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REIMPRESSÕES

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As bases da Escola do Trabalho de Moisey M. Pistrak



INTRODUÇÃO

O trabalho a seguir possui como objetivo expor ao leitor as principais contribuições do pedagogo soviético Moisey Mikhailovich Pistrak (1888-1937) acerca do processo de construção de uma nova escola – sem deixar de considerar as particularidades do contexto de edificação de uma formação social socialista – a partir de suas experiências pedagógicas com outros professores na Escola-Comuna Lepechinsky e com a educação russa em geral, expressas em sua obra “Fundamentos da Escola do Trabalho”, publicada em russo na ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) no ano de 1924. No Brasil esta obra é publicada pela primeira vez em português em 1981, traduzida a partir do idioma francês. O autor deste trabalho utiliza uma edição publicada em 2018 pela Editora Expressão Popular e que foi traduzida para o português diretamente do russo.


Antes de darmos início a este trabalho, é fundamental destacar que o próprio autor está ciente de que tal obra não apresenta de maneira sistematizada uma nova teoria pedagógica de tipo socialista para a nova sociedade da qual ele se defrontava; ao contrário, Pistrak, na introdução de seu livro deixa explícito que sua proposta é, primeiramente, identificar e caracterizar os problemas da educação soviética, que, apesar da derrocada do antigo regime absolutista semifeudal, ainda sobreviviam naquele período. Nas palavras do autor, sobre a importância de apontar os problemas e organizá-los a priori: […] “Nós não temos soluções e muito menos procuramos resolver estes problemas, mas justamente coloca-los. Com maior ou menor acerto, a colocação das questões aumenta significativamente as chances de sua solução correta”. (PISTRAK, 2018) [1].


A pretensão de Pistrak é fazer um balanço geral da prática pedagógica da escola de massa, as condições desta naquelas circunstâncias e, a partir de tal experiência, criar meios para as justas soluções de suas contradições.


A ESCOLA DO TRABALHO: ESCOLA PARA A NOVA SOCIEDADE

O que seria então a “Escola do Trabalho”? Por que ela difere das escolas das sociedades burguesas? Por que ela teve de ser desenvolvida? Estas e outras questões referentes à uma nova escola socialista foram devidamente respondidas por Moisey Pistrak ao longo de sua obra, e é isso que veremos a seguir, de maneira mais sucinta.


Pistrak, sendo um marxista e membro do Partido Comunista da URSS, compreende que a escola é parte constitutiva da superestrutura política-ideológica da sociedade, que está em correspondência e age sobre sua base material (a estrutura econômica [2]), modificando-a. Esta relação entre estrutura econômica e superestrutura é recíproca, mútua, onde uma condiciona objetivamente a existência e reprodução da outra, tendo a escola um papel fundamental sobre o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Pistrak aponta que a escola da velha sociedade – anterior à Revolução Russa de Outubro de 1917 – era um dos instrumentos das classes dominantes para submeter, aos seus interesses, todo o restante da formação social. Nestas condições, a escola era utilizada para encobrir os fatores fundamentais que mantinham as massas trabalhadoras em uma terrível situação de pobreza e exploração; a escola, portanto, tinha como principal função, omitir o seu caráter de classe, para que não levasse essas massas de trabalhadores e seus filhos a se levantarem de maneira organizada e com objetivos bem definidos contra o antigo poder czarista. Alega que “não há nenhuma questão escolar que esteja fora da política” (PISTRAK, 2018).


A partir desta caracterização da escola enquanto instrumento de dominação de classe, o autor indica[3] que não é a escola que faz a revolução social, mas, ao contrário, a revolução social é que é capaz de transformar a velha escola, que interessa à classe burguesa e aos senhores de terras, numa escola que esteja voltada aos interesses do proletariado e dos trabalhadores em geral. Após a superação da sociedade burguesa, ou seja, de ditadura do capital, pela sociedade socialista, de ditadura do proletariado (esfera do trabalho), a escola deixa de ser a escola do capital para ser uma escola do trabalho – aquilo que transforma não somente o mundo material, como também a própria consciência humana –, voltada à maioria da sociedade e não mais à uma minoria exploradora.


Pistrak sublinha que a base da escola do trabalho possui dois aspectos (dialeticamente relacionados), que a difere da escola burguesa: a) relação da escola com a atualidade vivida; e b) auto-organização dos estudantes.


a) Relação da escola com a atualidade vivida

Tratando-se de uma sociedade socialista, cujo aspecto principal é o poder político nas mãos das massas trabalhadoras das cidades e dos campos, que por sua vez possui caráter transitório na perspectiva de alcançar-se a sociedade sem divisão de classes e Estado, o comunismo, na escola desta etapa deve haver um conteúdo totalmente novo, tanto em sua forma de organização do ensino como em suas finalidades, dentro daquela conjuntura nacional e internacional. E, em termos gerais, qual era a atualidade daquele momento? Pistrak responde: […] “Em resumo, a atualidade é o imperialismo em sua última fase e o poder soviético como ruptura no front do imperialismo, como brecha na fortaleza do capitalismo mundial”. (PISTRAK, 2018) [4]


Esta escola do trabalho deve corresponder às necessidades daquela atualidade, mas não somente no sentido de direcionar os currículos para o estudo e apreensão desta, mas fundamentalmente para agir sobre tal atualidade, afim de dominá-la e transformá-la. Os estudantes devem ser educados para agir conscientemente; devem saber o porquê de estarem estudando determinada matéria, pois a revolução pelo qual atravessa a sociedade depende da ação consciente das massas trabalhadoras; devem compreender que independente de sua vontade irão tomar parte na luta entre o velho e o novo, entre aquele que em última instância defenderá a revolução social ou as forças reacionárias. Os educandos também irão desenvolver, sob o norte da revolução, suas capacidades de condução das lutas em seus respectivos espaços de atuação cotidiana. A educação da nova ordem social, diferentemente daquela antiga, não esconde seu caráter político, seus objetivos, mas, ao contrário, os explicita, pois é de interesse popular identificar as contradições sociais que se mantém em pé para que sejam devidamente solucionadas.


