Rodney: "Algumas questões sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento"
O que é desenvolvimento?
Desenvolvimento na sociedade humana é um processo multifacetado. No plano puramente individual implica maior perícia e capacidade, maior liberdade, criatividade, autodisciplina, responsabilidade e bem-estar material. Alguns desses pontos são categorias morais difíceis de avaliar – dependendo do momento histórico em que se vive, da origem de classe de cada um, da sua maneira de entender o que é certo e errado. Contudo é absolutamente indiscutível que a prossecução de qualquer um desses aspectos de desenvolvimento pessoal está completamente interligado com o estado da sociedade como um todo. Desde os primeiros tempos nos quais o homem descobriu que seria conveniente e necessário agrupar-se para procurar os meios de sobrevivência. As relações que se desenvolvem dentro de cada grupo social são essenciais para a compreensão da sociedade como um todo. A liberdade, a responsabilidade, a capacidade etc. só adquirem real significado se entendida como relações do homem em sociedade.
É evidente que todo o grupo social mantém contatos com outros. As relações individuais são reguladas pelas sociedades. As suas respectivas estruturas políticas são importantes, pois os elementos reguladores dentro de cada grupo são os que determinam o diálogo, o comércio ou a luta conforme o caso. A nível de grupo social, desenvolvimento implica uma capacidade cada vez maior de regular as relações quer internas quer externas. A história tem sido na sua maior parte uma luta pela sobrevivência, contra os fenômenos naturais e inimigos humanos reais e imaginados. No passado, desenvolvimento sempre significou o fortalecimento da aptidão de conservar a independência do grupo social, e na realidade, para infringir a liberdade dos outros – algo que muitas vezes não correspondia à vontade individual dos elementos que compunham as sociedades envolvidas.
O homem não é o único ser que atua em grupo, mas a espécie humana desenvolveu uma linha ímpar de evolução, pois o homem tem capacidade para fabricar e utilizar instrumentos. O próprio ato de fabricação de utensílios é mais um estímulo para o desenvolvimento da razão, que a consequência de um intelecto aperfeiçoadamente amadurecido. Em termos históricos a importância do trabalhador manual tem sido, em todos os aspectos, tão grande como a do pensador, visto que o trabalho com instrumentos, libertando o homem da necessidade de fora bruta, possibilitou-lhe o domínio sobre espécies mais poderosas e sobre a própria natureza. A qualidade dos instrumentos e a forma de organização de trabalho são ambos importantes índices de desenvolvimento social. É frequente utilizar-se o termo “desenvolvimento” num sentido exclusivamente econômico – argumenta-se dizendo que a estrutura econômica é por si mesmo um índice dos outros fatores sociais. Que é então o desenvolvimento econômico? Uma sociedade desenvolve-se economicamente à medida que os seus membros incrementam em conjunto a sua capacidade de dominar o ambiente. Essa capacidade de dominar o ambiente depende da medida em que ele compreende as leis da natureza (ciência) e da medida em que põe essa compreensão em prática projetando utensílios (tecnologia) e do modo pelo qual organiza o seu trabalho. Em termos históricos pode afirmar-se que tem havido constante desenvolvimento econômico desde as origens do homem, porque a humanidade multiplicou enormemente a sua aptidão para conquistar da natureza os seus meios de subsistência. A magnitude da obra levada a cabo pelo homem será melhor entendida se, recuando-nos aos primórdios da sociedade humana, anotarmos o seguinte: em primeiro lugar, o salto da pedra lascada ao uso dos metais; depois, a ultrapassagem dos tempos da simples caça e apropriação direta dos frutos silvestres para a cria de animais domésticos e agricultura; e terceiro, o melhoramento da organização do trabalho, que deixa de ser mera atividade individual para assumir um caráter social pela participação de muitos.
Todos os povos provaram capacidade para livremente desenvolver a sua aptidão de viver uma vida cada vez mais satisfatória através de utilização dos recursos naturais. Todos os continentes participaram de forma independente nos primeiros passos do alargamento do controle humano sobre o seu meio ambiente – o que significa na prática que todos os continentes podem apontar um período de desenvolvimento econômico. A África, berço original do gomem, participou largamente do professo pelo qual grupos humanos viram extraordinariamente multiplicada sua capacidade de extrair meios de subsistência do meio ambiente. Na verdade, em tempos remotos, a África foi o foco de desenvolvimento físico do homem, como ser diferente dos outros seres vivos.
Desenvolvimento é um fenômeno universal pois que as condições conducentes à expansão econômica são universais. Por toda parte o homem foi obrigado a encarar o desejo da sobrevivência: a necessidade de satisfazer as carências fundamentais, e melhores utensílios são uma consequência do recontro homem-natureza, como parte da luta pela sobrevivência. É evidente que a história da humanidade não é um eterno relato de progresso. Períodos houve em qualquer parte do globo em que se verificaram retrocessos temporários com real redução da capacidade de satisfazer as necessidades primárias e produzir outros serviços para a população. Mas a tendência geral foi um aumento da produção e, em momentos históricos determinados, o aumento quantitativo dos bens conduziu a uma mutação qualitativa no caráter da sociedade. Este fenômeno será mais tarde evidenciado no tocante à África, mas podemos desde já ir buscar o exemplo da China para provar a aplicação universal da lei da mudança (quantitativamente qualitativa).
Os primeiros homens na China viviam à mercê da natureza e paulatinamente foram descobrindo algumas coisas básicas como o fato de que o fogo pode ser acesso pelo homem e que certas sementes podem ser plantadas para a satisfação de necessidade alimentares. Essas conquistas possibilitaram aos habitantes da China a constituição de comunidades agrícolas que utilizavam instrumentos de pedra e produziam o necessário para a sua subsistência. Datam de vários milhares de anos antes do nascimento de Cristo ou da revelação do profeta Maomé. Os bens produzidos em tal estágio eram divididos, mais ou menos equitativamente, entre membros da sociedade que vivia e trabalhava em famílias. Ao tempo da dinastia T’Ang, século VII d.C., a China havia expandido a sua capacidade econômica de molde a não só produzir mais alimentos, mas também manufaturar uma extensa gama de serventias, sedas, porcelanas, barcos, investigações científicas. A esse aumento quantitativo na produção de bens correspondiam mutações qualitativas na sociedade chinesa. Com o decurso do tempo formou-se um estado, num lugar onde somente houvera unidades autogovernadas. Em vez de cada família ou cada indivíduo permanecer indiscriminadamente a trabalhar na agricultura, na construção de casas, na tecelagem etc., desenvolveu-se a especialização de funções. A maior parte da população continua ainda adstrita à agricultura, mas aparecem artesãos, peritos no fabrico de sedas e porcelanas, burocratas que administram o Estado e religiosos e filósofos Budistas e Confucionistas que se especializam na tentativa de explicar as coisas que ultrapassam os limites da compreensão imediata.
Com a especialização e a divisão do trabalho não só aumenta a produção como torna desigual a distribuição. Uma pequena fracção da sociedade, precisamente a fracção que menos riqueza produz, passa a apossar-se de uma fatia desproporcionalmente à grande do produto do trabalho humano. É-lhe possível fazer isso porque se geram desigualdades na propriedade do principal meio de produção que é a terra. A propriedade comum da terra começa a desaparecer à medida que uma minoria se apropria da maior parte dela. As mutações na propriedade da terra são parte integrante do desenvolvimento no seu sentido mais alto. É por isso que desenvolvimento não pode ser visto como algo puramente econômico, mas como um processo global da sociedade, o qual depende de êxito dos esforços do homem para dominar o meio ambiente.
