"Os pontos de vista filosóficos e sociais de Karl Marx"
Senhoras e senhores, cidadãos. Em vista do tempo limitado concedido aos oradores hoje, talvez seja muito ousado da minha parte tentar dar uma avaliação da contribuição de Marx para a filosofia e a ciência social. No entanto, vou tentar fazer isso, e se eu não for capaz de completar essa tarefa, tanto pior para mim.
A filosofia de Marx surge logicamente e inevitavelmente de Hegel – que é tantas vezes contada por aqueles que fizeram um estudo do socialismo atual. Isso é verdade, mas não é tudo; longe disso. Marx sucedeu a Hegel da mesma maneira que Jupiter sucedeu a Saturno, derrubando-o do trono. O surgimento da filosofia materialista de Marx foi uma genuína revolução, a maior da história do pensamento humano. Para uma apreciação do significado dessa revolução, é preciso lançar um olhar sobre a condição da filosofia materialista no século XVIII.
A ideia da evolução na Natureza e na sociedade humana foi quase completamente estranha para o materialismo daqueles tempos – aquela vigorosa e militante filosofia. Verdade, Denis Diderot, um dos mais marcantes pensadores do período, frequentemente apresentou pontos de vista que fariam de crédito para os nossos evolucionistas dos dias atuais. Entretanto, estes profundos e brilhantes pontos de vista não compreenderam a essência da doutrina dos materialistas; eles eram apenas exceções, e desta maneira, só podiam suportar a regra geral. Eu não posso entrar em detalhes de tal assunto aqui, e é por isso que vou citar apenas dois exemplos. Leiam através da notável obra de Holbach, Système de la Nature, e observem o capítulo em que o autor fala da origem do homem. Vocês verão que as maiores dificuldades que o autor apresentou foram aquelas que se referem a evolução biológica do homem e a evolução geológica de nosso planeta. O segundo exemplo será tomado a partir da esfera da moral. Os materialistas do século XVIII foram acusados por quase todos os historiadores da filosofia de ter pregado o egoísmo. Isso é um grande erro. Para Helvetius, Holbach e seus amigos, o bem-estar social, e não pessoal, foi a base de toda a moralidade. Salus populi – suprema lex (o bem público é lei suprema), disse Helvetius. Neste caso, qual é a explicação para um erro tão difundido no mundo da filosofia e da literatura? Ela deriva de uma fonte que já foi citada: os filósofos materialistas do século XVIII não poderiam considerar a moral do ponto de vista evolutivo. É apenas a evolução histórica que pode explicar para nós como e porque o bem-estar social tornou-se predominante na moral que reina em uma dada sociedade. Tal evolução, entretanto, ocorre na maioria das vezes sem o conhecimento dos indivíduos, estes que obedecem às exigências morais de sua sociedade ou de sua classe como a mando da moralidade absoluta como é permitida pela religião ou pela metafísica. Não é a mente subjetiva do indivíduo, mas a lógica objetiva das relações sociais que dita o curso de um comportamento ou de outro para o indivíduo. Sem qualquer conhecimento da evolução, os filósofos do século passado poderiam ter recorrido apenas ao que eles chamam de Razão.
Eles tentaram provar que, mesmo do ponto de vista do interesse pessoal, é melhor dar preferência para o bem-estar social. Não é de se estranhar que a Razão da qual eles se dirigiam, muitas vezes se assemelhava a um homem com o coração mais excelente que solicita os sentimentos mais nobres nele, mas com a mente da qual ao mesmo tempo não era capaz de escapar do labirinto lógico do utilitarismo individualista.
A primeira metade de nosso século viu a completa reabilitação da filosofia idealista. Ninguém queria mesmo ouvir de materialismo, que foi considerado com o maior desprezo. Se vocês compararem a filosofia idealista do século XIX com a filosofia que precedeu a florescência do materialismo do século passado, vocês verão que o recurso mais forte do idealismo em nosso século é a própria ideia de evolução, que era desconhecida pelos materialistas. Isto foi um preço pago pelo materialismo por tal erro. Por seu lado, a filosofia idealista de nosso século, também se mostrou incapaz de resolver o problema da evolução. As leis lógicas da evolução da ideia – tal era a arma empregada por aquela filosofia que sempre tinha que verificar as leis da evolução do Universo e da raça humana. Entretanto, as leis lógicas da evolução da ideia nada explicam na Natureza e na sociedade, então os idealistas foram obrigados a dirigirem-se aos fatos e leis ordinárias – os fatos e as leis da natureza, e os da história social. Assim, Hegel, o maior idealista de todos os tempos e povos, foi obrigado a procurar na evolução econômica, explicações de fatos históricos que eram incompreensíveis pela perspectiva idealista. A filosofia de Hegel da história foi um involuntário e inconsciente tributo ao materialismo. Por outro lado, o que os idealistas chamaram de filosofia do espírito – Philosophie des Geistes – foi demolida pelas dificuldades que só podiam ser superadas pela psicologia fisiológica, uma ciência que é totalmente materialista, o que quer que pode ser dito por aqueles que se dedicam a ela. Foi assim que, na segunda metade de nosso século, a filosofia tornou-se novamente materialista; no entanto, o materialismo dos dias atuais foi enriquecido por todas as conquistas da teoria evolucionista.
