Alguns apontamentos sobre o eurocomunismo
Talvez alguns se perguntem sobre qual seria a relevância de debater o “eurocomunismo” em nossos dias. É certo que as principais organizações que o reivindicavam ou foram completamente liquidadas (Partido Comunista Italiano) ou encontram-se em completo ostracismo político (Partido Comunista Francês e Partido Comunista da Espanha), mas não se pode subestimar a influência que tais organizações, seus quadros e intelectuais, exerceram no conjunto do movimento comunista ocidental. No Brasil, até hoje certas organizações que reivindicam o marxismo igualmente reivindicam o legado nefasto dessa corrente, seja de forma mascarada (PCdoB) ou aberta (PPS). As teorias do “eurocomunismo” também exercem considerável influência em tendências do PT, PSOL e outras organizações que defendem as chamadas “reformas estruturais”. No passado o “eurocomunismo” foi muito bem desmascarado por Enver Hoxha, ainda que suas críticas tivessem notáveis limitações, dado o seu anti-maoismo. Enver Hoxha demonstra de maneira clara e simples o caráter oportunista dos principais dirigentes do “eurocomunismo”: Enrico Berlinguer, Santiago Carillo e Georges Marchais; do Partido Comunista Italiano, Espanhol e Francês respectivamente. Nos limitaremos a analisar os aspectos antimarxistas presentes na “obra” de Berlinguer, antigo Secretário-Geral do PC Italiano. Berlinguer, um dos principais representantes do revisionismo italiano, foi o garnde mentor da tese do “compromisso histórico”. Defendia a aliança com a Democracia Cristã, partido da grande burguesia italiana, como forma de “barrar o fascismo” e “defender a democracia italiana”. O principal episódio que influenciou os revisionistas italianos na elaboração desse chamado “compromisso” foram os episódios contrarrevolucionários no Chile, que derrubaram o líder socialista chileno Salvador Allende e acabaram por instaurar o fascismo no país. Retomando a ideia do revisionista Palmiro Togliatti, Berlinguer defendia a ideia de que as três principais correntes “antifascistas” da Itália, a saber, os socialistas, cristãos e comunistas, deveriam permanecer unidos na defesa da “democracia progressiva” como forma de varrer o fascismo e destruir as bases ideológico-políticas que o dão sustentação. A pretensa defesa da “democracia progressiva”, proposta pelos revisionistas italianos, nada mais era do que a defesa da democracia burguesa existente na Itália. Para esses revisionistas a democracia era vista como um “valor universal”, acima das classes. A democracia italiana era uma democracia “de todos” que precisava ser aprimorada como forma de varrer os extremistas de direita e “esquerda”. Avançando nos seus sofismas revisionistas, Berlinguer passa a teorizar sobre uma suposta “introdução de elementos socialistas no capitalismo” e que esta seria a nova fase da “revolução democrática antifascista”. Como todo bom oportunista, Berlinguer defende que o avanço para o socialismo se dará de modo “processual” e respeitando a legalidade burguesa. Apesar de tentar vender essa ideia como uma grande novidade, na verdade ela não passa de uma velharia há muito tempo desmascarada por Marx, Engels e Lenin. Em seus escritos e discursos, Berlinguer tenta posar de um grande inovador e teórico marxista, mas o que ele faz nada mais é do que repetir velhos chavões empoeirados. Como se não bastasse toda sua sabujice às classes dominantes italianas, aos partidos da grande burguesia, Berlinguer acena também para o imperialismo, chegando ao cúmulo de defender que o “socialismo italiano” seria construído sob auspícios da OTAN, como forma de impedir uma eventual invasão soviética. Afirma o revisionista: “Em suma, o Pacto Atlântico pode ser também um escudo útil para construir o socialismo na liberdade...'Também' por isso não quero que a itália saia do Pacto Atlântico, e não só porque nossa saída abalaria o equilíbrio internacional. Sinto-me mais seguro estando deste lado, mas vejo que, também deste lado, existem sérias tentativas de limitar nossa autonomia.” (Entrevista a Giampaolo Pansa, Corriere della Sera, 15 de jun.1976) Slogans como “socialismo em liberdade”, “reformas estruturais”, “aprofundar a democracia” e outros comumente bradados pelo conjunto de partidos da esquerda reformista brasileira formavam parte do léxico político-ideológico do revisionista Partido Comunista Italiano. No Brasil, o principal intelectual que reproduziu as teses revisionistas italianas foi o revisionista Carlos Nelson Coutinho, que chegou a escrever um livro com o pomposo título de A democracia como valor universal.