Um estudo cuidadoso torna possível a compreensão de alguns dos muito complicados elos entre a mutação da base econômica e a evolução da superestrutura da sociedade – que inclui a esfera da ideologia e das crenças da sociedade. A ultrapassagem da comuna primitiva na Ásia e na Europa, por exemplo, produziu os códigos morais específicos do Feudalismo. O comportamento dos cavaleiros europeus tem muito em comum com o dos samurais e guerreiros japoneses. Desenvolveram noções da chamada cavalaria – em contrapartida, o camponês foi obrigado a aprender humildade extrema, deferência e obediência – simbolizada pelo dever de descobrir-se e manter a cabeça baixa frente aos superiores. Também em África essa diferenciação em classes levou à prática de os populares se prostrarem perante os monarcas e aristocratas.
Entendido este ponto, fica bem claro que a tosca igualdade familiar deu lugar a uma nova forma de sociedade.
Em ciências naturais é fato conhecido que em muitas situações a mudança meramente quantitativa se transforma em mudança qualitativa após certo período. Exemplo clássico é o da capacidade da água em absorver calor (processo quantitativo) até 100°C e transformar-se depois em vapor de água (mudança qualitativa). Semelhantemente nas sociedades humanas a expansão quantitativa da economia conduz muitas vezes a uma mutação qualitativa na forma das relações sociais. Karl Marx, no século XIX, foi o primeiro escritor a analisar este fato, distinguindo na história da Europa vários estágios de desenvolvimento. O primeiro grande estágio que se seguiu aos bandos nômades coletores foi a comuna primitiva onde a propriedade era coletiva, o trabalho feito em comum e os bens distribuídos equitativamente. O segundo estágio foi o escravagista, provocado pela expansão dos elementos dominantes de dentro da família e pela submissão física de uns grupos por outros. Os escravos desempenharam uma grande variedade de tarefas, mas a sua principal função era produzir alimentos. No feudalismo, estágio seguinte, a agricultura continua a ser a principal forma de produção, mas a terra, meio necessário, é açambarcada por um pequeno número que se apropria de parte do leão na distribuição da riqueza. Os trabalhadores da terra (agora denominados servos) não mais são propriedade pessoal dos senhores, mas estão adstritos à gleba de um (senhor) feudo particular. Quando o feudo muda de titular os servos permanecem ali, trabalhando para alimentar o senhor feudal, conservando estritamente o produto necessário à sua subsistência. Assim como eram escravos os filhos de escravos, assim os filhos de servos, servos são. A fase seguinte, o Capitalismo, caracteriza-se porque então a sociedade produz a maior parte da sua riqueza, não na agricultura, mas nas fábricas e minas. Caracteriza-se, tal como a fase anterior, por uma concentração dos bens de produção e por uma desigual distribuição do produto do trabalho humano. Agora domina a burguesia, classe que teve a sua origem nos comerciantes e armadores da época feudal, e que se tornaram industriais e financeiros. Entretanto, os servos eram legalmente declarados livres para deixarem a terra e irem trabalhar nas empresas capitalistas. Dessa maneira, a sua força de trabalho é uma mera mercadoria – algo que pode ser comprado e vendido.
O estágio seguinte seria o Socialismo (defende-se que uma nova era havia de vir – a do Socialismo), no qual a lei de igualdade econômica seria reestabelecida como na comuna primitiva. Em termos econômicos cada uma dessas fases representava desenvolvimento no estrito sentido de que a capacidade humana de dominar a natureza e, por tal motivo, produzir uma quantidade maior de meios de subsistência para a comunidade ser continuamente incrementada. A maior produção de bens e serviços era determinada pela maior perícia e criatividade do homem. A espécie humana se libertara na medida em que dispunha de maiores oportunidades para manifestar e desenvolver as suas capacidades. Contudo, é indiscutível que o homem se tenha elevado no sentido moral. O desenvolvimento da produção alargou o leque de poderes que uma classe tinha sobre outras e multiplicou a violência, parte integrante da competição pela sobrevivência e crescimento entre grupos sociais. Não se poderá peremptoriamente afirmar que o soldado lacaio do capitalismo na última grande guerra era menos “primitivo” no sentido elementar da palavra, do que o soldado dos exércitos do Japão feudal do século XVI ou que o nômade caçador ainda na fase mais atrasada da organização humana, nas florestas do Brasil, não obstantes sabermos que, no decurso destas três épocas[1], melhorou extraordinariamente o nível de vida. A vida tornou-se menos arriscada e menos incerta e os membros da sociedade passaram a dispor de maior possibilidade potencial de determinar seus destinos. Desenvolvimento implica todos esses elementos.
A história dessas sociedades que passaram por vários modos de produção oferece a oportunidade de verificar como as mudanças quantitativas acabam por dar lugar a sociedades inteiramente diferentes. O fator chave é que, em uma dada conjuntura, as relações sociais efetivamente existentes contrariam o desenvolvimento histórico. Começam a atuar como travão sobre as forças produtivas devendo, por isso, ser eliminadas. Tomemos, como exemplo, o Escravismo europeu. Conquanto moralmente indefensável, a escravidão conseguiu abrir minas e desenvolver plantações agrícolas em grande parte da Europa, particularmente dentro das fronteiras do Império Romano. Mas os camponeses, tornados livres, viram o seu trabalho subvalorizado e subutilizado por causa do trabalho-escravo. O escravo não era utilizado em nenhum trabalho que requeria perícia e, assim a evolução tecnológica da sociedade ameaçava estagnar-se. Além disso, os escravos revoltavam-se e não era fácil nem pouco dispendioso pacificar seus levantamentos. Os proprietários das terras, percebendo o ruir da sua situação, decidiram que melhor seria garantir a liberdade legal reclamada pelos escravos e garantir a continuidade da exploração do trabalho desses servos livres pela concentração da propriedade das terras de cultura nas suas próprias mãos. Em consequência disso, um novo esquema de relações sociais – senhor feudal, servo – substitui as velhas relações servo-escravo.
Algumas vezes, em momentos críticos, a instauração do novo modo de produção acompanhava-se de violência. Isso acontecia quando as classes dominantes envolvidas se sentem ameaçadas pelo processo de mudança. Os senhores feudais mantiveram o poder por séculos, durante os quais os interesses econômicos mercantis e manufatureiros se fortaleciam e aspiravam apossar-se do poder político e hegemonia social. Quando existe tal polarização nas relações sociais é elevada a consciência das classes que alcança um alto nível. A classe feudal e a burguesa reconheciam o que estava em jogo. A primeira esforçava-se por conservar um sistema de relações sociais incompatível com a nova tecnologia e organização de trabalho. A classe burguesa desencadeou revoluções na Europa nos séculos XVIII e XIX para destruir as antigas relações de produção. Os conceitos de revolução e consciência de classe devem estar sempre presentes quando se deseja examinar a situação moderna do operário e do camponês em África. Entretanto, em África, em sua maior parte, as classes existentes aparecem incompletamente cristalizadas e as mutações têm sido mais graduais que revolucionárias. De grande relevância para a compreensão do desenvolvimento da África antiga é, provavelmente, a lei do desenvolvimento desigual das forças produtivas.
Se é verdade que, embora todas as formações sociais tenham experimentado o processo do desenvolvimento é igualmente verdade que o grau de desenvolvimento das forças produtivas apresenta desigualmente de continente para continente, ou de região para região do mesmo continente. Em África, há 25 séculos atrás, a sociedade egípcia demonstrou ser capaz de produzir riqueza em abundância, devido a profundidade dos conhecimentos científicos que adquirira e da invenção de tecnologia adequada para irrigação, agricultura e mineração. Na mesma altura, de arcos e maças de madeira dependia a maior parte dos povos da África – e de várias outras partes do mundo, como, por exemplo, as Ilhas Britânicas.
