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REIMPRESSÕES

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Portugal do século XVI e os aspectos feudais do colonialismo português no Brasil


Alberto Passos Guimarães foi um dos mais importantes pensadores e intérpretes do desenvolvimento histórico brasileiro. Foi um dos principais intelectuais e dirigentes do Partido Comunista do Brasil (PCB) e, ainda que tenha se colocado no campo do revisionismo no final da década de 1950 e anos 1960 (tendo sido um dos teóricos da famosa Declaração de Março de 1958), não há dúvidas que ele tenha conduzido um esforço honesto para formular um pensamento para a construção de um Brasil justo, independente e democrático.

No ano de 1962, Alberto Passos Guimarães escreveu sua famosa obra Quatro Séculos de Latifúndio, um dos mais importantes trabalhos para a compreensão do problema rural brasileiro e livro de cabeceira de todo patriota militante. Em virtude da importância desta obra, um dos grupos de estudos da realidade brasileira encabeçado pela Campanha “Brasil: Pela Segunda e Definitiva Independência” dedicou algumas de suas reuniões para examinar o conteúdo da obra.

O título do segundo capítulo de Quatro Séculos de Latifúndio se chama O regime econômico colonial: feudalismo ou capitalismo? – aqui, Guimarães trata de uma das principais controvérsias que animou e anima as discussões no seio da intelectualidade progressista brasileira acerca de qual regime econômico fora instaurado por Portugal em nosso país a partir do início da opressão colonial por volta da década de 1530.

Utilizando citações de outros autores, principalmente do eminente historiador Roberto Simonsen, Guimarães reflete sobre como muitos deles erraram – como erram até hoje – ao considerar que Portugal, com o início da opressão colonial, implantou no Brasil o modo de produção capitalista, buscando fundamentar este argumento com o caráter comercial do colonialismo português (em seus objetivos fundamentais). Ademais, Simonsen não se limita a caracterizar o colonialismo português no Brasil como uma empresa capitalista, ao contrário, dá por extinto o feudalismo já em Portugal e caracteriza-o no século XVI enquanto um país capitalista, novamente com o argumento da presença dominante do comércio.

Muito versado no Marxismo, Alberto Passos Guimarães explica a inconsistência das noções segundo as quais a presença do comércio seria suficiente para caracterizar o domínio do sistema capitalista. Na realidade, no século XVI, a inexistência do capitalismo em Portugal se estendia também para o restante da Europa e, possivelmente, para o mundo inteiro. Fora alguns enclaves manufatureiros aqui ou acolá (Flandres, a dizer), não existia realmente capitalismo em canto algum do mundo, mundo este que ainda estava marcado por uma multiplicidade de sistemas pré-capitalistas do Ocidente ao Oriente, a despeito da inegável expansão comercial que começava a tomar impulso neste século XVI e nos séculos seguintes.

Vivia-se realmente o período de crise dos sistemas pré-capitalistas e a ascensão lenta e gradual do capitalismo – aquele processo que se conhece como “acumulação primitiva do capital” – sob as duras amarras das mesmas tradições e sistemas econômicos pré-capitalistas, escravistas e feudais, mas tal ascensão lenta ainda não havia colocado a então classe avançada – a burguesia – nas condições de domínio do poder político para realmente impulsionar a supremacia capitalista, algo que só seria realmente levado adiante com o avanço das revoluções burguesas. Aqui, Guimarães cita Engels em seu Anti-Duhring: “A longa luta da burguesia contra o feudalismo – disse Engels – foi marcada por três grandes e decisivas batalhas. A primeira foi a Reforma Protestante na Alemanha. Ao grito de Lutero contra a Igreja, responderam duas insurreições políticas: a insurreição da pequena nobreza dirigida por Franz de Sickingen (1523) e a grande Guerra Camponesa (1525). A segunda foi a explosão calvinista na Inglaterra (1648). E a terceira, a Revolução Francesa (1789), que travou todas as suas batalhas no terreno político, sem as anteriores roupagens religiosas, e de que resultou, pela primeira vez, a destruição de uma das classes combatentes, a aristocracia, e o completo triunfo da outra, a burguesia.”

Ademais, se examinarmos a base econômica portuguesa do século XVI, não será difícil compreender que Portugal era ainda um país feudal, [1] a despeito da situação de crise do feudalismo local e da grande expansão do comércio – este comércio, porém, não lograra até então se expandir a tal ponto que transformasse em mercadorias não apenas os produtos da terra, os artigos industriais, etc., mas a própria força de trabalho (o capitalismo é o único sistema de produção que transforma a força de trabalho em mercadoria). Com a grande massa trabalhadora portuguesa sujeita ao pagamento de tributos aos grandes fazendeiros e à dependência pessoal, não havia entre esta massa trabalhadora e os grandes senhores uma relação de compra e venda da força de trabalho, sendo inexistente, portanto, sem o fim desta situação opressiva, a possibilidade de transição para o capitalismo.

