Acerca das relações entre teoria e prática
Engels demonstra em seu Introdução à Dialética da Natureza sua teoria sobre o surgimento da Terra. A Terra, assim como os sistemas solares de nossa galáxia, surgiu do esfriamento das nebulosas incandescentes – desde o momento em que a Terra se esfriou até a temperatura limite em que existe a possibilidade do surgimento da vida até propriamente o surgimento da mesma, datam cerca de dez milhões de anos, quando as plantas, árvores etc. começam a surgir no seio da crosta terrestre. Entre as diversas modalidades de vida, nossos antepassados foram na verdade seres altamente desenvolvidos. A filosofia marxista clássica da natureza (principalmente Engels em Anti-Dühring) dá uma atenção especial à albumina, a principal proteína do plasma do sangue, ao explicar a origem da vida. Através da evolução de estruturas químicas complexas em substância albuminosa, desta substância deve ter surgido a vida. Relembremos o trabalho dos cientistas Miller e Urey, que comprovaram as hipóteses de Oparin (este, aliás, era soviético) e J.B.S. Haldane sobre a possibilidade de síntese de matéria orgânica em tempos remotos, a teoria da sopa primordial, a abiogênese. Os dois primeiros fizeram um equipamento que simula as condições da Terra primitiva (determinados gases na atmosfera e descargas elétricas), cujos raios fizeram surgir pequenas moléculas orgânicas, aminoácidos, que poderiam ter originado coacervados, a partir dos quais teriam surgido os primeiros seres vivos. Engels, em seu Sobre o Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem, cita: “Há muitas centenas de milhares de anos, numa época, ainda não estabelecida em definitivo, daquele período do desenvolvimento da Terra que os geólogos denominam terciário, provavelmente em fins desse período, vivia em algum lugar da zona tropical — talvez em um extenso continente hoje desaparecido nas profundezas do Oceano Indico — uma raça de macacos antropomorfos extraordinariamente desenvolvida. Darwin nos deu uma descrição aproximada desses nossos antepassados. Eram totalmente cobertos de pelo, tinham barba, orelhas pontiagudas, viviam nas árvores e formavam manadas.” Em sua luta por suas condições de existência, onde existia a necessidade de fuga das feras existentes – impossíveis de serem enfrentadas na época por conta do atraso nos instrumentos de produção – e de buscar alimentos do alto das árvores, houve a necessidade da diferenciação na atividade existente entre os pés e a mão. À medida que precisavam subir, a atividade das mãos diferenciava-se claramente da dos pés e, durante atividades de centenas de milhares de anos em suas lutas por condições de existência, onde as atividades das mãos se diferenciam definitivamente da dos pés. Essa diferenciação na utilização das mãos foi fundamental para que fosse possível a criação de ferramentas, a partir da necessidade de se defender dos predadores. Isso aumentou a possibilidade de sobrevivência do ser humano em relação às outras espécies. Outro fator importante para o surgimento do ser humano moderno foi a cultura: capacidade de simbolização, uso cada vez mais aprimorado da linguagem, estabelecimento de regras e laços de solidariedade e sociabilidade (como a proibição do incesto, estabelecimento de vínculos entre cada indivíduo do grupo, etc). O desenvolvimento da cultura se deu em conjunto com as mudanças corporais, ou seja, não podemos ver nenhum desses processos de forma linear. A cultura é tanto produto do ser humano quanto o ser humano é produto da cultura. A cultura nada mais é do que a síntese das ações concretas do ser humano em luta por suas condições de existência – ao se tomar determinada ação, o cérebro codifica determinado número de informações que novamente são utilizadas para uma prática qualitativamente superior, ambas adquiridas através da experiência anterior. A postura ereta foi tão determinante quanto a cultura e até a auxiliou. Tal característica promoveu o maior desenvolvimento da laringe, possibilitando a emissão mais complexa de sons, formação de palavras. A linguagem foi mais importante não para a troca de ideias, mas para o aumento na capacidade de cooperar com o grupo. Com a seleção natural (os seres com habilidades e características mais apropriadas ao momento eram “selecionados pela natureza” a sobreviverem mais facilmente), o Homo sapiens enfim desponta como organismo biológico mais apto à sobrevivência. Lembrando que cada ser vivo é singular em suas características, logo não podemos separá-los entre “superiores” e “inferiores”. Tal desenvolvimento dos homens leva a uma polêmica que há milênios degladeia os mais diferentes filósofos de diferentes escolas. Engels, no seu Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, estuda os milênios de luta dos homens contra a natureza para forjar seus meios de subsistência, somada aos conhecimentos decorrentes, e chega à conclusão de que a discussão filosófica estabelecida entre os homens, durante