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REIMPRESSÕES

Foto do escritorNOVACULTURA.info

Augusto Boal: O teatro político?



Augusto Boal (1913-2009), nascido no Rio de Janeiro, é conhecido por ser o idealizador do Teatro do Oprimido. Este método teatral, não por acaso, teve origem em 1970, durante a Ditadura Militar brasileira. Boal, muito além de um diretor teatral, autor e teórico, assumira uma posição de dramaturgo-militante, disposto a questionar às transformações sociais ao seu redor.


Boal teve importantes referências, a exemplo de Marx, Brecht, Paulo Freire, entre outros. A famosa obra “Pedagogia do Oprimido”, de Freire, fora uma das referências do dramaturgo. Além disso, teve uma considerável contra influência do filósofo Aristóteles. O objetivo do Teatro do Oprimido não é o de provocar uma catarse – como Aristóteles defendia –, pois não tem como intenção acabar ao final da peça ou da apresentação. Trata-se exatamente do oposto: com o final da peça, o público pode, então, iniciar as transformações para além do estético, transferindo o que foi sentido e entendido para a vida real em sociedade.


O Teatro do Oprimido tem a intenção de promover a reflexão dos sujeitos oprimidos socialmente, objetivando que estes tomem consciência de sua própria realidade de opressão para que, a partir disso, possam combatê-la e mudá-la. Dessa maneira, a célebre frase de Marx é muito reivindicada na sua prática, como força mobilizadora: “A emancipação dos trabalhadores será obra dos trabalhadores”.


Então Boal defendia um teatro político? Sim e não. Sim, porque toda sua teoria do Teatro do Oprimido busca a transformação social, no sentido da libertação dos oprimidos. E não, porque, para ele, não se trata de um “teatro político”, em primeiro lugar porque todas as atividades do homem são políticas e, depois, porque toda arte é uma interpretação da realidade, logo tem um ponto de vista, e todo ponto de vista é político – e mais político ainda é o teatro que diz não ser político.


“[...] as relações entre teatro e política são tão velhas como o teatro...ou como a política. Desde Aristóteles e desde muito antes, já se colocavam os mesmos temas e argumentos que ainda hoje se discutem” (BOAL, 2013, p. 30).


O Teatro do Oprimido é uma metodologia de intervenção política e social comprometida com a análise da realidade, que visa a emancipação individual e coletiva através da dialética. Em razão disso, quebra paradigmas na arte teatral por questionar o papel do espectador como ser passivo. Se referindo às práticas com referências Aristotélicas, Boal assevera: “O espectador, imobilizado, é estimulado a pensar de uma forma apresentada como a forma correta de pensar, a Verdade; quem o diz é o Dramaturgo, que indica o caminho: afirma, não pergunta” (BOAL, 2003, p. 37).


Como Brecht, que fora fortemente influenciado pela Dialética Marxista na primeira metade do século XX, Boal também desejava um espectador crítico, por isso apresentava a realidade não como mera imitação durante a cena, mas sim como vivência real com a plateia. O poder do texto passa de ator para espectador; e isso só é possível se os atores se entenderem como atores sociais e, ao elaborarem a apresentação, serem capazes de refletir sobre as formas de opressão presentes na sociedade, intentando romper com as relações autoritárias e centralizadoras as quais não concordam. Apesar de ser uma metodologia, deve ser compatível com a realidade para que cada grupo teatral se aproprie dos modos de produção do teatro para encenar sua própria realidade e ensaiar formas concretas para mudá-la.


Nesse ponto é válido lembrar da noção de realismo de Brecht, que diz ser realista aquilo que revela o complexo de causalidade social, desmascara as opiniões dominantes como opiniões daqueles que dominam e produz a partir do ponto de vista da classe que dispõe das soluções mais amplas para os problemas mais urgentes em que a sociedade humana se debate, ou seja, a classe oprimida.


Brecht afirmava que não era possível copiar aquilo que os realistas diziam, pois o fazendo deixariam de o ser. Nesse sentido, o Teatro do Oprimido funciona da mesma forma: não pode ser simplesmente copiado, porque os tempos mudam, os estímulos deixam de fazer efeito. A realidade vive mudando, logo suas representações também devem mudar; nada surge do nada, o novo nasce do velho, mas nem por isso deixa de ser novo. Os processos de opressão se complexificam.