Uma das realidades mais difíceis de explicar é o desenvolvimento desigual das forças produtivas. Parte da resposta deve ser procurada no diferente condicionalismo natural que envolve a formação social considerada e outra parte na superestrutura dessa mesma sociedade. Isso significa que a luta pelos meios de subsistência cria formas de relações sociais, sistemas políticos, padrões de comportamento e crenças que em conjunto formam a superestrutura – que não é nunca exatamente a mesma em duas sociedades. Os elementos superestruturais integram-se entre si e com os da base material. Por exemplo, os padrões políticos e religiosos interligam-se e são muitas vezes indistinguíveis. A crença de que determinada floresta é sagrado, interfere com a base econômica visto que essa floresta não pode ser abatida e o terreno aproveitado para o cultivo. Não obstante, em última análise, a passagem para uma fase mais avançada de o desenvolvimento humano depender sobretudo da capacidade técnica do homem para dominar o ambiente, é preciso ter sempre presente que as peculiaridades superestruturais de qualquer sociedade têm uma considerável importância no processo de desenvolvimento.
Espantam-se os estudiosos pelo fato da China se não ter tornado nunca um país capitalista. A sua fase feudal data virtualmente de mil anos antes do nascimento de Cristo; desenvolveu enormemente sua tecnologia; dispunha de um elevado número de marinheiros e artesãos. Apesar disso, o modo de produção nunca se transformou naquele em que as máquinas são o principal meio de produção e os detentores do capital são a classe dominante. (A explicação é muito complexa, mas, em termos gerais, as principais diferenças entre a China feudal e a Europa feudal residem na superestrutura, isto é, no corpo de princípios, crenças e instituições sociopolíticas que são determinadas pela base material, mas em contrapartida agem sobre ela). Na China, valores religiosos, educacionais e burocráticos eram da maior importância e o poder era controlado por uma capa de oficiais, mais do que o exercido por cada senhor feudal nos seus domínios. Além disso, a distribuição das terras era muito mais equitativa que na Europa e ao Estado pertencia a maior parte da terra. Em consequência disso, os senhores feudais dispunham de maior poder como burocratas do que como latifundiários e serviam-se disso para manter as relações sociais nos mesmos moldes. É evidente que lhes seria impossível impedir indefinidamente o processo histórico, mas a verdade é que o conseguiram retardar. Na Europa o peso da capa de burocratas não podia ocultar as contradições.
A atitude dos primeiros capitalistas que apareceram na sociedade europeia atuou como um catalizador do desenvolvimento. Nunca, em nenhum momento histórico, se viu um grupo social lutar tão conscientemente para a prossecução do lucro como fim último.
Tendo em vista tal objetivo, os capitalistas interessaram-se extraordinariamente pelo conhecimento das leis científicas que podia ser aplicado em maquinaria de modo que o trabalho produzisse maiores lucros em seu proveito. No plano político o capitalismo é também responsável por muitas das fórmulas hoje conhecidas como “Democracia Ocidental”. Ao abolir o feudalismo, os capitalistas passaram a defender o parlamentarismo, a constituição, a liberdade da Imprensa etc. Também não pode ser considerado desenvolvimento. Contudo, para que isso se realizasse, os camponeses e operários da Europa (e eventualmente os habitantes do mundo inteiro) tiveram que pagar um preço exorbitante visto que o trabalho humano é condição prévia de todas as máquinas. Isso põe em relevo outras facetas do desenvolvimento, principalmente se analisando pelo prisma dos que suportaram e ainda suportam o processo do sistema. Ora, tal grupo constitui a maioria da humanidade. Para progredir precisa derrubar o capitalismo. É por isso que, neste momento, o capitalismo impede o caminho ao progresso humano. Por outras palavras, as relações sociais do capitalismo estão agora ultrapassadas, assim como as escravagistas e as feudais se tornaram ultrapassadas no seu tempo.
Houve um período durante o qual o sistema capitalista conseguiu melhorar o bem-estar de muitos, como subproduto da corrida ao lucro de alguns povos. Mas hoje, essa cota do lucro entra em conflito aberto com as exigências do povo que clama pela satisfação das necessidades materiais e sociais. A classe burguesa já não é mais capaz de controlar o desenvolvimento indisciplinado da ciência e da tecnologia – uma vez mais porque tais objetivos estão agora em contradição com a racionalidade do lucro. O capitalismo provou-se incapaz de resolver contradições banais, tais como a subutilização da capacidade produtiva, a persistência de uma classe de desempregados, crises econômicas ligadas ao conceito de mercado – o que depende das possibilidades de o povo pagar o que pensa. O capitalismo criou também suas nacionalidades específicas, o racismo branco, ou seja, a que dispuser de menor capacidade econômica, é afetada nefastamente – e aumenta-se o fosso entre as duas sociedades em presença com as mais danosas consequências. Por exemplo, quando os capitalistas europeus entraram em contacto com os povos caçadores da América e das Caraíbas, os últimos foram virtualmente exterminados. Em segundo lugar, se a sociedade mais fraca sobreviver, ela só poderá reassumir o seu próprio desenvolvimento independente e se colocar em um plano mais avançado que o da economia que anteriormente a dominava. Encontram-se exemplos históricos concretos dessa segunda regra nas experiências da União Soviética, China e Coreia.
A China e a Coreia estavam ambas em um estágio mais ou menos feudal quando foram colonizadas pelas potências capitalistas da Europa e do Japão. A Rússia nunca foi realmente colonizada, mas ainda, na era feudal e antes das suas instituições capitalistas ganharem forma e força, a economia russa foi subjugada pelo capitalismo, na época, mais avançado da Europa Ocidental. Nesses três casos a revolução socialista aboliu a dominação capitalista e unicamente o ritmo acelerado do desenvolvimento socialista podia preencher as brechas deixadas pelo período em que suas economias foram distorcidas e retardadas. Na verdade, a revolução socialista catapultou os dois maiores Estados socialistas a um estágio de desenvolvimento mais avançado do que o da Inglaterra e França, países que há séculos têm seguido a via capitalista.
Na década de 50 (no ponto em que termina este estudo), Rússia, China e Coreia e algumas nações da Europa Oriental, eram os únicos países que tinham cortado definitivamente laços com o capitalismo e o imperialismo. O imperialismo é uma fase do desenvolvimento capitalista no qual as potências capitalistas da Europa Ocidental, os Estados Unidos e o Japão estabelecem uma hegemonia política, econômica, militar e cultural sobre outras partes do mundo que, menos desenvolvidas, não conseguem impedir a dominação. O imperialismo é, de fato, a extensão do sistema capitalista de modo a abarcar o mundo inteiro – uma parte explorada, outra exploradora, uma parte dominada, outra dominadora, uma dirigindo, ordenando, outra obedecendo às ordens.
O socialismo avançou pelos flancos mais fracos do imperialismo - o setor dominado, explorado e reduzido à dependência. Na Ásia e na Europa Oriental o socialismo libertou as energias nacionalistas dos povos colonizados; substituiu a economia de mercado por uma produção que tem em vista a satisfação das necessidades humanas, erradicou estrangulamentos tais como o desemprego permanente e as crises periódicas; e realizou algumas das tarefas básicas da democracia burguesa conseguindo igualdade de condições econômicas, o que é fundamental para que a igualdade política e econômica seja um fato.
O socialismo restaurou a igualdade econômica da comuna primitiva, mas o comunismo não foi prosseguido devido à baixa produtividade econômica. O socialismo pretende e tem consideravelmente alcançado uma produção abundante de modo a ser possível concretizar a igualdade na distribuição com a satisfação das necessidades de todos membros da sociedade.
