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REIMPRESSÕES

Foto do escritorNOVACULTURA.info

"A política e a organização do Vaticano"


Uma das sete colinas históricas de Roma, a do Vaticano, escapa à soberania do Estado italiano. Seu território, com a extensão de 44 hectares, forma um Estado soberano, submetido ao chefe da Igreja Católica mundial, o Papa. Esse estranho Estado, de que o velho latim é a língua oficial, conta pouco mais de mil súditos. A nacionalidade vaticana não pode ser transmitida nem hereditariamente, nem pelo fato do nascimento no território do Vaticano; é concedida unicamente a título pessoal, por decreto do Papa. O governador do Vaticano, que comanda os guardas vestidos de uniformes medievais e recrutados principalmente nos cantões católicos da Suíça, é subordinado apenas ao Papa ou ao Colégio dos Cardeais, nas épocas de férias da Santa-Sé.

O papado é uma das mais antigas instituições da Europa. De fato, desde que Roma deixou de ser o centro político do império romano e desde que o cristianismo, outrora religião perseguida, saiu das trevas das catacumbas para se transformar na Igreja oficial dominante, o bispo de Roma tornou-se a personalidade mais influente da cidade, depois, a partir de Leão 1.° (440-461), exerceu o governo efetivo da grande cidade e da região circunvizinha. Afinal, forte pelo prestígio da "cidade eterna", reivindicou o comando de toda a Igreja cristã, comando que lhe foi ardentemente contestado pelos bispos da Igreja do Oriente, mas que foi amplamente reconhecido no Ocidente.

Durante séculos, o papado representou, assim, um duplo papel histórico. O portador da tiara era simultaneamente um dos maiores senhores feudais italianos, esforçando-se em aumentar e em manter seu domínio, e o Chefe da Igreja, isto é, de todo o universo católico. Nesse duplo título, o papado foi, em quase todas as etapas de sua história, uma força política reacionária, organizando "cruzadas" contra os movimentos sociais mais progressistas, queimando os grandes sábios e os reformadores e freando, assim, o progresso social e cultural. E foi também freqüentemente o árbitro internacional dos negócios temporais, até a queda do feudalismo e a formação, no século XVI, em vários países, das Igrejas protestantes nacionais, independentes de Roma.

Após sua ascensão ao poder, a burguesia começou combatendo o catolicismo, sustentáculo do sistema feudal; mas acabou ela própria, por contratar com ele uma aliança duradoura. É o que melhor ilustra a política de Napoleão I, arrebatando ao papa seu poder temporal, mas assinando com ele a Concordata, que presidiu ao renascimento do catolicismo na França. "Com meus guardas e meu clero sou todo-poderoso", dizia o imperador dos Franceses. E, mais tarde, Bismarck, após haver combatido o catolicismo, reconheceu, também ele, a importância da Igreja católica, na luta contra o socialismo e a democracia, e anulou todas as leis anti-católicas.

Após a queda do império napoleônico, o poder temporal do papado foi restaurado, mas não por muito tempo. Em 1870, as tropas da Itália unificada entravam em Roma e a "cidade eterna" tornava-se a capital italiana. O papa, definitivamente privado do poder temporal, constituía-se voluntariamente prisioneiro em seu palácio do Vaticano. Isso durou cerca de 60 anos. Era a "questão romana", que foi resolvida em 1929 pelo famoso tratado de Latrão, concluído entre o governo fascista da Itália e o papa, e que instituía o Estado-anão do papado: a Cidade do Vaticano.

Se, atualmente, cerca de 40 embaixadores e ministros de diferentes Estados são acreditados junto à Corte papal, compreende-se facilmente que não é junto ao soberano desse minúsculo Estado que eles são enviados, mas sim junto ao chefe espiritual da mais influente das Igrejas cristãs.

A Igreja Católica — Sua Organização Internacional — Seu Papel Ideológico

DE ACORDO com as estatísticas de 1939, contavam-se no mundo mais de 398 milhões de pessoas que professavam o catolicismo, das quais 220 milhões na Europa e mais de 100 milhões na América. Para sustentar a influência do catolicismo, nos diferentes países, contava-se, além disso, com um exército de mais de meio-milhão de padres e de monges, distribuídos nas 1.300 dioceses, aproximadamente, que compreende o mundo católico, e que são as divisões administrativas essenciais da Igreja.

À frente das dioceses estão colocados os bispos e os arcebispos, nomeados pelo papa, com o consentimento, via de regra, do governo do país interessado. Outros altos dignitários da Igreja representam oficialmente o papa junto aos governos dos 33 países, têm a hierarquia de embaixadores ou de ministros, usando, então, o título de núncio ou de legado e são o mais das vezes, considerados como os decanos de corpo diplomático; em 25 outros países não são reconhecidos como diplomatas e usam o título de delegados apostólicos, mas, quer num, quer noutro caso, exercem vigilância sobre as atividades das igrejas católicas locais.

Mais acima, no cume da hierarquia católica, acha-se o colégio dos cardeais: (70 bispos ou arcebispos, no máximo, podem ser elevados ao cardinalato), que elege o papa em conclave e lhe serve de Conselho de Estado. Quanto ao papa, propriamente, esse, desde o momento de sua eleição, dispõe de um poder supremo ilimitado sobre a Igreja católica.

