profundamente neste combate. Tanto no momento da constituição da FRELIMO como durante a preparação da luta armada de reconstrução nacional, as mulheres moçambicanas deram uma contribuição ativa, ajudando e protegendo -os primeiros combatentes, trazendo informações sobre os movimentos do inimigo, sabotando as vias de comunicação das forças inimigas. Uma das decisões mais importantes tomadas com vista a acelerar a emancipação da mulher foi a criação do Destacamento Feminino no seio das Forças Populares de Libertação de Moçambique.
Este fato, e a participação efetiva das mulheres no Destacamento Feminino, para além das limitações e insuficiências que teremos ocasião de verificar, representa um marco histórico na condição da mulher moçambicana, uma ruptura brusca mas tornada imperativa por séculos de opressão a que se contrapunha o desencadeamento da luta armada de libertação nacional.
Dentro deste processo – a luta armada – que constitui a resposta histórica do nosso povo à dominação colonial, a mulher moçambicana esteve presente através do Destacamento Feminino.
Antes de tudo a mulher moçambicana afirma-se como elemento político armado. No combate armado em que ela participa fraternalmente ao lado do homem, a mulher afirma-se como elemento transformador da sociedade. Ao visar o soldado colonialista na mira da sua arma, a mulher moçambicana visa destruir uma muralha que persiste em se opor ao desmoronamento de uma forma de sociedade que a sua consciência política rejeita, e que se apresenta como um obstáculo na via da sua libertação e da do seu povo.
Ao mesmo tempo ela apresenta-se como um agente da difusão de ideias novas, tanto através de trabalho de mobilização que ela realiza no seio das populações como através do exemplo da sua própria presença ativa que contribui para destruir muitos mitos sobre a inferioridade da mulher. Por isso mesmo, a militante do Destacamento Feminino joga um papel fundamental na libertação do potencial das massas, às quais a sua participação e exemplo revelam capacidades de ação até então insuspeitas, abrem horizontes novos e criam uma visão mais vasta das coisas.
O papel de agente de transformação da sociedade não se circunscreve ao combate armado nem é exclusivo das militantes do Destacamento Feminino. Mas merece ser relevado porque ele tem o significado de uma participação de primeiro plano, sem limitações, na luta de libertação. A participa cão da mulher manifesta-se através da luta pela destruição do. inimigo visível, o colonialismo português, mas também na edificação de uma nova sociedade por sobre as ruínas da sociedade destruída.
Deste modo a mulher moçambicana tem podido dar uma contribuição de grande relevo à luta de libertação. A prática revolucionária mostrou as grandes capacidades, talento e espírito de sacrifício das mulheres moçambicanas.
Contudo a prática revolucionária também nos mostrou que a participação plena da mulher no combate libertador deparava com obstáculos que derivavam da sua condição de mulher. É bem claro que se não tratava de obstáculos físicos: a experiência mostrou que as mulheres têm capacidade física para participar em qualquer tarefa da luta.
Os obstáculos a que tínhamos de fazer face eram de natureza social, provinham da situação passiva em que a sociedade tradicional tinha colocado a mulher e que o colonialismo agravava. Estes aspectos particulares da sociedade moçambicana tinham sido relegados ao segundo plano durante a dominação colonial, isto é, tinham sido submergidos pela contradição principal entre o colonizador e o colonizado. Mas eles emergiram (vieram à superfície) quando no processo da luta, em particular nas zonas libertadas, a sociedade moçambicana retomou plenamente a sua vida.
Essas insuficiências manifestam-se de várias maneiras, que embora sendo impossível analisar aqui completamente, devem merecer a nossa atenção.
Podemos dividir estas dificuldades em vários tipos: as que provêm da própria mulher, as que provêm da reação e dos comportamentos dos homens.
Ao nível da mulher, a maior dificuldade encontrada é o fato de que a própria mulher integrou na sua mentalidade
e no seu comportamento a convicção da sua auto-inferioridade. Convencida de que a sua posição é de dependência necessária em relação ao homem, a mulher moçambicana toma uma atitude passiva perante a sociedade: no quadro da nossa Organização isso traduz-se por falta de iniciativa, tanto na solução dos problemas gerais como daqueles que lhes diz particularmente respeito.
Ao nível da participação concreta, o peso dos mitos manifesta-se de várias formas. Tomaremos um dos exemplos mais significativos: por vezes as mulheres que participam no Destacamento Feminino consideram essa participação não uma atitude normal e permanente, mas um momento excepcional na sua vida. Dois ou três anos mais tarde, as militantes do Destacamento Feminino abandonam as fileiras do Exército e regressam às famílias para casar, ter filhos e permanecer em casa pois é esta a função social que elas consideram ser-lhes destinadas. Se tomamos este exemplo é para mostrar que mesmo no seio das mulheres cujo nível político é mais avançado e cuja integração na luta é bastante grande o peso das tradições persiste.
