"O fim de Gandhi"
Há uma quinzena, o The Communist alertou seus leitores que a apreensão de Gandhi estava sendo preparada.
No exato momento em que essa declaração foi feita, a ordem de prisão do Gandhi realmente havia sido escrita. (Declaração do Sr. Montagu na Câmara dos Comuns no dia 14 de fevereiro).
Porém nesse momento um novo fator entrou na situação.
O The Communist tem alertado persistentemente seus leitores que o verdadeiro poder revolucionário na Índia será encontrado, quando chegar a hora do julgamento, não no movimento nacionalista de classe média, para todo seu “extremismo”, mas sim nos trabalhadores e camponeses da Índia, que estão despertando para uma consciência da luta antes deles.
Essa advertência foi abundantemente justificada pelo evento.
Gandhi, não por qualquer consideração de sua posição pessoal (ele cortejou a prisão vez após vez), mas pelo genuíno alarde às consequências revolucionárias de uma luta, que recuou e abandonou todo o seu programa. A vitória é do Governo, e a prisão e detenção de Gandhi, sujeita a seu bom comportamento.
A falha de Gandhi repete em uma nova esfera e em circunstâncias muito diferentes da velha lição do fracasso de Kerensky – o fracasso de um homem que chama as massas em movimento, mas se encolhe em frente as consequências revolucionárias de um movimento de massas.
Os fatos do caso são simples.
Em dezembro, o Congresso Nacional Indiano decidiu pela imediata adoção do programa de “desobediência civil”, e confiou a Gandhi poderes ditatoriais para realiza-lo. Toda a opinião oficial Anglo-indiana estava alarmada, e a tensão do entusiasmo popular era extremo.
Em 17 de janeiro Gandhi postergou a operação em uma quinzena, com a condição que o governo soltasse prisioneiros e entrasse em negociações. O governo não fez nada.
No dia 4 de fevereiro, Gandhi adiou a operação por uma semana, e deu ao governo o aviso final de 7 dias. O governo se recusou a mover-se. Enquanto isso, as massas tornavam-se inquietas, os distritos começaram a agir em desafio a Gandhi, e houveram incidentes de crescente seriedade.
Em 11 de fevereiro Gandhi postergou a operação indefinidamente e sem condições.
Com a greve da Tríplice Aliança neste país, a grande arma do movimento indiano de “desobediência civil em massa”, depois de repentinamente ameaçada e repentinamente adiada, nunca saiu.
O movimento, que Gandhi se esforçou para criar foi um movimento nacional; isto é, uma união de classes, raças e religiões em defesa da cultura nacional (uma civilização pré-industrial) contra o invasor estrangeiro. Esta união foi possível por um curto período de tempo; porque é a característica de uma época revolucionária em seu primeiro estágio concentrar todas as forças contra o sistema existente, de dissolução rápida. A dificuldade racial que ele era capaz de vencer pela oposição comum contra o invasor branco. A dificuldade religiosa que ele foi capaz de superar para o acordar o muçulmano diante da ameaça imperialista, para todo o mundo muçulmano. A dificuldade de classe que ele buscava superar com um programa comum de não-cooperação. Para as classes médias, os fabricantes e os comerciantes, a falta de cooperação significava o boicote de bens britânicos; para os trabalhadores industriais a falta de cooperação significava greve; para o campesinato a falta de cooperação significava a resistência ao grave fardo do imposto sobre a terra. Permaneceram fora apenas os grandes senhorios, os príncipes governantes e os oficiais ou profissionais que procuravam lugares, que constituíam a Índia “leal”.
Mas esta unidade continha em si divergências latentes que viriam a crescer e a fazer-se sentir. O grande fato novo na Índia pós-guerra é o surgimento de um movimento dos trabalhadores industriais. De acordo com um recente memorando do governo da Índia, há hoje na Índia cerca de 20 milhões de trabalhadores industriais (industrias, minas e transporte), ou seja mais de duas vezes do que na Itália, Bélgica, Espanha e Suíça combinadas (Bombay Labour Gazette, setembro de 1921). Destes, uma porção importante está na indústria de grande escala. A organização entre estes começou somente após a guerra e já tinha alcançado meio milhão de membros no Segundo Congresso Sindical do toda a Índia em dezembro passado. Muito mais significativo do que o esboço do começo da organização foi o movimento de massas real que se desenvolveu à velocidade da luz desde a guerra, nos grandes centros industriais – as greves espontâneas, as manifestações de massas e os conflitos com as autoridades em escala cada vez maior. Está é a nova força que, em conjunto com os primeiros movimentos de camponeses, destruiu os cálculos de Gandhi.
Pois aqui surge uma importante distinção entre o movimento operário e o movimento de Gandhi. É inerente ao movimento operário que não pode conter-se à não cooperação; Ele deve continuar a atacar o controle da riqueza ou falhar. A resistência passiva é uma concepção burguesa; uma concepção, isto é, de quem possui bens sobre os quais viver enquanto espera que o outro lado ceda.