Um dos principais fatores que possibilitaram a expansão acelerada e racional da produção socialista foi o “desenvolvimento planificado”. O processo histórico atrás referido é o relato de um desenvolvimento involuntário e planificado. (Ninguém planejava que, a um determinado momento histórico, os seres humanos parassem de se servir de instrumentos de pedra e passassem a fabricá-los de ferro e figuras mais recentes.) Quando um empresário capitalista individual planeja a sua própria expansão, não obedece a nenhum plano global de crescimento econômico e social. O Estado Capitalista intervém apenas esporádica e parcialmente para supervisar o desenvolvimento capitalista. O Estado Socialista tem por função principal o controle da expansão econômica em proveito das classes operárias. Os operários e camponeses tornaram-se hoje a força mais dinâmica da história do mundo e do desenvolvimento humano.
Para concluir esta breve introdução a um problema tão complexo como o desenvolvimento social é necessário sublinhar quão inadequadas são as análises do fenômeno apresentadas pelos teóricos burgueses. A maioria concentra-se tacanhamente na análise do desenvolvimento econômico em vez de tentar abarcar o fenômeno na sua riqueza global. Raras vezes o tenta abarcar na sua globalidade, mas, em vez disso, na análise do desenvolvimento econômico. Na definição do economista burguês, o desenvolvimento aparece como simples problema de combinação de fatores de produção: nomeadamente teria população, capital, tecnologia, especialização e organização de empresa. Esses fatores são realente relevantes e nessa medida são citados na análise apresentada; mas os intelectuais burgueses orientam fatores realmente determinantes. Sonegam a exploração da maioria, a qual tem sido uma constante de todas as fases anterior ao socialismo. Não se referem às relações sociais de produção ou à luta de classes. Não fazem referência à sucessão das fases históricas resultantes das diferentes combinações de fatores e meios de produção. Não mencionam o imperialismo, fase lógica do Capitalismo.
Em contrapartida, qualquer análise que se quiser basear nos princípios socialistas e revolucionários deve adotar como conceitos básicos os de classe, do imperialismo, do socialismo e sublinhar o papel histórico dos povos oprimidos e dos operários. Cada conceito novo tem os seus próprios espinhos e não deve pensar que o mero recurso a uma certa terminologia bastaria para resolver problemas. Contudo, é absolutamente necessário dominar as dimensões histórica, sociais e humanas do desenvolvimento (antes de) para que seja possível analisar o subdesenvolvimento e delinear estratégias para o ultrapassar.
O que é o subdesenvolvimento?
Depois de analisarmos o “desenvolvimento” torna-se mais fácil perceber o conceito de subdesenvolvimento. É evidente que subdesenvolvimento não quer significar ausência de desenvolvimento, porque todos os povos se desenvolveram de uma maneira ou de outra, em maior ou menor medida. Subdesenvolvimento só tem sentido se encarado como um modo de comparar diversos níveis de desenvolvimento. Está particularmente ligado ao fato de a evolução das forças produtivas ter sido historicamente desigual e, de um ponto de vista estritamente econômico, alguns grupos humanos terem avançado mais depressa que outros, a ponto de produzirem mais e serem mais ricos.
Quando determinada formação social começa a se sobressair como a mais rica de entre outras surge a necessidade de inquirir, pesquisar, estudar as razões dessa proeminência. Quando no século XVIII a Inglaterra começa a evidenciar-se do resto da Europa, Adam Smith, conhecido economista, estudou as causas do fenômeno em A Riqueza das Nações. Na mesma altura, muitos escritores russos preocupavam-se pelo fato de seu país se mostrar atrasado em comparação com a Inglaterra, França e Alemanha dos séculos XVIII e XIX. Hoje a maior preocupação é a grande disparidade na riqueza da Europa Ocidental e América do Norte, por um lado, África, Ásia e América Latina por outro. Comparando-o com o primeiro, o segundo bloco apresenta-se como atrasado ou subdesenvolvido. Uma das ideias básicas do conceito de subdesenvolvimento é a comparação de padrões. É possível comparar condições, as economias de dois países em períodos diferentes e determinar se evoluiu ou não. Também é possível comparar a economia de dois países ou grupos de países em qualquer dado período.
A segunda ideia básica do moderno conceito de subdesenvolvimento é que o conceito exprime uma relação particular de exploração, nomeadamente a exploração de um país por outro. Todo os países do mundo ditos subdesenvolvidos são explorados por outros; e o subdesenvolvimento que hoje escandaliza o mundo é produto exploração capitalista, imperialista e colonialista. As sociedades africanas e asiáticas seguiam o seu próprio desenvolvimento quando foram direta e indiretamente dominadas por países capitalistas. A partir desse momento a exploração cresceu desenfreadamente e a exportação do sobre trabalho dessas sociedades contrariou benefícios do seu trabalho e das suas riquezas naturais. Esses são elementos integrantes do subdesenvolvimento no sentido moderno da palavra.
Alguns círculos tentaram substituir o adjetivo “subdesenvolvimento” pela expressão “em vias de desenvolvimento”, um dos objetivos dessa troca seria dissimular os corolários desagradáveis do primeiro termo, ao qual podem ser atribuídos sentidos vários, como subdesenvolvimento mental, físico, moral, etc. Nos nossos dias, se subdesenvolvimento significasse mais do que mera comparação de economia, o país mais subdesenvolvido seria os EUA, pois não só externamente pratica a opressão em uma escala monstruosa como no plano interno apresenta uma fusão de exploração, brutalidade e desordem psíquica. Contudo, se nos mantivermos em um plano estritamente econômico, será melhor conservar a expressão “subdesenvolvimento”, pois “em desenvolvimento” criaria a impressão de que os países da África, da Ásia e da América Latina estão a atravessar um período de relativo atraso econômico em relação às nações industrializadas, emancipando-se assim das relações de exploração. É manifesto que isso não é verdade e que muitos dos países da África e de outras regiões do mundo vêm cada vez mais aumentando o seu subdesenvolvimento porque a exploração levada a cabo pelas metrópoles se tem intensificado progressivamente e adotado novas formas.
Para comparações econômicas podem utilizar-se quadros estatísticos, índices dos bens e serviços produzidos e consumidos nas sociedades em confronto. Os economistas profissionais falam de Produto Nacional Bruto e Rendimento per capita. Tais expressões, divulgadas por jornais, passaram a fazer parte da linguagem laica sem que fosse apresentada uma explicação unívoca. Será suficiente tomarmos nota que, enquanto o Produto Nacional Bruto é a medida da riqueza total da sociedade, o rendimento per capita obtêm-se dividindo o Rendimento Nacional pelo número de habitantes para dar ideia do rendimento médio de cada habitante. Tal média pode ser mistificada especialmente quando existem grandes desigualdades na distribuição dos rendimentos. Um jovem ugandês sintetizou esta verdade de uma maneira extremamente pessoal ao dizer que o rendimento per capita do seu país dissimulava a extraordinária diferença entre o salário de fome do seu pobre pai, camponês, e os lucros de Madhiani, maior proprietário da região. Ao considerarmos o subdesenvolvimento, torna-se fundamental sublinhar que o processo de desenvolvimento exige o nivelamento das grandes desigualdades na distribuição das terras, das propriedades e dos rendimentos, desigualdades que são camufladas pelos índices de Rendimento Nacional. Houve um tempo em que avançar era entrincheirar grupos privilegiados. Em nossos dias, desenvolvimento tem que significar o processo que elimina os grupos privilegiados e correlativos desprivilegiados.