Isto é, os mitos e preconceitos que a sociedade criou para justificar a dominação da mulher encontram-se hoje profundamente incrustados na mentalidade da própria mulher, do mesmo modo como o colonialismo impregnou na mentalidade de certos moçambicanos a convicção de inferioridade natural e inultrapassável do homem negro.
Por isso mesmo o combate contra todas as concepções reacionárias sobre o papel da mulher, que é um combate ideológico, deve merecer uma importância particular. É necessário demonstrar que o papel da mulher não é exclusivamente o de procriar e trabalhar no quadro da família. E se hoje aparece para muitos como sendo incontestadamente esse, é porque a sociedade, através da sua evolução histórica, relegou a mulher a esse papel.
Ao nível do homem, muitos são os preconceitos, mas sobretudo os interesses é que os levam a opor-se à emancipação da mulher. Isso manifesta-se mesmo no seio de militantes da FRELIMO. As causas podem ser facilmente detectadas: influência da sociedade tradicional, isto é, das ideias antigas, defesa dos seus privilégios.
Estes fatores levam muitos homens a recusarem considerar as mulheres como militantes e cidadãs, continuando a ver nelas a mulher-submissa e a mulher-objeto de prazer. Para esses militantes, fundamentalmente, o combate pela emancipação da mulher aparece como um aspecto acessório da nossa luta, isto é, estes camaradas não compreenderam plenamente que o combate pela libertação da mulher da dominação social e econômica imposta pela sociedade tradicional e pelo colonialismo são uma parte integrante e indispensável do combate global pela liquidação da exploração do homem pelo homem. Quais são pois os nossos objetivos?
Com o desenvolvimento da luta de libertação nacional e com a tomada de consciência da natureza da nossa luta, tornou-se imperativo a realização de uma Revolução com o fim de liquidar a exploração do homem pelo homem mesmo quando esta é exercida por elementos nacionais. Noutros termos, enquanto houver exploração econômica no nosso país, o nosso combate prosseguirá.
Por isso não teria sentido liquidar a exploração estrangeira sobre a mulher deixando a exploração da mulher pelo homem moçambicano. Estes dois combates estão ligados, pois sem a luta contra as formas de dominação econômica não é possível vencer as forças sociais-tradicionais, ritos e mitos que justificam e tentam perpetuar essa exploração. É por isso que a emancipação da mulher, condição da participação plena da mulher, torna-se indispensável, quer pelo fato de ela representar em termos de quantidade uma parte importante da população, quer pelo fato de que, através de uma participação consciente da mulher assim como de todo o povo, nós materializamos o princípio de que a nossa luta deve ser popular para triunfar.
Visamos deste modo a afirmação completa da personalidade da mulher. Devemos, no entanto, evitar análises superficiais neste domínio: não basta pensar que, porque a mulher realiza um trabalho igual ao do homem, mesmo se um trabalho duro e penoso, ela está automaticamente emancipada. Devemos evitar por isso a busca de um igualitarismo absoluto que negue a especificidade biológica da mulher. Mas devemos dentro desse particularismo criar as condições para que a mulher se realize plenamente na vida pública e social como cidadã, na vida econômica como produtor livre, na vida familiar como companheira verdadeira da vida do lar.
Vários são os métodos que devem ser seguidos, alguns dos quais já estão sendo postos em prática.
Assim, é necessário reforçar a participação ativa da mulher na vida social e em particular nas atividades da nossa Organização. É neste sentido que o Comitê Central decidiu reforçar as estruturas de enquadramento da mulher moçambicana na luta, criando, ao lado do Destacamento Feminino, a Organização da Mulher Moçambicana, cujo objetivo é de mobilizar e organizar as mulheres que não estão em condições de se integrar no Exército, mas cuja participação ativa no processo revolucionário é indispensável e valiosa.
Por outro lado, é necessário reforçar o trabalho de educação no que respeita às mulheres. A educação revolucionária, o conhecimento científico da natureza e da vida social, são sem dúvida a forma mais segura tanto para a nova geração como para as mulheres já de idade mais avançada, para destruir as cicatrizes e vestígios das concepções tradicionais. Para realizar este objetivo deve-se intensificar a integração das mulheres nas escolas vencendo-se através da explicação política e da persuasão a resistência dos pais quanto a enviarem as suas filhas à escola. Ao mesmo tempo devem-se organizar seminários, reuniões e cursos de formação sobre os problemas da mulher moçambicana para a levar a ela própria a distinguir as causas históricas, sociais, econômicas e outras que determinaram a situação presente, assim como a maneira de a superar.