Mas não são essas as únicas engrenagens da administração do Vaticano. Há ainda as importantes seções designadas pelo nome de congregações. São essas, principalmente: o "Santo Ofício", que vela pela conformidade de toda a atividade eclesiástica com o ensinamento oficial da Igreja, descobre e condena as heresias, a "Congregação do Consistório", que designa os candidatos ao episcopado e prepara as conferências dos cardeais, a "Congregação dos Sacramentos", que vela principalmente pela observância das regras católicas referentes ao matrimônio, a "Congregação do Conselho", que controla a disciplina eclesiástica do clero e dos crentes, a "Congregação dos negócios espirituais", que controla os mosteiros e as ordens monásticas, a "Congregação do Index", que redige as listes dos livros cuja leitura é proibida aos crentes, a Congregação, finalmente, que se ocupa dos estabelecimentos católicos de ensino, assim como várias comissões especiais, chancelarias e tribunais eclesiásticos.

Um lugar à parte é ocupado pela "Congregação das Igrejas orientais" e pela "de propaganda". O objetivo da primeira é o de submeter as Igrejas ortodoxas do Oriente ao poder da Santa-Sé, mas na hora atual, diga-se de passagem, ocupa-se principalmente de propaganda anti-soviética; a segunda, que tem como tarefa a conversão ao catolicismo das populações não cristãs, dirige a atividade das missões, compreendendo mais de 46.000 centros de missões, que mantêm 40.000 escolas e 8 universidades. Também, em 1945, a "Congregação da Propaganda" recebeu, só dos católicos dos Estados Unidos, donativos na importância de 2,8 milhões de dólares.

Por outro lado, o secretário de Estado, que dirige os serviços diplomáticos do papado, cargo que está atualmente vago, dispõe de numeroso corpo de funcionários e, entre outras riquezas, de arquivos que ultrapassam os dos ministérios do Exterior das grandes potências. Junto ao Secretariado do Estado existe também uma academia especial que prepara os jovens padres para o papel de diplomatas do papado.

Finalmente, à Corte" de Roma está ligada a direção central "da "Ação Católica", organização internacional que possui secções em diversos países e engloba padres e leigos. Sob o pretexto oficial de finalidades culturais e filantrópicas, a "Ação Católica" propõe-se, principalmente, a fortalecer a influência política do catolicismo.

Não é de admirar que, com todos esses meios, o Vaticano seja, conforme o afirma o jornalista americano protestante Thomaz Morgan, que viveu 18 anos em Roma, "a organização internacional talvez mais bem informada". E, se é tão bem informada, não é apenas graças a seu serviço muito completo de informações, mas também por que "um homem de Estado católico confiará mais facilmente informações ao legado do papa do que ao representante de uma potência estrangeira". Assim, afirma Morgan, "o Vaticano muitas vezes vem a saber do que é ainda ignorado por todo o mundo"; conhecia, por exemplo, a iminência da agressão alemã contra a Polônia antes de todos os governos do mundo inteiro. Por outro lado, as diretivas andam a par com a informação. Pelas encíclicas e pelas bulas, pelos artigos de inúmeros jornais e revistas católicos, pelas emissões do poderoso transmissor do Vaticano, e sobretudo pelas instruções secretas transmitidas de viva voz, o mundo católico toma conhecimento dos pontos de vista da Santa-Sé.

Mas não se poderia dizer tudo sobre a organização da Igreja romana se não se falasse de sua administração financeira, recentemente posta na berlinda pelo escândalo Cippicco. Essa administração rege incalculáveis riquezas. Desde os séculos IV e V, efetivamente, o comércio das relíquias, as indulgências, a dízima de São Pedro, os donativos, etc., aumentaram continuamente o tesouro papal. E, atualmente, o escritor italiano Salvimini calcula que só os valores que se acham à disposição imediata da Santa-Sé representam pelo menos 750 milhões de libras esterlinas, sem contar a célebre pinacoteca do Vaticano, cujo valor é inestimável. Assim, a influência espiritual do catolicismo é completada por seu poderio econômico, e as riquezas da Igreja contribuem para estabelecer um laço estreito entre a hierarquia católica superior e o capital financeiro. A família Pacelli, ao qual pertence o papa atual, possui, além disso, importantes; empresas e fundos nas colônias africanas.

E depois, já que se trata de influências "temporais", há também os jesuítas, ordem de que Marx disse ser o "nervo da Igreja católica". Fundada em 1539 por Inácio de Loiola para combater a Reforma, e, de modo mais geral, todos os movimentos sociais que minavam a autoridade da Igreja católica, exige de seus membros, além dos votos monásticos habituais, uma submissão especial à Santa-Sé.