Não há dúvida de que o rendimento per capita seja um dado útil para comparação de países; e é um fato que os países desenvolvidos têm índices de rendimento per capita várias vezes mais altos que qualquer dos países recentemente independentes da África. O quadro seguinte fornece-nos uma ideia clara do fosso que separa a África e certas nações quanto a rendimento per capita. É esse fosso que permite que a uns se chame desenvolvidos e a outros subdesenvolvidos. Os dados referentes, apresentados ao ano de 1968, são retirados de estatísticas publicadas pela ONU.
Esse hiato não é só enorme, como se pode ver, como também se mostra em constante crescimento. É do conhecimento geral que os países industrializados crescem rapidamente, enquanto os outros, na sua maioria, revelam estagnação ou rasteiros índices de crescimento. O índice de crescimento de cada país pode ser calculado e representado em gráficos. É mais elevado nos países socialistas, mais baixo nas colônias e ex-colônias e nos grandes países capitalistas. A proporção de comércio internacional desenvolvido pelos países subdesenvolvidos tem decrescido progressivamente. Atingia os 30% em 1938, mas em 1960 descera abaixo dos 30%. Esse é um indicador importante, pois o comércio reflete não somente a quantidade de bens produzidos no país, mas também a maneira como se obtêm os bens que não são produzidos internamente.
As economias desenvolvidas manifestam certas características que as distinguem das subdesenvolvidas. Em primeiro lugar são todas industrializadas, ou seja, a maior parte da sua população ativa trabalha na indústria e a maior parte da sua riqueza provém das fábricas, minas, etc., e não da agricultura. Têm uma enorme intensidade de capital na indústria por causa da sua avançada tecnologia. Não é preciso sublinhar que os países desenvolvidos possuem agricultura muito mais avançada que o resto do mundo. A sua agricultura transformou-se em uma grande indústria e, apesar do seu peso relativamente pequeno na economia, a sua produção é grande. Os países de África, da Ásia e da América Latina são conhecidos por países agrícolas porque apoiam a sua economia em uma base agrária e têm pouca ou nenhuma indústria, mas a sua estrutura agrária é científica e as safras são menores que a dos países desenvolvidos. Depois de 1960 tem-se verificado uma estagnação e baixa da produção agrícola na maioria dos países subdesenvolvidos. Na África o índice de alimentos por pessoa tem diminuído nos anos recentes. Visto que os países desenvolvidos dispõem de uma estrutura econômica, industrial e agrícola mais poderosa que a do resto do mundo, produzem mais bens do que os países pobres. Não só os necessários, mas também os supérfluos. É possível traçar quadros estatísticos que comparem as produções de cereais, leite, eletricidade, papel e de uma vasta gama de outros bens; e mostrar simultaneamente que quantidade de bens é, em média, utilizada por cada cidadão. Mais uma vez os quadros mostrar-se-iam extraordinariamente favoráveis a uns poucos países privilegiados.
A quantidade de aço consumido em um país é um excelente indicador do seu grau de industrialização. Em um dos extremos, os EUA consomem cerca de 685 kg de aço por pessoa, a Suécia 623 e a Alemanha Oriental 437. No polo oposto, a Zâmbia com 10 kg, a África Oriental com 8 kg e a Etiópia com 1 kg. Para o açúcar, a Austrália com 57 kg, os EUA e a URSS com 40 e 50 kg e a África com 10 kg por pessoa, por ano, melhor que a Ásia com os seus 7 kg.
Um outro quadro estatístico não menos sombrio fala-nos da satisfação das necessidades alimentares. Cada indivíduo carece de certa quantidade de alimento por dia, quantidade essa que pode ser medida em calorias. O ideal é de 3000 calorias diárias, mas nenhum país africano jamais aproximou dessa cifra. Na Argélia a média é de 1870 calorias diárias, enquanto a Costa do Marfim se apresenta como um privilegiado no continente africano com as suas médias nacionais de 2290 calorias. Além disso, torna-se necessário avaliar as proteínas contidas na alimentação; e muitos países africanos padecem de fome, o que quer dizer que mesmo que se consigam calorias, a quantidade de proteínas é muito reduzida. A população dos países capitalistas e socialistas desenvolvidos consome duas vezes mais proteínas que a dos países subdesenvolvidos. Estas diferenças ajudam a distinção entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Para as prestações sociais garantidas pelo Estado aos seus cidadãos importa, também, a maneira como a sua produção material é utilizada para proporcionar bem-estar e felicidade. É geralmente aceite que ao Estado cabe manter escolas e hospitais, mas quer sejam estabelecidos pelo governo quer por instituições privadas, pode fixar-se um índice que relacione o seu número com o total da população. A quantidade de bens básicos (de primeira necessidade) e de serviços sociais disponíveis em um dado país, pode ser apreciada indiretamente, calculando-se a mortalidade infantil, a média de vida, a desnutrição, a frequência de epidemias que poderiam ser facilmente prevenidas com vacinação e higiene, e a proporção de analfabetos. Em todos esses pontos o confronto entre os P.D. e os P.S.D. evidencia enormes e pavorosas diferenças. Em cada 1000 crianças que nascem vivas nos Camarões, 100 nunca viverão o suficiente para completarem o seu primeiro aniversário; por cada 1000 crianças que nascem na Serra Leoa, 160 morrem nos primeiros meses. Entretanto, na Inglaterra e Holanda, morrem 12 e 18, respectivamente. Além disso, o número das crianças africanas que morrem antes de atingir os 5 anos é muito maior. A falta de médicos é o maior problema. Na Itália há um médico por cada 580 habitantes, na Tchecoslováquia um médico para 510 habitantes. Na Nigéria, um médico terá de socorrer 56.140 pessoas; na Tunísia, um médico para mais de 8.320 tunisinos; no Chade, um médico para 13.460 pessoas.
Para que uma economia industrializada possa funcionar é preciso muitos trabalhadores especializados; ora, os países africanos dispõem de um número assustadoramente pequeno de pessoas especializadas. O índice médio por habitantes confirma-o, o mesmo acontecendo em relação a engenheiros técnicos, técnicos agrícolas e mesmo administradores e juristas em alguns lugares. Para cúmulo, verifica-se nos nossos dias uma emigração de cérebros da África, da Ásia e da América Latina para a América do Norte e Europa Ocidental. Em outras palavras, técnicos, administradores, operários qualificados emigram dos seus países e o pequeno número de pessoas aptas para os programas de desenvolvimento enfraquece-se continuamente por causa da tentação do maior salário e das maiores oportunidades de vida no mundo desenvolvido. O desequilíbrio da moderna economia internacional manifesta-se claramente na necessidade de os países subdesenvolvidos recrutarem técnicos estrangeiros a um preço fantástico.
Temos estado a fazer uma análise meramente quantitativa. Dá-nos a medida dos bens e serviços produzidos nas várias formações econômicas. É necessário, contudo, fazer a análise qualitativa de maneira a aprendermos o modo como uma economia se desenvolve. Para o desenvolvimento econômico não basta produzir-se uma maior quantidade de bens e serviços. O país deve produzir aqueles bens e serviços que induzam a um crescimento espontâneo da economia. É necessário, por exemplo, que o setor que produz alimentos seja florescente para que os operários sejam saudáveis e a agricultura, como um todo, urge ser eficiente para que os excedentes agrícolas estimulem a indústria. A indústria pesada, assim como a produção de massa e da eletricidade devem existir para que o equipamento necessário às outras indústrias e à agricultura seja possível. Inexistência de indústria pesada, inadequada produção alimentar, agricultura obsoleta são as características das economias dos povos subdesenvolvidos.
