"O Povo Negro e a União Soviética"
Eu sou extremamente grato por esta oportunidade de me juntar a mais de metade da população mundial na celebração de um grande aniversário. Sim, com metade da humanidade - e mesmo isto é uma subestimação. Porque seria errôneo supor que este 32º aniversário da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas é uma ocasião de alegria e orgulho e agradecimentos para apenas os 8 milhões de pessoas que vivem na União Soviética e nas Democracias Populares do Leste Europeu e na China.
É verdade, estes oito milhões, enquanto beneficiários diretos do surgimento da União Soviética e de suas políticas de luta pela paz e pela democracia, gozam de alegria por conta da nova segurança econômica e da liberdade política, a nova promessa de uma vida mais rica e mais plena para todos, da qual gozam porque vivem na terra soviética ou nos países de Democracias Populares. Os sentimentos de todos estes povos devem ser iguais aos do Presidente da República Popular da China, Mao Tsé-tung:
“Se a União Soviética não existisse”, Mao escreveu, “se não houvesse vitória na antifascista Segunda Guerra Mundial, se...o Imperialismo japonês não tivesse sido derrotado, se as várias novas democracias da Europa não tivessem surgido, se as massas populares dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Japão e outros países capitalistas não tivessem se revoltado e lutado contra as suas claques dominantes reacionárias, se todos esses fatores somados não existissem, então a pressão das forças reacionárias internacionais sobre nós certamente seriam bem maiores do que é hoje. Poderíamos ter sido vitoriosos sob tais circunstâncias? Com certeza não”.
É assim que Mao explica o quanto a libertação da China deve à influência decisiva da União Soviética nos assuntos internacionais. E assim é com os romenos e com os búlgaros, com os húngaros e os albaneses, o povo tcheco e o povo polonês. É por conta de todos esses fatores combinados que hoje eles são donos de suas próprias terras - fatores estes que significam que a correlação de forças mundial se alterou em prol das forças da paz e da democracia. E esta solene transformação, que ocorreu dentro de três décadas, deriva principalmente do poderoso impacto dos acontecimentos de 7 de novembro de 1917.
Eu viajei recentemente para a Europa Ocidental e para a Escandinávia, e eu sei do que eu vi e ouvi nestes países que ali, também, os povos estão sendo capazes de lutar contra a total colonização de seus países por Wall Street principalmente por conta dessa nova correlação de forças. E se os vietnamitas e o povo da Indonésia, se o povo malaio e o povo birmanês, de fato, se o povo, por muito tempo oprimido, da Índia, avançou a uma etapa superior na luta por sua independência, é por conta da soma total destes fatores e da influência decisiva da União Soviética.
Nós do Conselho para Assuntos Africanos sabemos bem, também, que os povos da África e das Índias Ocidentais compreendem quem são seus verdadeiros amigos no âmbito das nações. Sim, os nigerianos que ontem mesmo, Creech-Jones do Império Britânico dizia a eles que a sua exigência de autogoverno total não poderia ser garantida porque eles não estavam prontos - estes nigerianos sabem muito bem que os povos das repúblicas asiáticas da União Soviética, menos de três décadas atrás estavam no mesmo nível político e cultural que eles; ainda assim, e uma única geração, estes povos ditos “atrasados” foram capazes de tomar seus lugares enquanto povos livres e independentes com suas próprias indústrias e sua própria cultura.
Sim, toda a África lembra que foi Litvinov quem ficou sozinho ao lado de Haile Selassie em Geneva, quando os filhos de Mussolini voaram com as benções do Papa para jogar bombas em mulheres e crianças da Etiópia. A África se lembra que foi a União Soviética que lutou contra a tentativa de Smuts de anexar o Sudoeste africano às reservas de escravos da União da África do Sul. A África sabe que foi a União Soviética que exigiu em São Francisco, que a Carta das Nações Unidas incluísse uma garantia de autogoverno para os povos dos territórios ditos “protetorados”. E não é a luta da União Soviética hoje que evita que as colônias italianas sejam bases de escravos e bases militares para a Inglaterra e para os Estados Unidos?