Com efeito, os jesuítas tornaram-se os campeões não só da reação católica como de toda reação política em geral. Com esse objetivo, não desprezam método algum. "O fim justifica os meios", tal é a divisa dessa ordem que, sob o nome de "possibilismo" criou toda uma filosofia de oportunismo. É a famosa farsa da "restrição mental" à qual os padres jesuítas recomendam que se recorra na ocasião de prestar um juramento, seja ele qual for. Hoje, os jesuítas são tão obstinados na defesa do sistema capitalista quanto o eram no século XVIII na defesa da ordem feudal. Foi por iniciativa deles que o papa Gregório XVI qualificou de "loucura" a liberdade de consciência e que Leão XIII condenou a doutrina da igualdade entre os homens. Foi também um triunfo para eles quando, em 1870, o Concilio do Vaticano proclamou o dogma da infalibilidade do papa. Foram eles, ainda, os autores de falsificações célebres, entre os quais notoriamente, os famosos "Protocolos dos sábios de Sião" que deram o sinal de um fortalecimento do anti-semitismo, utilizado mais tarde pelos hitleristas.

De outra parte, se o anti-comunismo foi e é ainda o instrumento principal da reação internacional, e em particular do fascismo, essa é ainda uma arma que a reação e o fascismo receberam das mãos da hierarquia católica. Desde 1864, com efeito, o comunismo e o socialismo eram inscritos pela Santa-Sé no célebre "syllabus" (lista dos "erros contemporâneos") e, desde essa época, essa hierarquia católica jamais deixou de pronunciar condenações contra o comunismo, sobretudo depois da Revolução de Outubro.

Foi também nos meios dirigentes do catolicismo, enfim, que se elaboraram os princípios do famoso "sistema corporativista". As encíclicas de Leão XIII("Rerum Novarum", 1891) e de Pio XI (Quadragésimo Anno"), por exemplo, expõem com precisão o programa da "eliminação" da luta de classe pela "união" dos patrões e dos operários, devendo os primeiros cuidar "paternalmente" das necessidades dos segundos e devendo estes, por sua vez, permanecer na obediência a seus patrões. Foi essa forma nova de submissão dos operários aos patrões que o fascismo italiano pôs em prática. E uma personagem tão reacionária quanto o conde Coudenhove Kalerghi, o fundador do movimento da "Pan-Europa" podia, a esse respeito, qualificar o catolicismo como "forma fascista do cristianismo".

O Apoio Dado ao Fascismo Pelo Vaticano na Europa de Pré-Guerra

FOI apenas no domínio da ideologia política que a hierarquia católica apoiou os fascistas; apoiou-os também diretamente, quando eles assaltaram o poder em vários países. Foi assim que um autor americano, Léo Leeman, pôde intitular "Atrás das costas dos ditadores" o livro que consagrou ao Vaticano e no qual afirma, entre outras coisas, que

"Hitler e Mussolini não teriam podido, no momento oportuno, mobilizar o apoio da massa à sua cruzada sangrenta contra as massas populares e os governos liberais, se não tivessem sido apoiados por uma força política de qualidade excepcional, que atinge tanto as mais altas camadas da sociedade quanto suas camadas mais profundas, que possui uma grande influência internacional e que se mantém habilmente na sombra: o papismo político, que tem seu centro no Vaticano".

Efetivamente, Mussolini não teria podido assenhorear-se do poder sem o consentimento e a aprovação do Vaticano. E Leeman cita, a esse respeito, as palavras de uma testemunha relatando que, após a ocupação de Roma pelos fascistas, Pio XI, que era então o papa, "adormeceu tranqüilamente pela primeira vez em longos meses". Mais ainda: quando, para consolidar o regime fascista, Mussolini teve a necessidade de se livrar dos partidos de oposição, o Vaticano prestou-se aos planos do ditador; seguindo suas indicações, o partido católico dos "popolari" pronunciou, ele próprio, sua dissolução, e seu líder, Sturza, deixou a Itália. Ainda melhor, depois da assinatura do tratado de Latrão, e do acordo financeiro que permitiu ao Vaticano receber perto de dois bilhões de liras, o papa qualificou Mussolini de "homem enviado pela providência". E, finalmente, quando a Itália atacou a Abissínia, esse ato de agressão foi ativamente apoiado pelo episcopado italiano, e o próprio papa pronunciou, a 12 de outubro de 1936, um discurso sobre o "triunfo da vitória".

Houve, sem dúvidas, divergências entre Mussolini e Pio XI: o velho papa não aprovava principalmente a transplantação, para a Itália, das leis racistas alemãs; mas estabeleceu-se a harmonia completa entre o pontífice romano e o ditador fascista a partir do mês de fevereiro de 1939, quando o cardeal Pacelli ascendeu ao papado sob o nome de Pio XII. E quando, em 1940, a Itália entrou em guerra contra a França, a política de agressão italiana foi de novo apoiada ativamente pelo clero católico.

E na Alemanha? A Igreja católica contribuiu ali, igualmente, para a tomada do poder pelos hitleristas. O nome do papa atual, que era então núncio em Berlim, aparece, aliás, em todos os acontecimentos que precederam o acesso de Hitler ao poder. Como o demonstrou o historiador trabalhista inglês Mac-Cabe em seu livro "O Vaticano e o nazismo", o cardeal Pacelli estendeu, efetivamente, a mão ao hitlerismo. Aliás, acrescentou Mac-Cabe, "é duvidoso que Hitler pudesse chegar ao poder, se a coalizão liberal-socialista-católica, dirigida por um chanceler católico, tivesse sido mantida".

