“Os objetivos da educação"
Um aspecto de importância extraordinária no nosso trabalho consiste em que ele deve ser inteiramente racional. Devemos educar tal indivíduo de que a nossa sociedade precise. Em certas ocasiões, a sociedade coloca este imperativo com muita impaciência e exigência: necessitamos de engenheiros, de médicos, de moldadores, de torneiros...
Não devemos falar apenas sobre a formação profissional da nova geração, mas também sobre a educação e um novo tipo de comportamento, de caráteres e de conjuntos de traços da personalidade que são necessários, precisamente no estado soviético. Os objetivos do trabalho educativo só podem ser deduzidos das experiências que a sociedade coloca.
Os objetivos do nosso trabalho devem ser expressos através das qualidades reais das pessoas educadas sob nossa orientação pedagógica. Cada pessoa por nós educada constitui o resultado da nossa produção pedagógica. Tanto nós quanto a sociedade devemos examinar nosso produto minuciosa e detalhadamente, até à mínima peça. Como em toda produção, o resultado da nossa pode ser estupendo, satisfatório, aceitável, parcialmente defeituoso ou completamente defeituoso. O êxito do nosso trabalho depende de uma quantidade infinita de circunstâncias: da técnica pedagógica, dos conteúdos, da qualidade do material. O nosso material básico, as crianças, é imensamente variado. Pergunta-se: que percentagem desse material é necessária para formar “um indivíduo cheio de iniciativas”? — 90?, 50?, 10?, 0,05? E o que é que se faz com o restante do material?
Se analisarmos deste modo a questão, torna-se completamente inadmissível substituir a descrição exata do nosso produto por alocuções gerais, exclamações patéticas e frases “revolucionárias”.
Tais exortações são tão “idealistas” que, na realidade, sua aplicação torna-se absolutamente impossível. O ideal abstrato como objetivo da educação não nos convém, não só porque o ideal em geral é inatingível, mas também porque, na esfera da conduta, as relações entre ideais estão muito misturadas. A amabilidade ideal, o administrador ideal, o político ideal constituem conjuntos muito complexos, por assim dizer, de pequenas perfeições e determinadas predisposições e aversões. As tentativas para sintetizar os objetivos da educação numa fórmula breve não demonstram mais do que um absoluto divórcio com todo tipo de prática concreta e específica. Por esta razão, é muito natural que semelhantes fórmulas não tivessem criado nada na vida real, no nosso trabalho vivo.
O projeto da personalidade como produto da educação deve basear-se nas exigências da sociedade. Este princípio tira imediatamente do nosso produto os paramentos ideais. Nas nossas tarefas não há nada eterno e absoluto. As exigências da sociedade são válidas apenas para uma época cuja duração é mais ou menos limitada. Podemos estar completamente convencidos de que à próxima geração apresentar-se-ão exigências um tanto modificadas e estas modificações serão introduzidas gradualmente, à medida que se desenvolve e se aperfeiçoa toda a vida social.
Por isso, na nossa tarefa de planejamento, devemos sempre ser extremamente atentos e perspicazes em particular, ainda porque a evolução das tarefas que a sociedade coloca pode se produzir na esfera de pormenores pouco significativos.
Além disso, devemos ter sempre em mente que, por mais íntegro que nos pareça o ser humano em se fazendo uma abstração generosa, todos os seres humanos, em determinada medida, constituem um material muito diversificado para a educação e o “produto” que fabricaremos terá, necessariamente, de ser variado. Assim, reunindo muitas substâncias sob o conceito único de metal, não nos passa pela cabeça fabricar facas de alumínio ou rolamentos de mercúrio. Seria de uma superficialidade inaudita ignorar a diversidade do ser humano e tratar de agrupar a questão relativa às tarefas da educação numa estrutura comum a todos.
A nossa educação deve ser comunista e cada pessoa que educamos deve ser útil à causa da classe operária. Este princípio, generalizador e necessário, pressupõe precisamente formas distintas para a execução da tarefa de acordo com a variedade do material e as suas diversas formas de aplicação na sociedade. Qualquer outro princípio não é mais do que uma despersonalização.
Os traços comuns e individuais da personalidade formam entrelaçamentos extremamente complexos e, por isso, a tarefa de projetar a personalidade converte-se num assunto extraordinariamente difícil e exige muita cautela. O aspecto mais perigoso continuará a ser, por muito tempo, o medo perante a diversidade humana, a incapacidade de construir um todo equilibrado na base das diferenças. Por isso... cortar todos pelo mesmo molde, meter o ser humano no chavão estereotipado, educar uma série reduzida de seres humanos parece uma tarefa mais fácil do que a educação diferenciada. A propósito, este erro foi cometido pelos espartanos e pelos jesuítas na sua época.
A solução desse problema seria impossível se o resolvêssemos de modo silogístico: para pessoas diversas — diversos métodos. Era mais ou menos assim que pensavam os pedólogos quando criavam instituições para “crianças difíceis” separadas das instituições para crianças normais. E agora também erram quando educam separadamente as moças e os rapazes. Se continuarmos a desenvolver esta lógica pela via da ramificação das particularidades pessoais (sexuais, etárias, sociais, morais), chegaremos rapidamente à singular individualidade que salta aos olhos da palavra oculta pedagógica “criança”.
A única tarefa organizativa digna da nossa época pode ser a criação de um método que, sendo comum e único, permita simultaneamente que cada personalidade independente desenvolva suas aptidões, mantenha a sua individualidade e avance pelo caminho das suas vocações.
É evidente que, ao dar início à resolução deste problema, já não podemos nos ocupar com uma só “criança”. Perante nós surge a coletividade como objeto da nossa educação. A partir disso, a tarefa de planejar a personalidade adquire novas condições para sua solução. Devemos entregar como produto, não apenas uma personalidade que possua estes e aqueles traços, mas um membro da coletividade, a coletividade com determinadas características.
Evidentemente que eu não tenho em vista e nem sequer tenho forças para fazer este projeto. Parece-me que este tema é digno do trabalho dos cientistas.
Grandes dificuldades nos esperam só no trabalho prático. Sob este aspecto, tropeçaremos a cada passo nas contradições entre certos pormenores e as condições da tarefa, por um lado, e entre o princípio coletivo e o pessoal, por outro. Estas contradições são muito numerosas e poderosas... Por isso, o planejamento da personalidade deve ser precedido de uma análise dos fenômenos intracoletivos e pessoais.
1936
Anton Makarenko