Certamente, a mudança na correlação de forças no mundo hoje favorece as lutas de libertação dos povos das Índias Ocidentais e da África. E se os povos de Tanganyika e do Quênia não estão contentes com os esquemas benevolentes de transformarem sua terra em plantações em massa de amendoins; se os africanos da Rodésia rebelam contra o roubo de sua colheita e a exploração de seu trabalho; se os Bantus e os escravos da União da África do Sul se tornam mais desafiadores das leis do apartheid e do sistema de trabalho forçado; se os povos do Congo se recusam a trabalhar nas minas de urânio para as bombas atômicas fabricadas nas fábricas da Jim Crow dos Estados Unidos; se todos estes povos demandam um fim aos castigos, um fim à farsa do “protetorado” nas antigas colônias italianas e à todas as outras colônias, um fim aos esquemas de exploração colonial que se escondem por trás de pretextos humanitários; e se os povos das Índias Ocidentais pressionam por uma transição à independência, - de federação nos interesses do povo das Índias Ocidentais e não de latifundiários ausentes, como é no programa de “Quatro Pontos” de Truman - se, em uma palavra, os povos da África e das Índias Ocidentais agora gritam seus chamados por autodeterminação a todo o mundo, não é porque eles possuem um poderoso amigo e campeão a quem pelo exemplo e repetidos desafios provou esta amizade?
Apesar de toda a censura e repressão, o mundo chegou a uma mudança.
A União Soviética é amiga dos povos africanos e das Índias Ocidentais. E nenhum lobo imperialista disfarçado de cão de guarda benevolente, e nenhum Tito disfarçado de revolucionário, pode convencê-los que Moscou oprime as pequenas nações. A África sabe que a União Soviética é a defensora e campeã dos direitos que todas as nações - grandes e pequenas - tem a controlar seus próprios destinos.
O programa socialista soviético de democracia étnica e nacional é precisamente o oposto dos programas nazistas, fascistas, “Dixiecrata”, de superioridade racial. Um dos principais líderes africanos, Gabriel D’arboussier, Vice-Presidente da União Democrática Africana nas colônias francesas na África subsaariana, líder de uma poderosa organização de milhões - representando 20.000.000 de africanos, disse isso:
“Toda a raiva dos reacionários dirigida contra a União Soviética também é dirigida sob outras formas contra os povos coloniais. Os últimos aprenderam, graças a estes reacionários, que existe uma aliança natural entre o país do socialismo e os povos oprimidos pelo mundo”.
Mas eu possuo uma razão profundamente pessoal ao falar aqui hoje à noite. E é mais do que o fato de que como um artista eu sei o que a cultura soviética significa para os jovens artistas de hoje, quais grandes horizontes de imaginação e criatividade estão sendo estimulados na terra soviética. E é mais do que o fato que eu possuo muitos queridos amigos na União Soviética, com os quais eu conheci e passei a encontrar durante minhas visitas lá. Eu penso que a verdadeira razão pela qual eu amo a União Soviética e o porquê eu posso falar de maneira tão pessoal sobre ela é porque eu sou negro e sou estadunidense.
Deixem-me explicar.
Nos EUA hoje, o povo negro é o centro da luta contra a guerra e o fascismo. Três séculos de opressão e terror trouxeram o meu povo para o front desta luta.
Não existe democracia para as massas do meu povo. As conquistas de uns poucos - na verdade isto está sendo usado no sentido inverso - para acobertar as injustiças de nossos milhões. Os milhões de negros que se nega o direito ao voto são uma enorme testemunha.
O desemprego é um espectro constante. 31% dos chefes das famílias negras nos EUA ganham menos de 500 dólares por ano. 44% ganham entre 500 e 1000 dólares anualmente. 75% do meu povo ganham menos do que um terço do que é necessário para sustentar uma família de quatro pessoas.
Somos os últimos a ser contratados e os primeiros a sermos demitidos.