Sem dúvida vocês estão cientes do papel desempenhado pela ideia de evolução em vários campos da grande ciência da Natureza. Basta recordarmos os nomes de Kant e Laplace, Lyell e Darwin. Mas em qual lugar se coloca a ideia da evolução na área da ciência social?
No presente, muito está sendo dito na literatura sociológica – e muitas vezes bastante errônea – sobre a evolução. No entanto, não é suficiente para afirmar que as relações sociais estão em constante mudança; o que é necessário é saber qual a força motriz de tal mudança. Darwin não se limitou a afirmar que as espécies passam por mudanças; ele mostrou que a luta pela existência foi a causa dessa mudança. O que, então, traz mudanças nas relações sociais? Qual é a origem dos vários tipos de estrutura social?
Marx provou que a estrutura econômica da sociedade humana é a base cujo desenvolvimento explica todos os outros aspectos da evolução social. Está a seu crédito eterno, aquilo que é ainda mais importante do que disparar críticas à sociedade atual do que a sua obra O Capital. A chave para uma compreensão da evolução humana foi dada primeiramente pela teoria da história. Foi a partir de Marx que nós recebemos pela primeira vez a filosofia materialista da história da humanidade: “Meu método dialético, diz Marx, não é apenas diferente do hegeliano, mas é diretamente seu oposto. Para Hegel, o processo vital do cérebro humano, isto é, o processo de pensamento, que, sob o nome de “ideia”, transforma-se em um sujeito independente, é o demiurgo do mundo real, e o mundo real é apenas o externo, a forma fenomenal da “ideia”. Comigo, ao contrário, o ideal não é nada mais do que o reflexo do mundo material na mente humana, e traduzido em formas de pensamento... Em sua forma mistificada, a dialética tornou-se moda na Alemanha, porque parecia transfigurar e glorificar o estado de coisas existente. Na sua forma racional, é um escândalo e uma abominação ao burguês e seus professores doutrinários, porque ela inclui em sua compreensão o reconhecimento afirmativo da existência do estado de coisas, e ao mesmo tempo também, o reconhecimento da negação desse estado, de sua inevitável quebra; porque considera cada forma social historicamente desenvolvida como um fluído em movimento e, portanto, leva em conta a sua natureza transitória não menos do que a sua existência momentânea; porque não permite nada impor-se sobre ela, e é, em sua essência, crítica e revolucionária.” Os sociólogos da escola de Darwin dizem muito sobre a luta pela existência, o que eles gostariam de perpetuar. Longe de ignorar tal luta, a escola de Marx explica o seu início em todas as fases de seu desenvolvimento histórico. Ele mostrou que, desde que a humanidade emergiu de sua condição primitiva, e se constituiu em várias classes, o antagonismo entre estas, é que têm sido a força motriz da evolução social. Estamos testemunhando hoje, uma luta árdua – uma luta de vida ou morte – entre o proletariado e a burguesia, entre os que trabalham e os que se apropriam dos produtos de seu trabalho.
Ele ficou do lado dos oprimidos, convocando-os para organizarem-se e alcançarem a unidade internacional. Tal chamada foi atendida pelas massas proletárias. Menos de cinquenta anos se passaram desde que se ressoou o grande apelo: “Trabalhadores de todo os países, uni-vos! ”, e a bandeira vermelha do socialismo internacional é orgulhosamente agitada em todos os países do sistema capitalista. A cada dia, o movimento está adquirindo cada vez maior vigor; a cada dia, a sua velocidade está crescendo; a cada dia, a luta é cada vez mais feroz.
Vamos todos nos preparar para o dia em que a batalha decisiva estiver batendo nossa porta!
Discurso de G. V. Plekhanov em um encontro na Suíça entre o final de 1897 e começo de 1898.
Traduzido por I.G.D.