Típico das economias subdesenvolvidas é o fato de não terem sido capazes (ou melhor, terem sido impedidos) de explorar os setores produtivos capazes de induzir a um crescimento e uma produção equilibradas, verificando-se ainda a existência de estrangulamentos que impedem as ligações entre vários setores da economia, impedindo assim que a produção de um beneficie os outros.
Além disso, o excedente econômico é, em sua maior parte, exportado ou desperdiçado em consumos inúteis em vez de investido em atividades produtivas. A maior parte do rendimento que permanece no país é utilizado em pagamento de indivíduos que não produzem diretamente riqueza nos seus serviços – os funcionários, os comerciantes, os soldados, etc. O que ainda mais agrava a situação é o fato de existir um número muito maior de pessoas nesses serviços do que é realmente necessário. Para finalizar, esses indivíduos nunca investem o seu dinheiro na agricultura ou indústria. Desperdiçam a riqueza produzida por operários e camponeses na compra de carros, bebidas e cosméticos.
Observou-se ironicamente que a principal indústria de muitos países subdesenvolvidos é a administração. Há pouco tempo, 60% do rendimento nacional do Daomé pagava os salários dos funcionários e políticos. O salário dos deputados é muito mais alto do que o dos membros do Parlamento inglês e é também relativamente grande o número de parlamentares nos países subdesenvolvidos da África. No Gabão há um deputado por cada 6.000 habitantes, enquanto na França um deputado representa 100.000 franceses. Para além de todos estes números é essencial sublinhar a desigual distribuição de rendimentos nas formações econômicas subdesenvolvidas.
Os membros das classes privilegiadas da África defendem-se dizendo que pagam os impostos que custeiam as despesas da Administração. À primeira vista este argumento parece razoável, mas uma análise mais apurada revelará que é dos mais absurdos e mostra total desconhecimento de como funciona a economia. Os impostos não produzem nem riqueza, nem desenvolvimento. A riqueza deve ser extraída da natureza – trabalhando a terra, minerando, cortando árvores, transformando matérias-primas em produtos acabados para o consumo. Estas atividades são desenvolvidas por operários e camponeses que constituem a vasta maioria da população.
Não existiam impostos nem taxas se a população laboral não trabalhasse.
O rendimento distribuído pelos funcionários, técnicos, comerciantes é retirado da produção global da comunidade. Independente das injustiças na distribuição dos rendimentos há que desmitificar o argumento de que os pagadores de imposto desenvolvem o país. A estratégia do desenvolvimento deve ter por base os produtores e a partir dessa base programar a utilização racional do seu trabalho para que possa proporcionar maior independência e bem-estar da nação.
Se tivermos em conta que a riqueza é sempre criada pelo trabalho humano sobre a natureza, verificaremos rapidamente que poucos são os países subdesenvolvidos que não podem contar com suficientes riquezas naturais que lhes garantam um mais alto nível de vida. E mesmo nesses poucos casos é possível a união de dois ou três territórios em proveito comum. De fato, prova-se facilmente que os países subdesenvolvidos são os que, apesar de disporem de maiores riquezas em recursos naturais, revelam-se os mais pobres em termos de bens e serviços presentemente à disposição dos cidadãos.
Em 1965 o Survey of Economic Conditions in Africa, da ONU, dizia: “A África é bem-dotada em recursos minerais e energéticos. Com mais ou menos 9% da população mundial, a África detém cerca de 28% da produção mineral e 6% da extração de petróleo bruto. A sua cota na produção petrolífera mundial tem vindo a aumentar nos últimos anos. Dos 16 mais importantes minérios metálicos e não metálicos do mundo a sua produção varia de 22 a 95% da produção mundial”.
Novas prospecções de minerais levadas a cabo nesses últimos anos mostram que as reservas africanas são mais vastas. Quanto à agricultura, contudo, o solo africano não é tão rico como a grande extensão de florestas poderia fazer supor. Mas por causa das suas vantagens climáticas, seriam possíveis culturas durante todo o ano na maior parte do continente, com um adequado sistema de irrigação.
O que acontece é que em nenhuma parte do continente africano se leva a cabo uma exploração racional dos seus recursos naturais e, por outro lado, a produção africana não serva a África tampouco aos africanos. A Zâmbia e o Congo produzem grande parte de cobre, mas os beneficiários são a Europa, os EUA e o Japão. Mesmo os bens e serviços produzidos em África e que não são exportados, quantas vezes aproveitam a não africanos! É assim que a África do Sul aparece como o mais alto rendimento ‘per capita’ de todo o continente. Mas para dar uma ideia da sua real distribuição bastaria notar que enquanto a mortalidade infantil entre a população branca é de 24%, o regime do ‘apartheid’ permite que morram em média 128 de cada mil crianças africanas que nasçam. Para compreender a situação de subdesenvolvimento da África é necessário saber por que a África tem aproveitado tão pouco as suas potencialidades e, simultaneamente, porque a maior parte da riqueza africana dos dias de hoje é aproveitada por não africanos, estrangeiros na sua maioria ao continente. O desenvolvimento é, em certa medida, um paradoxo. Grande parte do Globo, que é naturalmente rica, é atualmente pobre e certas partes do mundo, cujas potencialidades naturais não são muito grandes, desfrutam hoje de elevados padrões de vida. Quando os capitalistas do mundo desenvolvido tentam analisar este paradoxo escamoteiam geralmente a verdadeira explicação, considerando-o um dado providencial. Um economista burguês reconhece em um estudo sobre o desenvolvimento que as estatísticas provam que o fosso entre o mundo desenvolvido e o subdesenvolvido tem aumentado extraordinariamente. Nas suas próprias palavras tal diferença aumentou 15 ou 20 vezes pelo menos nos últimos 150 anos. Não tenta fornecer, contudo, uma explicação histórica nem considera que a relação de exploração desenvolvida pelo mundo capitalista que se alimenta parasitariamente, empobreça os países dependentes. Em vez disso oferece uma explicação bíblica, que diz: “está escrito na Bíblia: Porque a qualquer que tiver será dado, e terá em abundância, mas ao que não tiver até o que tem ser-lhe-á tirado. Mateus 22:29”.
A história “do que não tiver” é a história dos modernos países desenvolvidos. O único comentário que é lícito ser feito em casos como estes é: Amém.
A teoria que considera o subdesenvolvimento como resultado da vontade divina é professada pela corrente racista de estudiosos europeus. Deriva dos preconceitos racistas que declaram aberta ou implicitamente que os países desenvolvidos são desenvolvidos por causa da superioridade inata do seu povo e que o atraso econômico da África se deve à inferioridade genética dos povos negros. O pior é que os povos da África e de outras regiões do mundo colonizado, desmoralizados e psiquicamente cilindrados, aceitaram em parte a explicação que a Europa oferecia. Quer isso dizer que o próprio africano passou a duvidar da sua capacidade de transformar e desenvolver o meio ambiente. Com tais dúvidas, muitas vezes troçam dos outros irmãos africanos que afirmam que a África pode e há de ser desenvolvida pelos esforços do seu próprio povo. Se nós conseguirmos buscar as raízes do subdesenvolvimento, ser-nos-á possível desmistificar as teses racistas e similares e, ao mesmo tempo, achar a possibilidade de desenvolvimento.
Quando os intelectuais ocidentais não alinham com as teses racistas, confundem, contudo, a questão, apresentando como causas do subdesenvolvimento fatos que, na realidade, são suas consequências. Afirmam, por exemplo, que o subdesenvolvimento da África se deve à falta de pessoal técnico especializado. É evidente que, por carência de engenheiros, a África não pode construir pelos seus próprios meios, estradas, pontes e centrais eléctricas. Mas isso não é a causa do seu subdesenvolvimento, exceto no sentido de que as causas e os efeitos se confundem e integram. O ponto fundamental da questão é que as raízes do subdesenvolvimento de um dado país africano, não podem ser pesquisadas senão dentro desse mesmo país. Tudo o que se poderá encontrar serão sintomas do subdesenvolvimento e fatores secundários que produzem a pobreza.
