"Índia: Mao ataca novamente"
O movimento revolucionário tem uma longa história de resistência e luta.
Como resultado das lutas milenares do campesinato pobre da Índia, principalmente dos dalit rurais (intocáveis) e tribos adivasis (marginalizadas) contra o sistema semifeudal de zamindars (proprietários de terras), o fenômeno durante o domínio britânico foi ainda mais forte; em 1967, a guerrilha maoísta conhecida como Movimento Naxalita surgiu na pequena aldeia de Naxalbari, no coração do corredor estratégico de Siliguri, no norte do estado de Bengala Ocidental, também conhecido como “o pescoço de ganso indiano” - o destacamento do Partido Comunista da Índia (Marxista) (CPI-M) liderado por Charu Majumdar, Kanu Sanyal e Jangal Santhal.
Desde então, o movimento revolucionário que, além de sua origem camponesa, contaria com a contribuição de vastos setores intelectuais e universitários e com uma longa história de resistência e luta, esteve ainda longe de reverter a dura realidade dos camponeses.
Em seus mais de meio século de luta, sofreram golpes, avanços e retrocessos, nos quais milhares de militantes deixaram suas vidas em uma guerra suja que não impediu torturas, desaparecimentos e execuções sumárias por parte do Estado. Estabeleceram-se em diferentes áreas do país, dominando quase 50% das áreas florestadas, que finalmente se tornaria o mítico “Corredor Vermelho”, onde áreas libertadas foram estabelecidas instalando governos paralelos, arrecadando impostos, perseguindo, confiscando e, em muitos casos, executando os zamindars. Esses avanços foram combatidos por duras operações do exército, auxiliado por uma força paramilitar de aproximadamente 30 mil homens, cujo verdadeiro custo em vidas é desconhecido, embora haja evidências de que centenas de aldeias e comunidades camponesas praticamente desapareceram, juntamente com as altas taxas de suicídio, tanto entre a população quanto entre os Jawans (soldados).
Desde 1967, a ofensiva naxalista só pôde ser interrompida a partir de 1972, quando o movimento insurgente retrocedeu, com ações intermitentes, até novamente no início deste século, reaparecendo com muito mais virulência, com uma força estimada em cerca de 15 mil combatentes das regiões mais empobrecidas do país, em resposta aos elevados níveis de corrupção estatal e financeira sustentados à força da marginalização da grande maioria dos mais de 1,4 bilhão de indianos.
Em setembro de 2004, o Partido Comunista da Guerra do Povo da Índia (Marxista-Leninista) e o Centro Comunista Maoísta (Naxalita) se uniram para formar o Partido Comunista da Índia (Maoísta). No ano seguinte, havia duzentos distritos nos quais haviam operações dos naxalitas, embora não pudessem sustentá-los e, em poucos anos, a cifra foi reduzida a noventa distritos, embora apenas em trinta operassem com controle do território, sempre inacessível às forças regulares dadas as condições do território dividido e densas selvas.
Após o ataque a um importante arsenal do exército no estado de Orissa, do qual um número significativo de armas foi roubado e 15 guardas foram mortos em fevereiro de 2008, o governo ordenou no ano seguinte uma nova operação contra a insurgência, conhecida como Green Hunt (Caçada Verde), que envolveu entre 20 e 60 mil paramilitares para além das forças nacionais e provinciais regulares, que teve um orçamento de perto de 500 milhões de dólares para o período de 2010-2011 e 600 milhões de dólares para o de 2011-2012, momento em que os guerrilheiros maoístas reagiram com operações militares muito duras e um aumento de combatentes que ultrapassou os 20 mil homens, e uma rede de simpatizantes ativos que ultrapassou os 50 mil, enquanto, em 2014, as tropas regulares designadas pelo governo central para combater os insurgentes chegaram a 200 mil, o que marcou um novo declínio do movimento naxalita que, além de ações esporádicas concentradas em áreas rurais e regiões tribais nos estados de Chhatisgarh e Jharkhand, não protagonizou eventos notáveis.