Ora, a igreja representada por von Papen, católico e... camareiro do papa, pôs fim a essa coalizão, dela retirando os católicos e deixando de lado o chanceler Bruning. Depois disso, o Vaticano procurou incessantemente a aliança com Hitler e seu bando; nunca pronunciou notoriamente, uma palavra para condenar aqueles cujos crimes apavoravam o mundo, exceto em alguns casos raros em que os próprios interesses do Vaticano estavam em jogo. De fato, o Reichstag, incendiado pelos nazistas, estava ainda em chamas quando o cardeal Bertram, bispo de Berlim, escreveu a Hitler para informá-lo de que o episcopado católico da Alemanha se declarava "sinceramente pronto para colaborar com o novo governo". Não foi o Vaticano o primeiro, aliás, a entrar em negociações com o governo hitlerista, com o qual assinou um novo acordo em 20 de julho de 1933?

No que se refere a Espanha, o mundo inteiro conhece o papel que a hierarquia católica ali representou na vitória do fascismo. Os conventos católicos espanhóis não foram apenas centros políticos, mas também centros militares da rebelião fascista. E, em agosto de 1938, o general Franco recebia uma mensagem de facilitações assinada por 900 bispos católicos de diversos países, entre os quais, encabeçando a lista, figurava o papa atual, Pio XII.

Mussolini, Hitler e Franco não são os únicos fascistas beneficiados pelo apoio do Vaticano. Sabe-se como os meios ligados à Igreja participaram da conspiração de Pétain e como, desde o início, a Corte de Roma estabeleceu as melhores relações com o regime de Vichy. Por outro lado, o movimento rexista, de caráter fascista, da Bélgica, foi também criado com a participação de membros influentes do clero belga e o antigo chefe do governo fascista dos quislingseslovacos, Tiso, que também era bispo, reconheceu que seu regime era "uma combinação de nacional-socialismo e do catolicismo romano".

Não é mais segredo o fato de que a anexação da Áustria pelos hitleristas foi preparada pelo regime católico Dolfuss—Schuschnigg e que, no momento da comédia do "plebiscito" que devia sancionar o Ánchluss, o cardeal Innitzer, chefe da Igreja da Áustria, convidou, com os outros bispos, a população austríaca a não resistir à invasão alemã e a votar por Hitler.

Os publicistas católicos afirmam frequentemente que em todo estado de coisas o Vaticano é contra a guerra, "calamidade para a Igreja e para sua administração internacional, etc.

Mas quaisquer que tenham sido as intenções pessoais do papa, o fato é que ele contribuiu para a deflagração da segunda guerra mundial, auxiliando o estabelecimento dos regimes fascistas agressivos na Alemanha e outros países.

Antes e Depois de Stalingrado

Qual foi a política do Vaticano durante a segunda guerra mundial? Oficialmente, o papa proclamou a neutralidade do Vaticano. Essa atitude decorria não só das obrigações assumidas pelo papado nos termos do tratado de Latrão, mas também de sua própria posição; não podia, com efeito, admitir uma ruptura com os países da América, onde habita cerca da quarta parte da totalidade dos católicos .

Entretanto, embora não se tenha arriscado a dar abertamente sua bênção à agressão de Hitler e de seus satélites contra a URSS, a 22 de junho de 1941, o papa nem por isso deixou de aprovar indiretamente esse ato, pronunciando, sete dias depois, um discurso sobre "a missão divina do povo italiano", discurso que coincidia com a notícia do envio do corpo expedicionário italiano para a frente oriental.

Aliás, no decorrer de todo o primeiro período da guerra, a atitude do Vaticano não permaneceu mais ou menos abertamente pró-alemã? Houve, primeiro, a mensagem pontificai de Natal de 1939, que preconizava a revisão dos tratados internacionais, de acordo assim, em princípio, com o ponto de vista hitlerista. Houve também o relatório oficial do secretariado de Estado do Vaticano, publicado em outubro de 1942, e no qual a Corte de Roma "notava com satisfação as modificações verificadas na França", isto é, o estabelecimento da ditadura fascista de Laval, "maior estabilidade dos governos espanhol e português, a orientação católica da Eslováquia e da Croácia, as excelentes relações com a Itália fascista e a Hungria".

No que se refere ao fascismo nipônico, o mesmo relatório afirmava: "O Vaticano sente-se feliz por ver o Sr. Haroda entrar em suas portas de bronze na qualidade de enviado do imperador do Japão".

É, aliás, muito interessante verificar, a propósito, que as relações diplomáticas com o Japão, onde os católicos só constituem uma ínfima minoria, foram estabelecidas pelo Vaticano logo após a agressão japonesa de Pearl-Harbour e que, pouco tempo depois da chegada do Sr. Haroda ao Vaticano, a população das Filipinas foi convidada pelo arcebispo católico do arquipélago a cessar toda resistência contra os invasores japoneses.

O "Santo Padre" ignoraria, então, as atrocidades cometidas pelos alemães e pelos japoneses nos territórios que ocupavam? Certamente não! Seus próprios discursos testemunham, ao contrário, o fato de que estava perfeitamente a par da situação na Polônia, e não se poderia, aliás, nem sequer supor que, sempre tão bem informado, nada tenha sabido sobre Maidanek e Auschwitz. Entretanto, nem um só protesto partiu do Vaticano contra as crueldades hitleristas e japonesas.

