Os militares brasileiros e a tragédia no Haiti
No dia 7 de julho o presidente do Haiti, Jovenel Moïse foi assassinado em sua própria casa, fato que pode agravar ainda mais o cenário de crise no país. As investigações sobre o assassinato prosseguem, até o momento o principal acusado de ser o cabeça do crime é um médico haitiano chamado Christian Emmanuel Sanon que reside nos Estados Unidos há 20 anos. Sanon é acusado de recrutar os haitianos-americanos e colombianos que efetivaram o crime, planejado na República Dominicana. As autoridades do Haiti prenderam Sanon dentro de um complexo chamado International Medical Village, onde foram encontradas caixas de munição e coldres para rifles e pistolas. Suspeita-se que o golpista tinha interesse em assumir a presidência, porem até o momento não foram revelados os bastidores do ocorrido.
Contudo, o presente texto não tem como objetivo tratar do assassinado de Jovenel Moïse mas sim do papel determinante dos militares brasileiros nessa crise perene que abate o Haiti desde o início dos anos 2000. Sobre o início desse processo devemos falar em um primeiro momento do famigerado General Augusto Heleno. Desde o dia da posse de Bolsonaro o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) é chefiado pelo fascista General Heleno. No contexto da segunda metade dos anos 70, Heleno fazia parte da camarilha golpista e conspiratória do General Silvio Frota, esse grupo delirante e fervorosamente anticomunista se posicionava contra o processo de abertura “lenta, gradual e segura” conduzido pelo então presidente Ernesto Geisel.
Avançando na linha do tempo, em 2004 o Haiti sofreu as mazelas da intervenção do exército Brasileiro durante o governo Lula, em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU). Após o golpe no presidente e outrora padre ligado à teologia da libertação Jean-Bertrand Aristide, essas forças aturam juntas no país com o intuído de “pacificar” um território assolado por “guerrilheiros rebeldes”. O general fascista Augusto Heleno lá estava no posto de primeiro comandante militar daquela empreitada macabra. O campo democrático-popular aparelhado pelo petismo “esqueceu” magicamente que a escalada dos militares no cenário político brasileiro se deve às “missões pacificadoras” no Haiti oriundas do período Lula. Aos ditos “progressistas” é sempre bom lembrar que os governos petistas sempre buscaram construir a legitimidade e a imagem de “sucesso” da operação Minustah.
A operação mencionada acima, chamada de Munistah, foi coordenada pelos militares brasileiros, durou oficialmente de 2004 a 2017 e deixou um rastro de morte e destruição no Haiti. Estima-se que o saldo é de 30 mil mortos, devido à disseminação de cólera, vítimas de abusos sexuais e outras formas de violência. Essas atrocidades foram cometidas por parte das tropas estrangerias e brasileiras presentes no local contra a população pobres das favelas, estudantes e apoiadores do presidente deposto Jean-Bertrand Aristide.
Um dos elementos agravantes desse processo de crise foi a epidemia de cólera (doença erradicada no país desde o século XIX) trazida pelas tropas da Minustah, algo que a ONU demorou seis anos para reconhecer e “pedir desculpas” pelo ocorrido. O surto de cólera cresceu assustadoramente após o terremoto que destruiu o país em 2010 que deixou mais de 200 mil mortos. Aqui devemos nos atentar às mentiras disseminadas pela mídia burguesa ocidental que costuma colocar os desastres naturais como a principal causa das recentes desestabilizações no Haiti, obscurecendo o papel protagonista do imperialismo estadunidense, ONU, ONGs, etc., nessas crises sucessivas que o país caribenho vem sofrendo.
Outro episódio marcante que envolveu diretamente o exército brasileiro foi o massacre na favela Cité Soleil em 2005, uma grande região da capital Porto Príncipe habitada por centenas de milhares de pessoas. Nessa operação os militares brasileiros usaram 22 mil cartuchos de munição, e o saldo final foi assassinato de ao menos 27 civis, dentre eles haviam 20 mulheres com menos de 18 anos. As estatísticas mostram que durante a Minustah pelo menos 8 mil pessoas foram mortas na capital Porto Príncipe, sendo que a maior parte desse número, eram de apoiadores do presidente golpeado Jean-Bertrand Aristide. Para não ser diferente, os militares brasileiros estavam envolvidos em meio às 2 mil denúncias de abuso sexual e exploração por parte dos soldados da Minustah, sendo que 300 destas acusações se tratavam de crianças. Além das incalculáveis perdas humanas houveram desastres ambientais como o caso da contaminação do Rio Artibonite (principal curso de água haitiano) com a cólera, esse rio é uma das fontes mais importante de água potável que irriga o centro do país.
Tanto a Policia Militar quando o Exército brasileiro, braços armados da burguesia burocrático-compradora, do latifúndio e em última instancia do imperialismo, são preparados para dizimar a população pobre. Com base nisso, concluímos que as operações nas favelas da capital haitiana serviram como uma espécie de laboratório para eventos como a intervenção militar no Rio de Janeiro em 2018, durante o governo de Michel Temer, pois ali aplicaram as novas estratégias desenvolvidas no Haiti. Antes disso, em 2010 a megaoperação no Complexo do Alemão - onde 60% dos soldados haviam passado pelo Haiti - serviu como marco inicial no sentido da utilização de técnicas de violência e controle populacional nas favelas.
Nota-se que depois dessa operação, seja o exército ou o seu chorume; as policias militares, é visível o legado nefasto dos “aprendizados” no Haiti. Isso se manifesta nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), no uso de material de guerra (caveirões, helicópteros, tanques, fuzis e granadas) e no disciplinamento das tropas, todos estes elementos estiveram presentes nessas intervenções. Com o fim da Minustah, em 2018 o Tribunal Popular do Haiti organizou ações conjuntas em todo país para denunciar a operação imperialista já que a ONU, certamente não pretende trabalhar nesse assunto.
Para além dos acontecimentos recentes como o assassinato de Jovenel Moïse os comunistas e patriotas brasileiros devem rememorar as estruturas da crise brasileira e haitiana e desmascarar o papel do exército reacionário brasileiro nesse processo. Essa instituição fascista e lacaia do imperialismo - que passou a assumir o comando do país desde o primeiro dia após o golpe de 2016 - em toda a sua hierarquia, de cima para baixo, nada tem a contribuir para os interesses populares e nacionais.