"Mali: Instabilidade como forma de governo"
- NOVACULTURA.info
- 7 de jun. de 2021
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Desde o golpe contra o presidente Amadou Touré, em março de 2012, no país do Sahel, cerca de 20 milhões de habitantes vivem em constante estado de oscilação política e militar. Desde então, uma sucessão de presidentes fracos fez com que o país mergulhasse em um estado de constante debacle, no qual um novo capítulo foi escrito em 24 de maio, que seguramente não será o último.
Há nove anos o país mantém um dos mais virulentos khatibas de guerra da Al-Qaeda, que pouco depois, os do Daesh, que dominando o norte, agora controlam quase 70% do país, transbordaram em direção a Burkina Faso e Níger, o que obriga Bamako a realizar enormes esforços militares para contê-los, além de obrigar a França, vários países da OTAN, a Missão de Estabilização Multidimensional Integrada das Nações Unidas (MINUSMA) e o Grupo Sahel Five (GS5) composto por tropas de Burkina Faso, Chade, Mauritânia, Níger, assim como Mali, para se envolverem em um conflito, que está cada vez mais longe de ser resolvido.
O sacrifício das Forças Armadas do Mali (FAMA), que há anos lutam contra os defensores no norte, foi ignorado pelos políticos de Bamako, portanto, em agosto de 2020, o golpe foi realizado contra o presidente Ibrahim Boubacar Keïta conhecido popularmente como IBK, no poder desde 2013. O golpe foi liderado por um grupo de jovens militares, integrados no Comitê Nacional para a Salvação do Povo (CNSP), liderado pelo Coronel Assimi Goïta. Após árduas negociações e pressões dos Estados Unidos e da França, os militares do CNSP concordaram em deixar a presidência para o agora deposto Bah Ndaw e enquanto o Coronel Goïta manteria a vice-presidência.
Após ter chegado a um acordo político para convocar eleições em fevereiro de 2022, o CNSP foi dissolvido em janeiro passado, de modo que o presidente Bah Ndaw começou a podar o poder do coronel Goïta, retirando de seu cargo, por meio de um suposto ministro da reforma, dois outros coronéis influentes do CNSP, Sadio Camara no comando do Ministério da Defesa e Modibo Kone no Ministério da Segurança, que seriam substituídos pelos generais: Souleymane Doucouré e Mamadou Lamine Diallo, que desde o golpe de agosto afastaram-se do poder.
Na segunda-feira, após fortes ondas de rumores, soube-se que tanto o presidente Ndaw e seu primeiro-ministro Moctar Ouane, juntamente com outros altos funcionários do governo, foram presos e transferidos para a base militar de Kati, perto de Bamako, e libertados na madrugada do dia 27, por pressão dos Estados Unidos e da França, que não conseguem colocar os dirigentes do CNSP no cabresto, que apesar de terem sido dissolvidos, os seus dirigentes continuam a ter grande apoio dentro do exército e aparentemente determinados a jogar um novo jogo com o Ocidente.
Embora algumas fontes apontem que o último golpe não teve o apoio total do Exército e mencionem tensões internas, não se pode descartar a possibilidade de confrontos entre diferentes forças de segurança, como aconteceu em março de 2012.
Por sua vez, a sociedade civil, muito ativa nas ruas em apoio ao golpe de agosto, não se mobilizou nesta ocasião, embora várias organizações civis, partidos políticos e diferentes personalidades tenham exigido a libertação dos políticos detidos na base de Kati.
Entre os muitos que ainda não se manifestaram está o muito influente Imam Mahmoud Dicko, que dirige a Coordenação de Movimentos, Associações e Simpatizantes (CMAS), protagonista de inúmeros e massivos acontecimentos em Bamako, desde antes do golpe de agosto e durante estes meses.
Embora, internacionalmente, o novo golpe aparentemente não tenha sido recebido por vários países e instituições internacionais, como a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a União Africana (UA), a MINUSMA, a União Europeia (UE), além da França, Estados Unidos e Alemanha entre outros países ocidentais.
Até agora, a resposta do novo governo do Mali tem sido nomear o coronel Assimi Goïta como presidente provisório, embora já tenha sido anunciado que as prometidas eleições serão realizadas no próximo ano.
Um roteiro conflitante
Mais uma vez, os coronéis estão à frente do país, desta vez com um poder trespassado, há quase dez meses que têm governado, sem ter alcançado avanços significativos, no conflituoso roteiro que se ou se o país deve transitar. A principal organização sindical já anunciou greve para esta semana. Enquanto o principal conglomerado político-social do país, o Mouvement du 5 Juin-Rassemblement des forces patriotiques, o M5-RFP (Movimento 5 de Junho-Concentração de Forças Patrióticas), de grande ativismo nos dias anteriores ao golpe de 2020, enchendo as ruas de Bamako com seus militantes, estimulando protestos antigovernamentais, esforço que não foi reconhecido e o M5-RFP ficou de fora da composição do governo ungido após o golpe de agosto. Diante da nova situação do país, a M5-RFP ainda não se pronunciou, talvez esperando que se materialize o boato de que os militares vão oferecer a um de seus dirigentes o cargo de primeiro-ministro.
Tanto Washington quanto Paris se mostraram contrários ao novo golpe, exigindo que os militares não só libertem o presidente e seus colaboradores, questão que já se concretizou, mas também os reintegrem em seus cargos, ponto impossível de precisar neste momento.
O novo presidente, Coronel Assimi Goïta, terá de concentrar todas as suas atenções na guerra do Norte, que não somente consome milhões de dólares e, que apesar do número cada vez mais importante de vidas, tanto civis como militares, que tem custado a guerra, as FAMA, já anunciaram que estão preparando novas adições às suas fileiras.
O ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, já alertou o novo governo que, se os esforços de mediação não tiverem sucesso, a França imporá sanções a todos aqueles que impedirem o desenrolar do processo de transição, enquanto os Estados Unidos anunciaram a suspensão de sua assistência militar, para “estudar medidas específicas” contra os que se levantaram, pressões que até agora não surtiram efeito sobre os militares rebeldes. As atitudes dos governos Biden e Macron não coincidem com a liberação da nova diretoria do Chade, que assumiu o poder e fechou as câmaras após a morte em combate do Presidente Idriss Déby, em abril passado, lançando uma campanha repressiva contra aqueles que exigem continuidade constitucional.
Para as gangues terroristas que operam no centro do Sahel, orgulhosas de seus avanços, mesmo diante de exércitos tão poderosos como os da França e dos Estados Unidos, esses colapsos políticos são apontados como verdadeiras vitórias militares, que não apenas provocam ondas de jovens, sem oportunidades, que aspiram a se tornar mujahideens, a continuar gerando instabilidade em toda a região, para eles a melhor forma de governo.
Por Guadi Calvo, da Línea Internacional