Mas há ainda melhor: o Vaticano estava pronto a explorar essa guerra para seus próprios fins. Um autor católico, Sr. Jaray, conta, efetivamente, que a Santa-Sé havia assinado um acordo com Hitler relativo ao envio de missões católicas para os territórios soviéticos ocupados pelos alemães. E essas missões, cuja finalidade era converter a população ortodoxa ao catolicismo, eram subordinadas ao núncio breviário em Berlim. Das tipografias romanas já tinham até mesmo saído breviários católicos em russo, breviários que começavam por orações pelo papa e pelo... "Czar da Rússia".

Após a derrota dos alemães diante de Stalingrado, entretanto, a política do Vaticano mudou, ao menos na aparência, pois continuou essencialmente pró-alemã. A biografia oficial do papa atual não afirma que "ele sempre foi conhecido por sua grande simpatia pela Alemanha"? Mas a Alemanha hitlerista tinha então a necessidade de se retirar de uma guerra que já não podia vencer, o que o Vaticano compreendeu provavelmente mais cedo do que os próprios hitleristas. Foi assim que, a 1.° de setembro de 1943, Pio XII pronunciou o famoso discurso que preconizava a conclusão da paz e exortava os povos democráticos a "não responder à injustiça com a injustiça" e a "não explorar as vantagens de sua superioridade militar".

No mesmo espírito, o papa dirigia, mais tarde, uma mensagem à população de Londres, convidando-a a não se vingar, sobre os alemães, dos bombardeios aéreos. Era também nessa época que a propaganda por uma "paz de compromisso", estava sendo desenvolvida pelos maiores fascistas da Espanha, que reconheciam oficialmente ter recebido essa missão diretamente do papa. Franco e seu ministro do Exterior, Jornada, exprimiam-se com muito mais franqueza do que o chefe do catolicismo; procuravam obter a reconciliação das potências anglo-saxônicas com a Alemanha, com vistas a uma luta comum contra a URSS.

É verdade que o Vaticano já precisara de se ocupar da salvação de Mussolini: a 13 de junho, pouco antes da queda do fascismo italiano, Pio XII formulara, perante 25.000 operários, uma advertência contra a eventualidade de uma revolução na Itália; e, de acordo com as instruções do Vaticano, o clero Italiano fazia sem a mínima cerimônia a propaganda a favor da manutenção do regime fascista. Nada mais, porém, podia salvar o "homem enviado pela Providência."

A "Reviravolta" da Igreja e do Vaticano

No decurso da guerra, o Vaticano não podia, entretanto, limitar-se a sustentar o fascismo. Devia também preocupar-se em salvar sua própria situação no mundo de após-guerra. No decorrer dos primeiros anos do conflito, a hierarquia católica estava convencida da vitória das potências do "Eixo". Comprovando que esse cálculo estava errado, era preciso, enquanto não era tarde demais, renegar a colaboração passada com o fascismo. E os publicistas católicos começaram a espalhar que a Igreja não podia ligar sua sorte à de um regime qualquer.

De quanta habilidade deu então provas o Vaticano para operar a readaptação de sua política! Para efetuar essa operação, como soube a hierarquia católica explorar a luta e os sofrimentos da massa democrática dos trabalhadores católicos!

Desde o fim do século passado, tinham sido organizados nos países da Europa, por iniciativa do papa Leão XIII, partidos católicos de massa. Mas seus sucessores não tardaram a ver com maus olhos a atividade desses partidos que adotavam algumas idéias progressistas. Foi justamente para debilitar a influência exercida junto aos crentes por esses partidos que se organizou a "Ação Católica". E quando sua dissolução foi exigida pelo fascismo, chegado ao poder em vários países europeus, essa medida veio ao encontro dos próprios desejos do Vaticano.

Que foi feito dos membros desses partidos católicos? Os dirigentes reacionários prestaram-se a colaborar com os ditadores fascistas, e os elementos da esquerda, assim como certos padres, organizaram grupos anti-fascistas clandestinos e juntaram-se aos movimentos da Resistência. Como todos os anti-fascistas, esses católicos de esquerda foram perseguidos pela Gestapo, pela Ovra e outras polícias fascistas; mas até 1943 o Vaticano permaneceu surdo aos gemidos daqueles que eram encarcerados e torturados e, no outono de 1943, quando se começou a falar neles, foi para pretender que eram perseguidos em sua qualidade de católicos, a fim de sugerir que havia uma irredutível oposição entre a Igreja e o fascismo. Sutil interpretação, na verdade, e que foi imediatamente adotada pela maior parte da imprensa americana e inglesa, que começou uma campanha a favor do catolicismo.

Já não restava ao Vaticano senão fazer tudo para reconstituir partidos católicos de massa, partidos que mascaram sua essência reacionária sob uma fraseologia democrática, a fim de "dominar o descontentamento social". Esses partidos católicos reconstituídos são, hoje, os sustentáculos de novas combinações políticas reacionárias .