Boal entende o ato de pensar como forma de organizar o conhecimento e transformá-lo em ação. Destarte, as aulas de sua vertente teatral devem impulsionar os atores em direção ao pensamento e ao desenvolvimento, não os impondo verdades. Portanto trata-se de algo muito parecido com o que a Pedagogia do Oprimido defende. Ao visar a libertação dos oprimidos das amarras de um sistema opressor e proporcionar uma reflexão sobre a condição de alienação humana, que nem sempre é perceptível – camuflada ideologicamente nos processos de exploração, ofuscando a consciência da realidade historicamente construída –, Paulo Freire também tem o pensamento marxista perpassando por sua teoria. E Boal, referindo-se à teoria de Freire, diz que se um professor se apresenta aos seus alunos como seu contrário, isto é, tendo-os como ignorantes, ele acaba por justificar a sua própria existência como opressor. Desse modo, um professor do Teatro do Oprimido deve ser flexível e considerar a realidade social no qual ele e os estudantes estão inseridos. Boal, nesse ponto, levando em conta os países e trabalhos que teve, criou seis técnicas para tentar atender às necessidades pedagógicas que cada situação demandava – isso tudo dentro do Teatro do Oprimido.


No chamado Teatro Fórum, uma das vertentes do Teatro do Oprimido, Boal desenvolveu o neologismo “espect-ator”, que remete a dissolução dos que atuam e dos que veem. Espect-ator é um espectador na expectativa de atuar: um ser ativo do ambiente que o cerca, investigador do que lhe é mostrado e pronto para intervir. Os espect-atores seriam a transgressão máxima do palco e plateia, do espetáculo teatral e da vida real, dos artistas e dos não artistas. Ao se fazer o Teatro do Oprimido, este seria o principal objetivo a ser alcançado.


Por essas razões é afirmado que uma peça de Teatro do Oprimido não termina; mesmo com o seu término, ocorre o desequilíbrio brechtiano, que agita os presentes e dá impulso para ações sociais concretas e continuadas. O fim da apresentação é o começo do momento seguinte, o começo do sujeito ativo em sua história de vida e, consequentemente, na sociedade que o cerca.


Em 1971, o dramaturgo-militante com ideias tão potentes em meio a ditadura militar do Brasil, foi sequestrado, detido e torturado, partindo para o exílio na América Latina e na Europa por 15 anos. Sobre a repressão dizia: “quando se aproxima o fim do espetáculo, é normal que os atores se preparem para os aplausos. Nós, nervosos, nos preparávamos para a invasão” (Boal, 2014, p. 297).


A repressão sempre foi uma prova que algo potente estava sendo criado, e é dessa forma que essas memórias devem ser recordadas. Os atos repressivos também demonstram o medo daqueles que oprimem. E o teatro foi – e ainda pode ser – usado como forma de luta contra a opressão, de luta contra a classe dominante. Por fim, é sempre válido lembrar a frase de Brecht:


“É por experiência própria que digo: não precisamos ter medo de apresentar ao proletariado coisas ousadas e incomuns, desde que elas tenham a ver com a sua realidade. Haverá sempre pessoas cultas, conhecedores de arte, que se intrometem dizendo: ‘O povo não entende isso’. Mas o povo afasta impacientemente estas pessoas e entende-se diretamente com os artistas.”


Por Alexia Senda


Referências:


BARBOSA, Inês. FERREIRA, Fernando Ilídio. Teatro do Oprimido e projeto emancipatório: mutações, fragilidades e combates. Revista Sociedade e Estado – Volume 32, Número 2, Maio/Agosto 2017.


BOAL, Augusto. O Teatro como arte marcial. Rio de Janeiro: Garamond. 2003.


______________. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. São Paulo: Cosac Naify, 2013.


BOAL, Julian. Por una historia política del Teatro del Oprimido. Literatura: Teoría, História, Crítica, v. 16, n. 1, p. 41-79, 2014.


BRECHT, Bertolt. O caráter popular da arte e o realismo. Disponível em: <https://www.novacultura.info/post/2020/05/16/brecht-o-carater-popular-da-arte-e-o-realismo> Acesso em: 16 de dezembro de 2020.


SILVA, Francenilza Viana de Souza. COSTA, Selda Vale da.Dimensões políticas e pedagógicas em perspectiva freiriana. Revista Amazônida, Manaus, AM, vol. 05, n 01. p. 01 – 10, 2020.


Silva, Flávio José Rocha. Uma história do teatro do oprimido. Aurora: revista de arte, mídia e política, São Paulo, v.7, n.19, p. 23-38, fev.-mai.2014.



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