As interpretações erradas das causas do subdesenvolvimento são provocadas pelo preconceito de pensar e pelo erro de crer que se poderão descobrir as razões do subdesenvolvimento dentro da economia subdesenvolvida. Só se conseguirá uma explicação verdadeira se se analisarem as relações entre África e certos países desenvolvidos e se reconhecerem nelas relações de exploração.
O homem sempre explorou seu meio ambiente na busca de meios de subsistência. A partir de certo momento também surgiu a exploração do homem pelo homem de modo que uns poucos se locupletassem com o trabalho dos outros. Em outro estágio, os habitantes de uma formação social chamada nação exploram as riquezas naturais e o trabalho do povo de outra nação. Um dos processos comuns de exploração e que tem muito peso nas relações africanas é a comercial. Quando os termos de troca são vantajosamente estabelecidos por um determinado país, então as relações comerciais são necessariamente desvantajosas para a outra parte. Podemos tomar como exemplo a exploração dos produtos agrícolas da África e a importação dos bens manufaturados da Europa, EUA e Japão. As grandes nações estabelecem o preço dos produtos agrícolas e submetem-nos a constantes reduções. Por outro lado, os preços dos produtos manufaturados são também estabelecidos por essas nações, as quais, aliás, garantem seu transporte comercial. Os produtos minerais, no tocante aos preços, tem a mesma sorte que os produtos agrícolas. As relações comerciais que a África desenvolve com os países ocidentais são de troca desigual e de exploração.
Ainda mais importante do que os termos da troca é a apropriação dos meios de produção de um país por cidadãos de outro. Quando os cidadãos europeus se apropriam das terras e das minas de África, estão sugando de um modo direto o continente africano. Sob o colonialismo, a apropriação era total e garantida pelo domínio militar. Hoje, em muitos países de África, a apropriação por estrangeiros ainda se mantêm, apesar de exércitos e bandeiras terem sido retirados. Enquanto a terra, as minas, as fábricas, os bancos, as companhias de seguros, os meios de transporte, as usinas etc., pertencerem a estrangeiros, as riquezas de África serão completamente canalizadas para o exterior. Em outras palavras: na ausência de controle político direto, investimentos estrangeiros promoverão a exploração de riquezas naturais e do trabalho africano na produção de valor econômico que não aproveitará ao continente.
Os investimentos estrangeiros apresentam-se muitas vezes sob a forma de empréstimos públicos. É evidente que esses empréstimos terão de ser amortizados; ora, em 1960, as amortizações de dívida pública dos países africanos saltaram da média de 400 milhões de dólares por ano para cerca de 700 milhões, e tem vindo a aumentar progressivamente. A isso há que somar os dividendos e lucros a que esses investimentos têm direito. Essas duas fontes ultrapassaram em 1965 a cifra dos 500 milhões. Os dados apresentados sobre tais fatos são na maior parte das vezes incompletos pela razão óbvia de que aqueles a quem aproveita o lucro terem todo o interesse em os manter em segredo, de maneira que essas quantias acima indicadas estão muito aquém das reais. Servem para dar uma ideia da extensão da drenagem das riquezas africanas por aqueles que investem em África e a quem pertence grande parte dos principais meios de produção. Há uns tempos esta parte dos investimentos têm adotado formas muito mais sutis e perigosas. Abarcam uma vasta gama de matizes, desde a chamada “ajuda” até à administração de companhias por técnicos capitalistas estrangeiros.
Os principais parceiros comerciais de África têm sido a Europa Ocidental, os Estados Unidos e o Japão. Têm tentado diversificar seu comércio através de acordos comerciais com países socialistas, mas se os termos de troca com esses países se revelarem desvantajosos, então terão que ser inscritos na lista dos exploradores do continente. Contudo, é necessário sublinhar que os países socialistas, diferentemente dos capitalistas, nunca pertenceram nem realizam seus investimentos de modo que as riquezas africanas sejam sugadas por eles. Nunca os países socialistas estiveram envolvidos na pilhagem de África.
A maior parte das pessoas que estudam o subdesenvolvimento e cujas obras são lidas em África, Ásia e América Latina são porta-vozes do mundo capitalista e burguês. Tentam justificar a exploração capitalista quer dentro quer fora dos seus países. Uma das maneiras de confundir as questões é colocar os países subdesenvolvidos em um círculo à parte dos dois grandes sistemas sociais, a fim de que os conceitos de capitalismo e socialismo nunca entrem em discussão. Em vez disso, opõem-se os países industrializados aos não industrializados. É evidente que a URSS e os EUA são ambos países industrializados e que quando damos uma olhada nas estatísticas verificamos maiores afinidades entre a França, a Noruega, a Tchecoslováquia e a Romênia que entre eles e qualquer país africano. Mas é absolutamente necessário determinar quando um elevado padrão de vida de um país industrializado é fruto do seu próprio trabalho ou provém da exploração de outros povos. Os EUA, dispondo de uma pequena proporção dos recursos mundiais naturais e da população mundial, auferem os lucros da exploração do trabalho dos povos e das riquezas de todo o mundo.
Os estudos alienantes sobre o desenvolvimento e a polarização simplista de países pobres e ricos são denunciados por intelectuais socialistas, cidadãos ou não dos países socialistas. Esses estudos têm sido também denunciados por economistas dos países subdesenvolvidos cada vez mais conscientes de que as explicações proporcionadas pelos intelectuais burgueses têm por propósito único salvaguardar os interesses desses países que exploram o resto do mundo através do comércio e dos investimentos. Para Pierre Jaleé, escritor socialista francês, um estudo sério sobre o desenvolvimento só poderá ser levado a cabo se tiver por conceitos-base os de imperialismo e socialismo. O campo socialista inclui todos os países, grandes e pequenos que decidiram abolir o capitalismo. O campo imperialista inclui não só as grandes potências capitalistas, tais como Estados Unidos, França, Alemanha Ocidental e Japão, mas também as nações pequenas nas quais estas grandes potências investem os seus capitais. É evidente que o campo imperialista deve ser dividido em países explorados e exploradores. A maior parte dos países africanos pertence indubitavelmente ao grupo dos países explorados do campo capitalista e imperialista. Mais ou menos um terço das nações mundiais abraçaram o socialismo; os outros dois terços constituem o sistema capitalista, sendo a maioria a parte explorada.
É interessante verificar que, apesar do seu empenho em confundir, os escritores burgueses tocam muitas vezes a verdade. Por exemplo, a ONU, que é uma instituição dominada pelos países capitalistas, refere-se em suas revistas de economia aos países de economia “planificada”, por um lado, querendo com isso significar “países socialistas”, e aos “países de economia de mercado”, por outro lado, os quais constituem de fato o setor imperialista do mundo.
Subdivide esses últimos em “economias de mercado desenvolvidas” e “economias de mercado em desenvolvimento”, dissimulando o fato de que ser de “mercado” significa ser “capitalista”. O objetivo deste estudo é analisar as relações que se estabelecem entre esses países que pertencem ao setor capitalista.