Tendo realizado essa "reviravolta", a Igreja deu mais um passo: a ameaça das tropas alemãs de Kesselring junto ao Vaticano, em setembro de 1943, foi explorada para exaltar o próprio Pio XII, para criar a lenda do papa-mártir. Jogando com o fato de que anti-fascistas tinham sido beneficiados com o secular direito de asilo do Vaticano, transformaram, sem muito trabalho, os dirigentes do Vaticano em anti-fascistas. Como se Pio XII e seus conselheiros não estivessem perfeitamente convencidos de que os alemães não se arriscariam demais a cometer uma violência contra o Vaticano, o que não só lhes teria trazido um grande prejuízo político imediato, já que os Aliados se abstiveram de bombardear Roma por causa do papa, mas lhes teria, ainda por cima, feito perder seu principal protetor de após guerra! Porque o papa surgia aos olhos dos hitleristas como a única personalidade revestida de bastante autoridade para influir a seu favor junto à opinião dos países anglo-saxônicos.

Por outro lado, se o papa tivesse então reconhecido o governo fascista de Mussolini, se ele se tivesse colocado sob a proteção da Gestapo e se tivesse entregue os refugiados que haviam procurado asilo junto do altar, isso teria constituído a queda política do catolicismo e, infalivelmente, a separação de várias Igrejas nacionais da unidade católica. Teria sido efetivamente impossível conter as forças centrífugas desencadeadas pela guerra no interior da Igreja católica. Nenhum papa — e o papa diplomata Pio XII menos do que qualquer outro — se teria arriscado a agir assim. Ao contrário, a propaganda católica, apoiada pela propaganda oficial anglo-americana, tendo podido espalhar amplamente a versão fantasista de um papa transformado novamente em "prisioneiro do Vaticano" por Kesselring, tornava-se então mais fácil ao "Santo Padre" pregar a misericórdia para todos os Kesselring.

A Política do Vaticano Depois da Guerra

OUAL É O sentido da política do papado desde o fim da segunda guerra mundial? Poucas palavras bastam para indicá-lo: trata-se, para essa política, de salvar o que resta do fascismo, e de salvar o sistema capitalista, ao mesmo tempo que fortalece suas próprias posições.

Depois da guerra, a intromissão do catolicismo na política tornou-se mais declarada do que nunca. Não é depois das eleições italianas que esse fato exige uma longa demonstração. O verdadeiro discurso eleitoral pronunciado por Pio XII por ocasião da Páscoa, antes dessas eleições, está ainda presente em todas- as memórias. Esse discurso, aliás, não é o primeiro desse gênero. A 16 de março de 1946, Pio XII já insistia sobre o direito que teriam os padres de dar conselhos "eleitorais" a seus paroquianos.

Mas é bem significativo o fato de que essa tendência da Igreja de aumentar sua influência política seja não só aprovada como ainda explorada e sustentada pelas potências capitalistas dirigentes de nossa época, os Estados Unidos e a Inglaterra. O caráter anti-comunista da propaganda católica não visa justamente à margem de outros objetivos, obter um fortalecimento desse apoio? Porque se, hoje, o Vaticano se orienta em direção aos Estados Unidos, onde, entretanto, são limitadas as perspectivas para a influência católica, o número de católicos não ultrapassando, ali, a sexta parte da população total do país, o fato de 80% das rendas que entram na "sacola de S. Pedro" serem provenientes dos Estados Unidos e do Canadá não é, sem dúvida, estranho a esse fenômeno. A revista americana "Political Affaire" no-lo confirma, quando escreve que a Igreja católica americana — essa igreja de métodos ultra-modernos, com suas missas espetaculares e suas comunhões com 1.000 participantes — "obtém ainda subsídios em quantidades caria vez mais importantes, dos industriais e dos banqueiros não-católicos".

Aqui não se trata de religião, e os magnatas "não-católicos" da indústria e das finanças norte-americanas sabem o que fazem quando sustentam a Igreja, laço entre o capital monopolista americano e o Vaticano, servindo para coordenar as grandes linhas da política dessas duas forças e para assegurar sua colaboração na luta pela manutenção dos regimes reacionários.

Quanto aos esforços feitos pelo papado para salvar os restos do fascismo, esses se expressam pelo apoio ativo que o Vaticano concede ao fascismo espanhol, sob a forma de declarações papais, como aquela que dizia — "Rezarei para que a Espanha persevere no bom caminho pelo qual enveredou" — ou sob a forma de bênçãos. Expressam-se também pelo auxílio dado aos criminosos de guerra pelas comissões especiais criadas no Vaticano, pela oposição oficial ao repatriamento das pessoas desajustadas, pela atividade do comitê de auxílio aos Poloneses de Anders, organizado pelo arcebispo católico inglês Griffin, pela oposição do partido católico belga à deposição do rei Leopoldo III, etc.

Na hierarquia católica, a simpatia pelos fascistas caminha, aliás, passo a passo com seu ódio pela democracia, embora o Vaticano se declare, demagògicamente, "partidário da democracia". Trata-se de uma democracia muito especial, conforme o prova a mensagem de Natal de 1944, do papa, na qual Pio XII declara que "a massa é o inimigo número 1 da democracia". Depois dessa declaração de principio, não é de espantar que o ódio da reação católica pela democracia tome a máscara do anti-comunismo.