Ao longo do movimento de Gandhi, essas duas vertentes podem ser observadas, trabalhando juntas por um tempo, mas absolutamente distintas. Se for feita uma lista de todos os “incidentes” e “distúrbios” registrados na Índia nos últimos 2 meses, verificará que eles se dividem em dois grupos distintos. Cerca de metade são incidentes de não cooperação; Isto é, procissões, boicotes, reuniões púbicas realizadas em desafio à proibição. A outra metade são movimentos puramente operários; Ou seja, manifestações de greve, tumultos de desempregados, ataques a fábricas, etc., e em alguns casos movimentos camponeses.
Um exame mais aprofundado da lista revela um fato ainda mais interessante. Os incidentes de não cooperação quase sempre quase sempre resultavam em prisões em massa. Mas os movimentos operários quase sempre encontram os disparos policiais e as baixas. Um único caso na mesma cidade de Calcutá de dois incidentes que acontecem dentro de poucos dias de um ao outro trará esse contraste em relevo.
24 de janeiro, Calcutá – Quinze voluntários do Congresso Nacional Indiano envolvidos em piquetes foram presos. Sem se intimidar com as detenções nas recentes reuniões proibidas do Congresso Provincial de Bengala, os organizadores realizam outra reunião pública ontem, e 273 prisões foram feitas – Times 28/01/22;
27 de janeiro, Calcutá - Um motim sério, no qual estiveram envolvidos 4 mil ajudantes de moleiro, estourou ontem no Standard Jute Mills em Titagarh, com o resultado que que 2 amotinados foram mortos e 40 feridos – Manchester Guardian 31/01/22.
O movimento de Gandhi, na verdade, não foi um movimento, mas dois. E destes dois, é o movimento operário que tem sido a verdadeira força revolucionária. São os trabalhadores industriais que, em conjunto com os camponeses, farão a revolução na Índia.
Este é o fato que de repente olhou fixamente na cara de Gandhi e seus companheiros do Congresso Nacional Indiano, que tinham esperado por um movimento político pacífico de resistência passiva. É a realização desse fato que os fez, depois de terem brincado com todas as formas de “extremismo”, de repente fizeram se encolherem e correrem para os braços dos moderados.
Por essa capitulação, a liderança do movimento indiano passará doravante para os operários revolucionários. Quando a próxima crise vier, a liderança será dos trabalhadores.
Enquanto isso, o que dizer da situação na Índia?
O movimento indiano terá que decidir se deve depositar suas esperanças no movimento operário oficial ou no movimento operário revolucionário neste país. É a mesma escolha, traduzida para uma esfera diferente, como confronta-los em seu próprio país.
Muito tem sido feito do “amordaçamento” do Partido Trabalhista no debate na Câmara dos Comuns sobre a Índia, mas se o Partido Trabalhista tivesse falado, o que teria a dizer? O Coronel Wedgwood deixou isso claro para nós em sua carta para o Daily Herald. O Coronel Wedgwood, o porta voz do Partido, teria se levantado para dar a benção do trabalho para Montagu. Isso é o que nos pedem para acreditar, que o governo quebrou toda as regras do procedimento parlamentar, a fim de mostrar o caminho.
A sugestão de “amordaçar” não é francamente credível. Seria impossível amordaçar o Partido Trabalhista se este não quisesse ser amordaçado. É concebível que, num debate importante semelhante sobre a Irlanda, com duração de sete horas e incluindo catorze palestrantes, Tim Healy ou Larry Ginnell se deixassem ser “jogados” pelo orador desta forma? Um orador que já foi conhecido por “jogar” com os membros irlandeses, a menos que por acordo através de Devlin, Redmond e O’Connor, e com seu consentimento? Ou pretendemos inferir que os membros do Partido Trabalhista são os “covardes” que Galloper Smith chamou?
O fato é que o Partido trabalhista não falou no debate sobre a Índia, porque não quis falar, e não quis falar porque não tinha nada a dizer. No mesmo dia em que se realizou o debate, chegou um artigo do coronel Wedgwood, porta voz do partido trabalhista, no qual ele declara que a missão dos britânicos na índia era “plantar bem e firmemente as tradições britânicas entre o novo terço da raça humana”.
Agora, se este tipo de coisas tivesse sido telegrafado para a Índia como a declaração oficial do Partido Trabalhista Britânico em relação à Índia, teria dignificado a extinção final do crédito do Partido Trabalhista, na Índia.
Mas a extinção do crédito do Partido Trabalhista na Índia e de esperanças patéticas em fazer justiça algum dia significaria o estabelecimento final da perspectiva revolucionária. Isso significaria que o movimento indiano teria finalmente reconhecido que devia olhar para o movimento operário revolucionário, e não para nenhum outro, para um apoio efetivo na luta. E o dia desse reconhecimento é o início do fim da dominação imperialista britânica tanto na Índia como na Grã-Bretanha.
R. Palme Dutt
Publicado no The Communist, a 25 de fevereiro de 1922.
Traduzido por Letícia Meireles Rocha