A escravidão, o domínio colonial, os investimentos capitalistas foram fatores que determinaram a inclusão da África no mundo capitalista. A escravidão durou vários séculos; a dominação colonial data do século XIX e ainda não desapareceu; os investimentos têm vindo a adquirir cada vez mais peso nas economias africanas do presente século. Depois da inserção da África no grande sistema capitalista, dois fatores desempenharam relevante papel no seu subdesenvolvimento. Em primeiro lugar, toda a produção do trabalho africano e as suas próprias riquezas materiais eram arrebatadas pelos países capitalistas europeus; em segundo lugar impunham-se restrições à plena utilização das potencialidades africanas. A esses dois fatores se resume afinal o desenvolvimento. Esses fatos respondem as questões acima levantadas: porque é que a África tem utilizado tão pouco o seu potencial e porque é que hoje a maior parte das riquezas da África é exportada para países estrangeiros.
A economia dos países africanos é parte integrante da estrutura capitalista mundial; e essa integração resulta desfavorável à África ao garantir a sua completa dependência face aos grandes países capitalistas. Por outras palavras, a dependência estrutural é uma das características fulcrais do subdesenvolvimento. Os escritores mais progressistas dividem o mundo capitalista em dois hemisférios. Por um lado, o setor centro, dominante, por outro, os países satélites, assim denominados, porque orbitam à volta das economias metropolitanas. Essa ideia pode ser expressa de um modo muito simples se dissermos que os países dependentes das grandes potências capitalistas. Quando o filhote de animal de qualquer espécie deixa de ser dependente da mãe, quanto aos alimentos e proteção, pode dizer-se que desenvolveu e que caminha para a maturidade. As nações dependentes nunca poderão ser consideradas desenvolvidas. É indiscutível que as condições históricas atuais obrigam todos os países a ser mutualmente interdependentes na satisfação das necessidades dos seus cidadãos, mas interdependência não é incompatível com independência econômica, pois a independência econômica não significa isolamento. Contudo, exige necessariamente soberania no plano interno e externo e acima de tudo crescimento suficiente para garantir autoconfiança e autossuficiência. Esses requisitos estão em absoluta contradição com a dependência de em numerosos países face à Europa Ocidental, aos Estados Unidos e ao Japão.
É também verdade que as metrópoles dependem da riqueza dos países explorados. Eis a fonte da sua força e fraqueza potencial do sistema capitalista imperialista, pois operários e camponeses das nações periféricas podem chegar à conclusão de que é possível cortar os tentáculos que o imperialismo estendeu sobre seus países. Porém, há uma diferença substancial entre a dependência das metrópoles e a submissão das colônias sob o jugo capitalista. Os países capitalistas são tecnologicamente mais avançados e no interior do sistema imperialista são eles que escolhem o rumo da mudança. Um exemplo flagrante é o fato de os produtos sintéticos fabricados nesses países terem começado a substituir as matérias-primas produzidas nas colônias. Por outras palavras, pertence aos próprios países capitalistas determinar (dentro de certos limites) até quando durará a sua dependência das colônias em uma determinada esfera. Quando isso acontece é a colônia em uma determinada esfera. Quando isso acontece é a colônia ou neocolônia que mendiga a ajuda e um novo lugar no sistema. É por essa razão que as nações ex-colônias não podem nem contar com o desenvolvimento sem quebrarem efetivamente o ciclo vicioso de dependência e exploração que caracteriza o Imperialismo.
Existem muitos fatores no plano social e cultural que ajudam a garantir a integração dos países subdesenvolvidos no sistema imperialista e a estreutar laços que os prendem às metrópoles. A Igreja Cristã tem sido o principal instrumento de penetração e dominação cultural apesar de em alguns casos os africanos terem conseguido criar igrejas independentes. Tem sido igualmente importante o papel desempenhado pela educação ao modelar o africano “para servir o sistema capitalista e subscrever seus valores”. Recentemente os imperialistas têm usado novas universidades africanas para se infiltrarem nos mais altos planos acadêmicos.
Algo tão fundamental como a linguagem tem também servido como um dos meios da integração e dependência. O francês e o inglês, que são largamente difundidos em África, servem mais como veículos de comunicação com os exploradores que dos africanos entre si. É dificílimo encontrar atualmente uma esfera que não reflita a dependência econômica e a submissão estrutural. À primeira vista nada parece tão perigoso como a música, mas ainda tem sido usado como arma de dominação cultural. Os imperialistas americanos chegaram ao ponto de se servirem da música popular, do ‘jazz’ e da ‘soul-music’ do povo negro oprimido como meios de propaganda americana através das emissões da “Voz da América”.
Durante o período colonial as formas de subordinação política são manifestas em África. Há governadores, funcionários coloniais e políticas. Nos Estados independentes africanos de hoje urgia que as metrópoles capitalistas assegurassem decisões políticas favoráveis por controle remoto. Estabeleceram assim marionetas nos vários países de África que se comprometem descaradamente com o regime odiento do ‘apartheid’ da África do Sul quando seus mestres assim o ordenam. Frantz Fanon, o grande revolucionário africano, combateu intensa e ardentemente a minoria africana que atua como correia de transmissão entre as metrópoles capitalistas e as dependências africanas. Não se deve menosprezar a importância desse grupo. A existência de um grupo de africanos inteiramente vendido faz parte integrante da definição do subdesenvolvimento. Qualquer estudo acerca do subdesenvolvimento deve não só revelar os baixos índices de rendimento “per capita” e a subnutrição, mas também a presença desses cavalheiros que em Abidjam, Accra e Kinshasa dançam quando se toca música em Paris, Londres e New York.
A instabilidade política manifesta-se também como um sintoma crônico do subdesenvolvimento da vida política no quadro do sistema imperialista. Golpes militares que se sucedem uns após os outros, normalmente sem nada significarem para as massas, revelando-se muitas vezes um reacionário passo atrás no processo de libertação nacional. Esse fator tem sido por demais abundante na história da América Latina para que a sua ocorrência no Vietnã ou na África possa surpreender. Se o poder econômico irradia de um centro exterior às fronteiras nacionais africanas, então o poder político e militar também será decidido do exterior a menos que massas camponesas e operárias se mobilizem para oferecer uma alternativa ao simulacro de independência. Todos esses fatores não passam de ramificações do subdesenvolvimento e da exploração imperialista. Em muitos estudos que versam este tema o conceito de imperialismo é inteiramente esquecido e o neocolonialismo é considerado mera retórica – principalmente por aqueles “acadêmicos” que se proclamam neutrais em relação à política. No seguimento deste estudo será apresentada uma grande quantidade de pormenores que porão em evidência a realidade subjacente aos clamorosos “slogans” do capitalismo e imperialismo, neocolonialismo e similares. A posição a adotar pode ser resumida nas seguintes frases:
A questão ‘quem’ e ‘do que’ são responsáveis pelo subdesenvolvimento africano pode ser colocada em dois planos. Em primeiro lugar, sustentar-se-á que a maior responsabilidade pelo subdesenvolvimento africano cabe à drenagem levada a cabo pelo sistema imperialista, que também bloqueou possibilidades de desenvolver racionalmente os recursos do continente. Em segundo lugar há de denunciar os que manipulam o sistema e os que são agentes ou cúmplices inconscientes. Foi a burguesia da Europa Ocidental que estendeu ativamente a exploração dos seus próprios países à África toda.
Em tempos mais próximos esses capitalistas têm sido coadjuvados ou substituídos em certa medida por financistas dos EUA. E durante muito tempo os operários desses países de nada se beneficiaram da exploração e subdesenvolvimento da África. A defesa dessas teses não tem o objetivo de afastar de sobre os ombros dos próprios africanos a responsabilidade última do seu subdesenvolvimento. Não só há africanos que colaboram com o imperialismo como também a todos os africanos compete compreender o sistema e trabalhar no sentido da sua destruição.
Da obra “Como a Europa subdesenvolveu a África” de Walter Rodney