De fato, se a intervenção aberta do Vaticano contra os comunistas e os socialistas italianos já está sendo mais conhecida, se se pôde ver, durante as eleições italianas, certos bispos, como o da Sicília, excomungarem cidadãos que votavam nos comunistas, essa intervenção não deixa de ser menos verdadeira em outros países: na Alemanha, onde, ao mesmo tempo que sabotam a desnazificação, os partidos católicos elaboraram constituições anti-democráticas, no espírito de um federalismo reacionário; na Áustria, onde o partido católico, que é o que está no governo — "o partido popular"— sustenta o regime reacionário e cria organizações de tipo fascista como o "Alpenbudd", etc.

Assim, os partidos católicos, inspirados pelo Vaticano, fazem na Europa ocidental tudo quanto podem e podem bastante — para manter as posições da reação.

Por outro lado, o Vaticano adota uma atitude singularmente intransigente para com os regimes de democracia popular que se estabeleceram em vários paises da Europa, atitude essa que prova que os dirigentes da política católica não aprenderam grande coisa com a experiência do passado.

Outrora, após o estabelecimento da Terceira República na França, a hierarquia católica mantivera, durante vinte anos, sua atitude monarquista, o que acarretou imenso prejuízo moral e material ao catolicismo francês. Hoje, em relação aos regimes de democracia popular, o Vaticano e os políticos católicos dão prova de uma obstinação ainda maior. Enquanto que no tempo da ocupação hitlerista quase todo o alto clero católico colaborou com os alemães e os traidores, hoje ele se encontra quase que de um modo geral em oposição aos novos regimes democráticos. Assim, a mensagem papal de 17 de janeiro de 1946 aos crentes poloneses, que foi lida nas igrejas da Polônia, continha violentos ataques ao governo polonês; assim também as tentativas do Vaticano no sentido de obter a graça dos principais carrascos do povo polonês, Frank e Greiser; assim ainda, mais recentemente, a suspensão do abade Plojhar, ministro do governo tcheco, sob o pretexto de "incompatibilidade" entre a qualidade do padre e as funções políticas. Existia, para o Vaticano, essa incompatibilidade quando Monsenhor Tiso dirigia o governo fascista da Eslováquia, ou quando Monsenhor Seipel era chanceler da Áustria, para não falar em dezenas de outros políticos reacionários, portadores da mitra?

Enfim, se, na Tchecoslováquia, o jesuíta Kopalovithc dirigia uma conspiração fascista; se, na Romênia, o governo se viu forçado a pedir, em junho de 1946, a saída do núncio Cassulo, que apoiara os "guardas de ferro"; se o chefe dos católicos húngaros, o cardel Mindzenthy, condenou a reforma agrária; se os padres católicos desenvolvem, no território da República da Albânia, uma propaganda antissoviética e escondem armas e documentos fascistas nos altares, como não ver em tudo isso outras demonstrações dessa mesma política do Vaticano?

Tal política, entretanto, acaba por criar uma ameaça de crise para o catolicismo na Europa. Assim, procurando fortalecer sua influência política, o Vaticano lançou-se no empreendimento de se reorganizar seriamente. A esse respeito, consistiu um acontecimento sem precedentes na história milenar da Igreja católica romana, o fato de, no consistório público dos cardeais, realizado a 19 de fevereiro de 1946, haver o papa Pio XII anunciado a nomeação simultânea de 32 novos cardeais pertencentes a 19 países diferentes. Mas o caráter mais sensacional dessa notícia não consistiu propriamente no número dos bispos que receberam a púrpura, mas em sua distribuição nacional.

Desde 1523, com efeito, os italianos sempre haviam tido a maioria absoluta no colégio dos cardeais, e, em regra geral, era um deles que se tornava papa. Na véspera do consistório de que se trata, formavam ainda perto de dois terços do número total dos cardeais. Ora, depois de 19 de fevereiro, acharam-se em minoria, entre os 69 cardeais atuais, apenas 27 são italianos, o que faz com que, no próximo conclave seja possível a eleição de um papa não italiano.

Essa importante decisão do papa atual terá sido tão inesperada quanto se poderia supor? Certamente não, pois essa "internacionalização" do colégio dirigente do catolicismo vinha sendo há muito tempo encarada. Após o tratado de Latrão, que sancionou e precisou a reconciliação e a colaboração entre o centro do catolicismo e o imperialismo italiano, e, mais ainda, após a derrota da Itália na segunda guerra mundial, a maioria italiana no conclave já não mais podia ser mantida. Os cardeais italianos tiveram de consentir na reforma durante a realização do consistório secreto, feita no início de fevereiro de 1946.

Por outro lado, a razão que fez com que o papa adiasse até 1946 a nomeação dos novos cardeais é muito clara: estava à espera de que se esclarecesse a situação política mundial de após-guerra. E as nomeações de 19 de fevereiro tiveram, de fato, um caráter nitidamente político, como o confirma o jornalista americano Matthews, no "New York Times", quando escreve: "As transformações adotadas no consistório de fevereiro tiveram como objetivo fortalecer o papado para resistir ao comunismo".