todo determinado período histórico, se dilui facilmente no mais simples questionamento da relação entre o ser e a consciência. O que vem primeiro, o ser ou a consciência? A ação ou o conhecimento? A prática ou a teoria? A matéria ou o espírito? Àqueles que entendiam que o conhecimento era a anterior à ação, denominávamos idealistas, àqueles que entediam que a ação era anterior ao conhecimento, denominávamos materialistas. As principais escolas do idealismo, como assim denominamos, jamais teve o mérito histórico de estabelecer uma correta relação entre a ação e o pensamento. Para as primeiras, matéria e espírito são categorias completamente independentes uma da outra, onde o espírito adquire vida própria e a matéria não é senão um peso morto subordinado ao espírito. Portanto, toda a história não seria senão o “Autodesenvolvimento do Espírito”, como dizia Hegel, e que toda a história era nada mais do que um amontoado de fatos sem qualquer conexão uns com os outros, da feita que somente o “Espírito” desenvolvia a História. Entre alguns dos discípulos da escola hegeliana, estavam os irmãos Bauer – Bruno e Edgar Bauer. Marx e Engels, em sua luta para acertar contas com suas antigas concepções filosóficas, criticaram duramente em A Sagrada Família as ideias contidas nas obras dos irmãos Bauer. Aprofundando a reacionária filosofia idealista, as massas populares não seriam nada mais do que um “peso morto” na História, onde os “filósofos”, totalmente desconectados da realidade, seriam os grandes responsáveis pelo andamento e o prosseguimento dos fatos históricos. A “Ideia” surgia como algo desconectado do mundo, vindo do exterior, e que seria somente um privilégio dos chamados “filósofos” tão “acima” da “Massa”. Marx e Engels, nas críticas contra tais concepções, demonstraram cientificamente que as ideias, a moral, as concepções, toda a superestrutura ideológica não era determinada por um suposto ente exterior, desconectado da realidade. Que, ao contrário, as ideias tem suas raízes na própria luta das massas populares por suas condições existência, que através da luta na produção, na luta de classes, forja novas ideias que auxiliam em práticas qualitativamente superiores às anteriores. Consequentemente, toda luta só será levada até o fim desde o momento em que as ideias reflitam corretamente as demandas das massas populares e que estejam em estreita relação com a realidade objetiva. Tal experiência surgida da luta de Marx e Engels contra o idealismo dá para nós, até hoje, profundas lições que servem à prática da luta dos comunistas brasileiros pela vitória da Revolução Brasileira. Qual critério deve ser estabelecido para verificar se uma teoria corresponde ou não à realidade? Como não vulgarizar a famosa frase segunda a qual “a prática é o critério da verdade”? As ciências naturais – física, biologia, química etc. nos fornecem um quadro perfeito de como dizer se uma teoria corresponde ou não à realidade. O exemplo da equação “Potencial elétrico = (Resistência elétrica)*(Corrente elétrica)”, U = R.i, permite testar na prática a veracidade ou não de uma teoria. Dada uma voltagem qualquer e uma resistência elétrica qualquer, caso o amperímetro verifique na prática que a corrente elétrica corresponde, em todos os casos, a razão entre a voltagem e a resistência, então se prova a veracidade de tal teoria. O potencial elétrico, portanto, corresponde ao produto da resistência e da corrente, objetivamente, independente da vontade de qualquer pessoa. Como verificar, contudo, a veracidade ou não de uma teoria ou programa Marxista-leninistas no caso da prática concreta de uma Revolução? Deve haver uma modificação mútua entre teoria e prática, modificando a teoria à medida que a prática nos diz que ela, total ou parcialmente, não corresponde mais a uma nova realidade; assim como devemos pautar as teorias com base na observação da realidade concreta. Não há relação de causa e consequência, uma relação mecânica, há uma malha de fatores, teóricos e práticos, que se interligam e dependem uns dos outros. O correto entendimento do relacionamento entre eles é peça chave para a direção correta da revolução proletária, assim como o entendimento de todas as contradições e como elas poderão condicionar a teoria. Somente as massas têm a autoridade para dizer se um programa político corresponde ou não à realidade. As demandas concretas das massas é o que confirmam a veracidade ou não de todo um cabedal teórico produzido pelos intelectuais que se forjam na luta de massas. Portanto, estar entre as grandes massas de operários, camponeses e estudantes, entender suas demandas, o que pensam, etc., é de importância fundamental para a confirmação exata da veracidade de nosso programa da Revolução Brasileira. Tal contato permitir-nos-á acordar ideologicamente aqueles que são as forças diretrizes da Revolução e que aplicarão nossa linha política nos mais diferentes setores da vida social.
artigo do então Coletivo Bandeira Vermelha.