Um novo amanhecer?
Embora se saiba que no hospital central de Raipur - capital do estado de Chhattisgarh, que as autoridades consideram o último reduto maoísta e um dos dez mais afetados pela Covid-19 - estão os corpos das vítimas da pandemia amontoados nos corredores e pátios do prédio, nesta última semana foi recebido lá um contingente significativo de mortes, não mais pela doença, mas pela nova irrupção insurgente que, nos primeiros dias de abril, emboscaram uma patrulha do exército indiano matando 22 militares de uma força combinada, dos quais apenas o batalhão de elite Cobra contribuiu com mil comandados, dos quais se deduz que a operação foi de magnitude significativa.
Depois de receber informações da inteligência, foi detectada na área a presença de cerca de cinquenta guerrilheiros em Bodaguda, em 25 de março, e outros setenta em Silger, a cerca de 200 quilômetros de distância no dia seguinte. Na noite de 2 de abril, as tropas regulares entraram nas florestas de Bijapur e Sukma em busca dos naxalitas, que apenas três dias depois realizaram uma emboscada que ocorreu após um falso ataque a um dos acampamentos militares que haviam sido montados, que atraiu os soldados para o matagal onde foram surpreendidos, e a dispersão dos Jawans deu-lhes o tempo suficiente para que os guerrilheiros requisitem as armas dos soldados mortos e se retirarem sem deixar vestígios.
Segundo fontes oficiais, a presença dos maoístas já havia sido registrada na zona há mais de um ano e até mesmo as suas comunicações foram interceptadas, mas pelos resultados vistos, os guerrilheiros sabiam disso, por isso passaram informações erradas.
Os comandantes militares reconheceram que, pelo tipo de fogo que receberam e pela estratégia com que atuaram, as forças repressivas enfrentam um inimigo que renovou seu poder de fogo e sua tática.
Este atentado tem sido o que causou mais vítimas às forças de segurança desde junho de 2017, onde, após dois ataques sucessivos em Bhejji e Burkapal, cerca de 40 Jawans morreram; esse foi o terceiro ataque desde 2020. Dez dias antes, uma explosão de IED (dispositivo explosivo improvisado) matou cinco homens pertencentes à Polícia Estadual de Chhattisgarh.
Segundo algumas fontes, o grupo que armou a emboscada pertence ao chamado Batalhão 1 do Exército insurgente, a cargo de um dos líderes mais importantes da organização. Madvi Hidma, um adivasi de quase trinta anos, nasceu nas profundezas da selva na aldeia de Puverti. Ele é o membro mais jovem do Comitê Central do Partido Comunista (Maoísta) com uma longa história na insurgência; acredita-se que seja o responsável por uma emboscada que, em abril de 2010 próximo à aldeia de Chintalnar (Chhattisgarh), causou a morte de 76 policiais e 8 paramilitares e que se tornou o mais sangrento ataque dos insurgentes contra uma força de segurança. No mês seguinte, os homens do comandante Hidma atacaram um ônibus em Dantewada (Chhattisgarh) deixando cerca de 40 mortos, incluindo vários policiais da força especial (SPO). Em 2013, sua força foi responsável por outro grande ataque contra um comboio de 25 veículos que transportavam líderes estaduais do Partido do Congresso Nacional Indiano, que causou a morte de pelo menos 30 pessoas no Vale do Dharba (Chhattisgarh) pelas quais o governo estadual, bem como outros escritórios estaduais, colocou um alto preço em sua cabeça.
Sua reconhecida temperança para enfrentar os combates e inteligência para traçar as operações, aliadas à chegada de seus homens à proximidade, cercaram-no de um manto mítico que chega a ser destacado pela imprensa indiana, que o coloca como principal objetivo do governo de Narendra Modi para tentar derrotar definitivamente a guerrilha maoísta.
Por Guadi Calvo, no Línea Internacional