Matthews acentua, assim, o papel especial atribuído, em função desse objetivo, à hierarquia católica americana. Nunca o continente americano fora até este momento tão amplamente representado no colégio dos cardeais. Do total dos cardeais existentes nos Estados-Unidos, quatro receberam a púrpura no consistório de fevereiro. Entre eles figuram Monsenhor Spellmann, já conhecido como campeão das campanhas anti-soviéticas, e, segundo certas informações, candidato eventual ao cargo vago de secretário de Estado do papado, e Monsenhor Moony, superior hierárquico direto de Coughlin, esse famoso padre fascista americano que prega, pelo rádio, a violência contra os elementos democráticos.

No que se refere a América latina, só restava, em 1946, um único cardel, o do Brasil. A 19 de fevereiro, foram nomeados 6; 2 no Brasil, 1 na Argentina, 1 no Chile, 1 no Peru e 1 em Cuba, quase todos de origem espanhola e mais ou menos ligados ao regime franquista.

Que outros novos cardeais figuram ainda na promoção? Três para a Espanha, nomeados segundo as recomendações do governo de Franco; um português; o chefe dos católicos ingleses, o arcebispo de Westminster Griffin, já citado pela sua atividade antidemocrática; um cardel australiano, cuja nomeação é uma prova da "atenção" do papa para com o Império britânico; três alemães, escolhidos entre os Arcebispos que apoiaram o hitlerismo; o chefe da reação húngara, cardel Mindzenthy; o príncipe polonês Sapieha, que dirige, juntamente com o velho cardel Hlond, o movimento antidemocrático de seu país; o patriarca dos católicos armênios, Monsenhor Adadjénian, cuja nomeação foi interpretada como uma das medidas destinadas a impedir o movimento de libertação dos territórios armênios anexados pela Turquia; um chinês, finalmente, primeiro entre os 2.000 padres chineses a ser elevado ao cardinalato, o que prova todo o interesse dispensado pelo Vaticano aos países do Oriente.

Ao analisar essa nova composição do colégio dos cardeais, como não ver que esse colégio é agora composto, na sua imensa maioria — perto de dois terços — por homens mais ou menos comprometidos na colaboração com os regimes fascistas, sendo que o último terço é, também ele, hostil à União Soviética e às democracias populares?

Certos publicistas católicos não fazem mistério dessa atitude política da hierarquia romana e procuram justificá-la alegando que os comunistas e os elementos progressistas combatem o cristianismo em geral e o catolicismo muito especialmente. É isso pura calúnia destinada a impedir a aproximação entre crentes e comunistas, na base de um programa democrático comum.

Mas a política reacionária da Santa-Sé e sua colaboração com os meios que pregam o culto muito pouco cristão da bomba atômica, de que, até o presente momento, não condenou o emprego, não são ditadas apenas por suas reacionárias tradições seculares. Há, em tudo isso também interesses bem temporais em jogo, os latifúndios da Igreja ligando-a aos grandes proprietários visados, nas democracias populares, pelas reformas agrárias. Ainda por cima, os imensos capitais investidos pela Igreja na indústria e nos bancos, nos Estados Unidos, no Canadá, nos países da América Latina, na Espanha, na França, na Suíca, em suma, em quase todos os países, estabelecem um laço estreito entre a Igreja e a alta finança.

Pode, entretanto, a Igreja identificar-se com o capital financeiro? Podem os dirigentes do catolicismo esquecer impunemente os milhões de trabalhadores crentes dos quais, em última análise, depende a força moral e material da Igreja? Por certo, a massa dos fiéis do catolicismo não quer, no que lhe diz respeito, salvar os restos do fascismo; não tem simpatia pela política atômica; aspira, em sua imensa maioria, à verdadeira democracia e às reformas sociais e tende, também a aproximar-se dos comunistas, cuja coragem e a determinação na luta contra o fascismo teve a ocasião de verificar.

Tomando o partido da reação, é a própria base do catolicismo que os dirigentes da Igreja fazem abalar no meio das massas. Se, procurando atrair os trabalhadores para o campo da burguesia, os partidos católicos, heterogêneos do ponto de vista de classes, são obrigados a introduzir em seus programas várias reivindicações de caráter radical, eles acabarão, no entanto, por decepcionar seus partidários, deixando de lado seus próprios programas e aplicando, de fato, uma política reacionária.

Os verdadeiros democratas, esses, ao mesmo tempo que desmascaram os políticos reacionários de batina, que tentam explorar a religião para fins que nada têm em comum com ela, nem por isso deixam de estender a mão fraternal a todos os católicos partidários da paz, da democracia e da cooperação internacional. Conforme escreveu ainda, muito judiciosamente, a revista americana "Political Affaire", "a luta não é pelo comunismo contra o catolicismo, a luta é travada pelas forças democráticas unificadas, os católicos progressistas e os comunistas inclusive, contra a reação, onde quer que ela se encontre, no interior ou fora da Igreja".

Publicado originalmente na Problemas - Revista Mensal de Cultura Política, nº 17 – Fevereiro — Março de 1949

Escrito por O. Arturov

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