Sete de dez de nossos agricultores são sem terra, com plantações de algodão que chegam até a porta de suas casas. A vasta maioria em massa vive em casas onde o céu, a terra e as árvores podem ser vistas sem sair de casa.
Cinco mil negros foram linchados. Nenhum linchador foi julgado na justiça. Nenhum linchador teve que pagar por este terrível crime.
Maceo Snipes, um veterano da II Guerra, foi votar no Condado de Taylor, Alabama. Uma hora depois ele foi assassinado na porta de sua casa, à vista de sua esposa e filhos. Seus assassinos fugiram dizendo “Nós falamos para você não votar”. Mas a viúva de Maceo Snipes disse a seus filhos: “Quando vocês crescerem, vocês vão votar também”.
Noventa negros foram linchados desde que o Presidente Trumam vem ocupando o assento da Casa Branca com promessas de direitos civis. O mais terrível dos derramamentos de sangue ocorreu em Greenville, Carolina do Sul, onde 28 homens foram parar em um tribunal americano e admitiram assassinarem Willie Earl. Vários confessaram terem o amarrado. Vários outros confessaram ter derramado gasolina sobre seu corpo. Outros ainda confessaram terem atirado seis vezes contra ele a seis passos dele. Outros admitiram ter acendido fósforos na gasolina, deixando o corpo em chamas.
Todos foram soltos pelo júri. E o governo federal nunca interviu. O motivo é claro. Tom Clark era então o procurador-geral, o mesmo procurador-geral que mais tarde processou um sem número de pensadores progressistas e recorreu ao pior tipo de perseguição e ao uso mais desprezível de nossos tribunais para acusar os 12 líderes do Partido Comunista.
O povo negro sabe que eles não podem esperar nenhuma resposta do Imperialismo norte-americano. O Imperialismo norte-americano não pode abandonar o seu terror da segregação enquanto busca seus Planos Marshalls e Pactos Atlânticos e seu impulso para a guerra.
Mas existe um outro lado contra este quadro miserável. Um lado de esperanças. É a militância em ascensão da luta do povo negro por terra, igualdade e liberdade. Em protestos que eu fui por todo o país com dezenas de milhares, esta militância em ascensão se mostrou sob uma nova liderança, uma liderança negra composta de sindicalistas, veteranos, mulheres e jovens trabalhadores, pastores de nossas igrejas, líderes fraternos entre outros. Esta militância em ascensão surgiu como o centro da unidade com muitos grupos, com o povo judeu, com os sindicatos e com os estrangeiros.
Em meu tour pelo Sul para Henry Wallace, eu me lembro de nossas paradas em Memphis, Tennessee, onde a organização combativa do Mine, Mill and Smelter Workers deu as mãos ao meu povo para garantir que aquele pensamento e ação progressistas pudessem achar um canal para a expressão.
Em Winston-Salem, Carolina do Norte, eu vi os trabalhadores de tabaco. Eu vi liberais e progressistas como Larkin Marshall na Georgia, o Sr. Andrew Simkins da Carolina do Sul, e Velma Hopkins - todos lutadores que estão liderando uma brava luta por libertação.
Foi em Peekskill que esta unidade foi forjada de forma mais acentuada. Ali, em Peekskill, sindicalistas, judeus, imigrantes, negros e brancos, ficaram lado a lado, lutando contra o ataque fascista de gangues lideradas por Dewey e Dulles, a verdadeira origem da força e violência.
Eu vejo esta crescente disposição para a luta do povo negro como um dos motivos mais importantes para a garantia da fiança para os “onze”, para a derrota da Lei de Ober em Maryland. E sim, até mesmo obriga o juiz Jackson da Suprema Corte a proclamar o julgamento de Eugene Dennis como um julgamento “político”.
