"Rainha" de Sabrina Fidalgo
O média-metragem Rainha (2016), de Sabrina Fidalgo, foi exibido em 18 de setembro de 2021, no Cine Debate, atividade que pertence a Campanha “Brasil: Pela Segunda e Definitiva Independência”, realizada em conjunto com os grupos que agregam esta tarefa, tendo como objetivo discutir, a partir da perspectiva da cultura audiovisual, sobre os deveres e dificuldades de reivindicar-se pautas democráticas e revolucionárias em território nacional.
Rainha é uma produção que faz parte do projeto Curta Mulheres, que disponibilizou ao público um total de 52 filmes, feitos por diretoras brasileiras de diferentes partes do país. Essa obra levou o prêmio de melhor filme pelo júri popular no Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro em 2016, além de ganhar mais de 30 prêmios e ser selecionado para a mostra Perspectives do Festival de Rotterdam.
O filme conta a história de Rita (Ana Flávia Cavalcanti), que tem o sonho de tornar-se Rainha de Bateria da Escola de Samba de sua comunidade. Em meio a uma competição injusta e cercada de problemáticas sociais, ela precisa lidar com a rígida vida de preparo físico, privações e atritos internos e externos, a fim de conquistar o seu objetivo.
A diretora e roteirista carioca Sabrina Fidalgo, que foi apontada pela publicação americana BUSTLE em oitavo lugar como uma das cineastas mais promissoras do mundo, em uma lista com 36 diretoras internacionais, lança mão de uma estética ousada, trazendo a representação do carnaval em branco e preto, apesar da obra se passar entre os anos de 2014 e 2016. A sonoplastia conta na maior parte do média-metragem com sons ambientes e repetitivos, que, combinados com o movimento vertiginoso das câmeras e dos enquadramentos que contam com a presença de grades, muros e portões, causam no mínimo um desconforto a quem estiver assistindo. As sensações contraditórias entre a felicidade e a liberdade do carnaval, bem como o cerceamento da personagem, são pontos marcantes nessa história que conta do sonho de Rita, fazendo parecer, por vezes, um pesadelo.
Ao decorrer dos minutos apresenta-se o Diretor da Escola de Samba, homem autoritário, que, a cada escolha da nova Rainha da Bateria, controla os resultados com base em interesses pessoais. Ivani, uma das candidatas, é a sua preferida, e parece ter um envolvimento com o Diretor, o que pode levantar discussões sobre o papel da competição na rivalidade feminina e como, em algumas situações, mulheres são coagidas a se subordinar a uma relação com quem tem o poder para ter uma ascensão social – traço do machismo estrutural.
O objetivo de ser Rainha ainda passa pelos irreais padrões estéticos, que impõe às mulheres corpos perfeitos, e no contexto que Rita vive, isso significa ter bunda e seios grandes e cintura fina. A protagonista dedica-se ao exercício e à dieta, ao mesmo tempo que deseja estar mais magra, com pernas mais grossas e seios maiores. A mãe de Rita, ao consolá-la por ainda não ter conseguido seu objetivo, aconselha sua filha a procurar um emprego e fala: “Porque perfeição pra pobre, é o pão não cair do lado da manteiga pra baixo, e pra isso não acontecer, tem que ter manteiga pelo menos minha filha.” Sendo respondida pela filha com: “Manteiga engorda.”
Quando ela, finalmente, fica mais perto do seu objetivo, de desfilar como Rainha de Bateria de sua comunidade, e também é quando a obra se encontra em seu ápice. Em uma virada entre o plausível na realidade e o absurdo, a trama brinca com o terror psicológico, entre a realidade e o imaginário, em meio a fantasias e máscaras de carnaval, cenas fortes de violência acontecem e muitas hipóteses podem ser criadas quanto a como a história poderia ter chegado a esse ponto.
O final do média-metragem conta com a música Lei No, Lei Sta Ballando (Ela não, Ela está bailando) de Chico Buarque, anexada de forma certeira no fechamento do enredo. Segue um trecho da música e sua tradução:
Lei No, Lei Sta Ballando (Italiano)
“Oggi, mercoledì
Non è più carnevale
Ciascuno alla vita normale
Sta ritornando
Lei no, lei sta ballando
Oggi, mercoledì
Per le strade del centro
Ciascuno col proprio tormento
Sta camminando
Lei no, lei sta ballando
Lei non si accorge che la gente
Già sta soffrendo normalmente
Dicono tutti che è impazzita
Ma in lei la festa non è mai finita(...)”
Ela não, ela está dançando (Português)
“Hoje, quarta-feira
Não é mais carnaval
Cada um para a vida normal Está voltando
Ela não, ela está dançando
Hoje, quarta-feira
Nas ruas do centro
Cada um com seu próprio tormento
Está caminhando
Ela não, ela está dançando
Ela não percebe que as pessoas
Já estão sofrendo normalmente
Todos dizem que ela enlouqueceu
Mas nela a festa nunca acaba. (...)”
O filme conta, dessa maneira, uma segunda versão do carnaval e do sofrimento da mulher preta de uma comunidade do Rio de Janeiro que gira em torno do samba, sendo uma representação ácida e absurda da realidade social e cultural brasileira. Para muitas pessoas, o carnaval nunca acaba.
Todos estão convidados a participar dos Cine Debates, que, atualmente, acontecem mensalmente por meio virtual. A exibição dos filmes ocorre na hora, mas é disponibilizado um link para assistir em outro momento, sendo também indicado a hora que se iniciará o debate. Todos têm igual direito de fala. Todos são igualmente bem-vindos!