Só assim a mulher estará armada para realizar o combate interno que lhe permitirá superar as ideias que lhe inculcaram o sentimento de inferioridade invencível. Trata-se não de um ato isolado mas de um processo, cujo objetivo é fazer com que a mulher esteja consciente da causa fundamental da sua posição inferior na sociedade no momento histórico atual, e das estruturas e tradições que justificam essa atitude. Deste modo ela poderá assumir o papel que lhe cabe na luta de libertação nacional e na revolução.
Como dissemos atrás, o momento ideológico, o combate ao nível das ideias contra as concepções reacionárias é fundamental: ele manifesta-se em dois planos:
O primeiro é o de levar, através da discussão aberta, todos os militantes, quadros, responsáveis e todo o povo a compreender a ligação do problema da emancipação da mulher como o combate revolucionário global, isto é, a compreender que o combate pela emancipação da mulher é uma tarefa de todos os revolucionários moçambicanos.
Um outro aspecto que deverá surgir no decurso destas discussões, tanto no seio das mulheres como entre todos os militantes, é a análise detalhada dos mitos, ritos, superstições e preconceitos que querem justificar a inferioridade da mulher. Só essa análise, cuidada e rigorosa, região por região, nos permitirá obter as armas que servirão para desmistificar, denunciar e combater o carácter reacionário desses mitos e ritos, separando neles o que pode haver de positivo e aquilo que visa a perpetuar a opressão da mulher ou outras formas de opressão social e econômica.
Todos estes aspectos estão ligados entre si por uma relação dialética. Como a experiência nos mostrou, a participação direta da mulher na luta (como acontece através do Destacamento Feminino) não fica completa se não for acompanhada pelo combate ideológico geral contra as concepções sobre a condição inferior da mulher, de que o combate interno da mulher é um dos aspectos essenciais. É, pois, uma tarefa complexa, mas decisiva para o triunfo da Revolução.
É uma condição para o sucesso da nossa luta, pois só assim a mulher poderá dar à luta revolucionária de libertação nacional a contribuição que ela pode, deve e a que tem direito.
O combate pela emancipação da mulher é acima de tudo uma das formas de combate contra a exploração do homem pelo homem ou neste caso diríamos com mais propriedade, a liquidação da exploração econômica e social da mulher pelo homem. Na medida em que um ser que oprime não é livre o homem moçambicano não será livre enquanto qualquer forma de opressão ou exploração continua a pesar sobre a mulher.
Antes de tudo a mulher moçambicana afirma-se como elemento político armado. No combate armado em que ela participa fraternalmente ao lado do homem, a mulher afirma-se como elemento transformador da sociedade. Ao mesmo tempo ela apresenta-se como um agente da difusão de ideias novas, tanto através de trabalho de mobilização que ela realiza no seio das populações como através do exemplo da sua própria presença, ativa que contribui para destruir muitos mitos sobre a inferioridade da mulher.
Ao nível da mulher, a maior dificuldade encontrada é o fato de que a própria mulher integrou na sua mentalidade e no seu comportamento a convicção da auto inferioridade, convencida de que a sua posição é de dependência necessária em relação ao homem, a mulher moçambicana toma uma atitude passiva perante a sociedade: no quadro da nossa Organização isso traduz-se por falta de iniciativa, tanto na solução dos problemas gerais como daqueles que lhes dizem particularmente respeito. Isto é, os mitos e preconceitos que a sociedade criou para justificar a dominação da mulher encontram-se hoje profundamente incrustados na mentalidade da própria mulher, do mesmo modo como o colonialismo
impregnou a mentalidade de certos moçambicanos da convicção da inferioridade natural e inultrapassável do homem negro.
Ao nível do homem, muitos são os preconceitos, mas sobretudo os interesses que os levam a opor-se à emancipação da mulher. Isso manifesta-se mesmo no seio de militantes da FRELIMO. As causas podem ser facilmente detectadas: influência da sociedade tradicional, isto é, das ideias antigas, defesa dos seus privilégios.
A emancipação da mulher, condição da participação plena da mulher, torna-se indispensável, quer pelo fato de ela representar em termos de quantidade uma parte importante da população, quer pelo fato de que, através de uma participação consciente da mulher assim como de todo o povo, nós materializamos o princípio de que a nossa luta deve ser popular para triunfar.
Documento do Comitê Central da FRELIMO, elaborado em 1972, em pleno processo de luta de libertação nacional, e que integra o volume nº 10 da coleção “Estudos e Orientacões”.