A educação de tipo novo, marxista, não possui de forma alguma um caráter puramente contemplativo da realidade, mas é necessariamente direcionada à prática social transformadora.


Nas palavras do próprio Pistrak: “O marxismo nos dá não apenas a análise das relações sociais existentes, não somente o método para a análise da atualidade para revelar a essência dos fenômenos sociais e interpretar suas relações mútuas, mas também o método de ação para a transformação do existente na direção definida e fundamentada pela análise. A escola, por isso, deve educar no marxismo, deve fazer o possível para que os estudantes sintam organicamente o método marxista e sua eficácia.”[5]


b) Auto-organização dos estudantes

Em conjunto à relação da escola com os problemas da atualidade, Pistrak destaca outra característica inerente à escola do trabalho: a auto-organização (autodireção) dos estudantes. A realidade vivida pelo povo soviético naquele período exigia que a escola preparasse as futuras gerações para a construção da nova sociedade e para o exercício do poder político e, por estes motivos, a escola do trabalho deve direcionar-se à formação política da juventude. O que esta juventude irá erguer? Por qual caminho e sob qual perspectiva estratégica? São questões que Pistrak expõe à luz do dia.


A este respeito, Pistrak aponta que a sociedade socialista demanda uma nova geração que: a) esteja capacitada para trabalhar coletivamente, onde o sujeito reconhece sua condição dentro da coletividade, como dirigido ou dirigente nas atividades escolares, como saraus, trabalhos, assembleias (incluindo castigos e sanções), atividades extra-escolares, ou na própria organização da instituição (limpeza e higiene pessoal, alimentação). Segundo o pedagogo russo, todas os educandos em algum momento deverão passar tanto pela posição de direção quanto pela de dirigido, pois todos devem desenvolver suas habilidades nestes campos. […] “a habilidade para trabalhar coletivamente significa, também, a habilidade de dirigir quando é necessário, e obedecer quando é preciso.” (PISTRAK, 2018) [6]; b) esteja capacitada em assumir tarefas políticas diversas. Esta é uma característica que se desenvolverá conforme a coletividade dos educandos for se deparando com os problemas supramencionados e seu trato em relação a estes. A condição da escola do trabalho como instituição que se volta para além de seus muros já possibilita uma amplitude muito maior para as crianças e jovens lidarem com os problemas da vida social do que aquelas que se fecham em seu próprio interior; e c) seja bem desenvolvida em sua criatividade organizativa. Este aspecto só pode ser desenvolvido livremente se o educador respeitar a autonomia e o dinamismo da coletividade dos educandos. Apreendendo a partir da realidade, o coletivo deve possuir a independência de agir de maneira criadora sobre esta, lidando com os problemas à sua maneira.


Qual seria o papel do professor diante dos educandos? O professor deverá dar orientações para eles sem torna-los seus dependentes. O professor poderá indicar os caminhos, sempre estimulando as crianças a tomarem a iniciativa para resolver seus problemas, mesmo que certas vezes cometam erros. E lidar com os erros e constrangimentos é parte do próprio processo de aprendizagem. O professor cumprirá uma função de “intermediário” e não a de uma “babá”, como diria o próprio Pistrak.


A auto-organização dos estudantes, portanto, não se trata de um processo “horizontalista”, sem hierarquia e uma direção definida. Pelo contrário, ela estabelece claramente que há uma direção e aqueles que serão dirigidos, onde uma esfera possui reconhecimento da outra, sem recair ao autoritarismo e ao burocratismo da velha escola – e da velha sociedade, em termos gerais. Todos, independentemente da posição que ocupem na hierarquia, estão voltados a trabalharem conjuntamente pela solução dos problemas da sociedade, que se encontra em construção revolucionária.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


É claro que não seria possível tratar de todos os pormenores abordados por Moisey Pistrak no que se refere aos problemas da escola soviética naquele período; estaria extrapolando os próprios limites que foram estabelecidos para a elaboração deste trabalho. Mas numa perspectiva mais geral, é possível compreender a perspectiva de Pistrak acerca da educação socialista e suas diferenças qualitativas em relação à educação de velho tipo, burguesa, que corresponde às sociedades ainda submetidas ao domínio de classe da burguesia.

A obra “Fundamentos da Escola do Trabalho” de Pistrak assemelha-se a uma luz que nos mostra que é possível edificar uma nova sociedade e uma nova escola que estejam voltadas a atender as demandas das massas populares, que buscam nada mais que o direito à autodeterminação.


Escrito por Igor Dias


NOTAS


[1] PISTRAK, M. M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2018. p. 37.

[2] Karl Marx, em seu prefácio da “Contribuição à Crítica da Economia Política” aponta: […] “na produção social da sua existência, os homens estabelecem determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social, que inversamente, determina a sua consciência”. (MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. 4ª Edição. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. p. 5.)

[3] PISTRAK, M. M., op. cit. p., 30.

[4] PISTRAK, M. M., op. cit. p., 42.

[5] PISTRAK, M. M., op. cit. p., 48

[6] PISTRAK, M. M., op. cit. p., 52.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. 4ª Edição. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

PISTRAK, M. M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2018.

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