Eu ouvi algumas pessoas muito honestas e sinceras falarem para mim, “Sim, Paul, concordamos com você em tudo que você disse sobre a perseguição e a Jim Crow. Estamos com você nestas coisas cem por cento. Mas o que a Rússia fez para nós, negros?” E ao responder esta questão, eu sinto que eu vou além de meus sentimentos pessoais e coloco meu dedo no ponto crucial do que a União Soviética significa para mim - um negro e um estadunidense. Porque a resposta é muito simples e muito óbvia, “Rússia”, eu digo, “A própria existência da União Soviética, o seu exemplo perante o mundo de abolir toda discriminação de cor ou nacionalidade, a sua luta em toda arena de conflito mundial por genuína democracia e pela paz, isto deu a nós negros a chance de conquistar nossa completa libertação dentro de nosso próprio tempo, nesta geração.”
E de fato, onde estaria a luta do povo negro por liberdade hoje, se o Imperialismo mundial não estivesse sendo ferido gravemente e suas forças enfraquecidas pelo mundo? Onde estaria a luta pelo voto no Sul hoje, se esta nova correlação de forças no mundo não existisse?
Eu sei que a crescente unidade destes grandes setores do povo norte-americano com o povo negro, a crescente força de sua luta para salvar os EUA do fascismo, o princípio da solidariedade bem na garganta do inimigo, devem a sua resistência e a sua força àquela combinação total de fatores que transformaram o mundo, aquela combinação total onde o exemplo e a força da União Soviética é decisiva.
Para cada mãe negra que tem seus filhos para confortá-la, para cada jovem negra que procura se casar, para cada jovem negro que entra confiante no limiar desta luta, eu digo “Onde o seu filho estaria, onde seu amor estaria, onde VOCÊ estaria, se não fosse Stalingrado?” E por falar em Stalingrado, foi Roosevelt quem em uma carta a Stalin falou de como a civilização foi salva na Batalha de Stalingrado. E foi o povo soviético e seus filhos que falaram “Retorne meu amor aos negros, ao povo dos Estados Unidos, porque queremos paz e cooperação honesta”.
Ninguém precisa ou pode se deixar ter medo de declarar para si mesmo em defesa da verdade amizade com a União Soviética e as Democracias Populares. Hoje os verdadeiros patriotas de todas as nações são exatamente aqueles que trabalham pela amizade com estas grandes nações.
Devemos retornar para as últimas três décadas para documentar este fato? A história de todos os países não mostrou que foi precisamente aqueles que semearam o ódio contra a União Soviética que provaram ser os verdadeiros traidores de suas pátrias? Não foram aqueles que defenderam e trabalharam pela amizade com a União Soviética que provaram serem os genuínos patriotas?
Para aqueles que ousam questionar o meu patriotismo, que tem a absoluta insolência de questionar meu amor pela verdadeira América e meu direito de ser um americano - questionar a mim, cujos pais e antepassados fertilizaram o mesmo solo deste país com seu trabalho e com seus corpos, a estas pessoas eu respondo que aqueles e apenas aqueles que trabalham por uma política de amizade com a União Soviética são genuínos patriotas dos Estados Unidos. E todos aqueles que se mobilizam para uma guerra que destruiria a civilização, seja conscientemente ou inconscientemente, estão traindo os interesses deste país e do povo norte-americano.
Finalmente, meus amigos, eu quero dizer que eu acredito que a grande maioria do povo dos Estados Unidos perceberá a sua identidade de interesses com o povo da União Soviética e das Democracias Populares. Nesta era de transformação, normalização das relações de comércio e cooperação pacífica podem ser a única resposta.
Eu sou e sempre serei um antifascista e um combatente pela liberdade e dignidade de todos os homens. Nós, antifascistas - os que realmente amam a democracia - possuímos uma tremenda responsabilidade. Não somos um pequeno grupo - somos milhões que acreditam na paz e na amizade. Se nos mobilizarmos com coragem, as forças do fascismo mundial podem ser derrotadas e assim serão - na Europa, África e nos Estados Unidos.
Por causa disso, eu sou e sempre serei, um firme e verdadeiro amigo da União Soviética e do amado povo soviético.
Discurso de Paul Robeson em um banquete organizado pelo Conselho Nacional da Amizade americano-soviética, em 10 de Novembro de 1949, por ocasião do 32º aniversário da Revolução Russa
Tradução de Gabriel Duccini