“A democracia é hoje não apenas o terreno no qual o adversário de classe é obrigado a retroceder, mas é também o valor historicamente universal sobre o qual fundar uma original sociedade socialista”. (Berlinguer)
Sabemos que o avanço da luta de classes, sustentada pelo proletariado, impõe em muitos casos algumas derrotas a burguesia. O proletariado conquista uma série de direitos e melhorias salariais que, sem dúvida, podem exercer um papel positivo. Sob pressão das reivindicações do proletariado, a burguesia pode fazer reformas no Estado, que garantem certas conquistas parciais aos trabalhadores; contudo, esse processo está longe de acontecer de maneira “tranquila” e pacífica. A burguesia mobiliza os seus aparatos ideológicos e repressivos para desmobilizar e reprimir as lutas da classe operária e o faz, geralmente, com decidida truculência. É nesse contexto que os operários são obrigados a lutar e, por mais que seja “avançada” uma determinada democracia burguesa, ela continua sendo no essencial uma ditadura de classe da burguesia. Portanto, ao desconsiderar que a democracia possui um caráter de classe, Berlinguer e os seus discípulos dos mais variados matizes, convertem-se em liberais burgueses. O socialismo só pode ser construído após a conquista do poder político pelo proletariado, independente do que pensem ou não os “eurocomunistas”. Para não falarmos do Partido Popular Socialista (PPS), partido satélite do PSDB, o PCdoB atualmente incorporou certos conceitos caros aos “eurocomunistas”. Como já fora falado, fazem isso de maneira encoberta, para enganarem alguns incautos que se iludem com o “leninismo” do partido. Em uma reunião do Comitê Central do partido, realizada antes da plenária final do 12º Congresso do PCdoB, Renato Rabelo rebateu certas criticas que acusavam o partido de “eurocomunismo”[1]. De maneira genérica, chegou a explicar quais teriam sido os motivos que levaram o PCI a sua liquidação. Segundo Rabelo “O eurocomunismo colocou a questão e a luta institucional em primeiro plano, sendo uma experiência européia que levou à liquidação do partido”. Apesar de aparentemente ser uma explicação coerente dos motivos que levaram o PCI a sua liquidação, na verdade ela escamoteia aquilo que de fato é central, a saber, que o PCI foi uma força que já no pós-guerra aderiu ao revisionismo, negando o caráter de classe do partido, a necessidade da tomada do poder político pela classe operária e a negação da ditadura do proletariado.
O PCI, que se proclamava um “partido de massas” e não um partido de quadros, admitia em suas fileiras qualquer pessoa, independente de sua classe social (burgueses podiam entrar no partido), ideologia, etc. É exatamente o que faz o PCdoB admitindo em suas fileiras qualquer aventureiro e carreirista que queira somar-se em suas fileiras e assim conseguir um lugar rendoso no âmbito das administrações do Estado burguês. Renato Rabelo, para tentar desviar o foco das críticas, chama a atenção para o fato de que o liquidacionismo partidário pode também vir pela “esquerda” e recorreu ao exemplo do Partido do Trabalho da Albânia. Só que aí também o exemplo não vale, já que a liquidação do PTA também se deu pela direita, após a morte de Enver Hoxha, pelas mãos do revisionista Ramiz Alia, que após assumir o comando do partido e do Estado, logo tratou de aplicar o seu modelo específico de “perestroika”. Notas [1] PCdoB: Comitê Central debate caminho para o socialismo: www.vermelho.org.br/noticia/118113-3 Referências BERLINGER, Enrico. Democracia, valor universal. Rio de Janeiro: Editora Contraponto e Fundação Astrojildo Pereira, 2009. HOXHA, Enver. Eurocomunismo é Anticomunismo. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1983.
por Gabriel Martinez