Ora, estando Portugal ainda no estágio do feudalismo, não havia possibilidade de se implantar em uma colônia sua um sistema capitalista, mais avançado que aquele vigente na própria metrópole. É muito importante em Alberto Passos Guimarães o argumento segundo o qual, sob sua dominação, a metrópole transfere para sua colônia, protetorado ou país dependente formas econômicas e políticas muito mais atrasadas e que facilitem a sujeição deste mesmo país dominado. Prosseguindo o raciocínio, pode-se considerar que o colonialismo português atendera aos interesses de suas classes ou camadas sociais de Portugal: os latifundiários que, em processo gradual de ruína, buscavam nas colônias fortalecer o seu monopólio da terra e reviver os períodos áureos do sistema feudal; e os comerciantes (que ainda não haviam se transformado em burguesia, pelos motivos que mencionamos), não apenas portugueses, ou nem mesmo principalmente portugueses, que buscavam enriquecer pelos mecanismos de compra e venda de produtos de luxo.

Assim, não havendo em terras brasileiras servos da gleba com seus próprios instrumentos de produção e a cultura da dependência pessoal para produzir tudo aquilo que para os latifundiários significasse riqueza e poderio, e diante da necessidade de enriquecimento dos comerciantes, foi preciso reerguer o sistema milenarmente superado da escravidão – ainda que, contraditoriamente, no período de decadência do feudalismo e transição gradual para o então novo sistema capitalista. Já havia uma camada expressiva de comerciantes com a devida experiência com o tráfico de escravos capturados no continente africano. A produção do açúcar, com a qual Portugal já possuía também grande experiência em outras colônias suas, acrescentaria o ingrediente mercantil para enriquecer comerciantes e fornecer este então artigo de luxo para a nobreza de Portugal.

Assim sendo, Portugal estabeleceu no Brasil, pelos ditos motivos, o sistema de escravidão, muito mais atrasado que o sistema feudal. E se em Portugal já havia um expressivo desenvolvimento comercial, esta metrópole estabeleceu no Brasil colonial o retrocesso dos traços gritantes de uma produção natural (isto é, de subsistência). Por muitos séculos, o Brasil foi aquilo que se conhece como “colônia produtora”. Não havia mercado interno, e a economia local se limitava ao fornecimento de açúcar (somente aí havendo realmente uma produção mercantil) para uma reduzidíssima aristocracia portuguesa e europeia. Os engenhos açucareiros também foram, por muitos séculos, unidades produtivas autossuficientes, adquirindo no mercado exterior apenas uma quantidade muito limitada de artigos como sal e pólvora.

Até então, Alberto Passos Guimarães fala sobre como o colonialismo representou para o Brasil um retrocesso em relação à própria dinâmica do feudalismo português. O que haveria então de aspectos que representariam traços do próprio sistema feudal?

Avalia-se primeiramente o feudalismo que persiste nos aspectos políticos do colonialismo português.

Portugal transplantou para o Brasil o sistema de sesmarias, que trouxe consigo o monopólio da terra por um punhado de senhores, conforme vigente na metrópole. A noção feudal da “terra-privilégio”, de entregar sob forma de donatarias o controle da terra para os nobres portugueses de “sangue azul”, foi algo que permeou o colonialismo português. Evidentemente, diante de um mundo invadido pelo processo de acumulação primitiva de capital, o colonialismo não teria condições de transformar o monopólio da terra em riqueza sem que este se associasse ao capital-dinheiro para o acesso à mão-de-obra escrava. A legislação portuguesa das donatarias trazia consigo, sem qualquer sombra de dúvida, a ideologia da velha sociedade feudal.

Em termos econômicos, Alberto Passos Guimarães traz um argumento que diz respeito à situação dos labutadores dos engenhos. Na condição de escravizados e mesmo desumanizados, sendo eles próprios propriedades do senhor, não há dúvidas quanto à vigência de uma situação escravista. Porém – tratando-se o engenho açucareiro neste período, conforme dissemos, de uma unidade de produção autossuficiente –, estuda-se que em muitos engenhos havia lotes de terras destinados aos escravos, de forma geral, lotes de tamanho e qualidade inferior, nos quais eles próprios cultivavam seus meios de subsistência. Aqui, portanto, Guimarães argumenta que a opressão escravista se misturava ao sistema da servidão da gleba feudal, na medida em que o escravo, ainda que de uma forma realmente muitíssimo inferior e mais opressiva, dividia seu tempo entre os lotes que lhes eram destinados e as terras do senhor, estas geralmente dedicadas ao cultivo da cana de açúcar.

À medida que o desenvolvimento histórico brasileiro prosseguia e outras atividades econômicas prosperavam, com o rompimento gradual com a produção de subsistência e o tímido aparecimento do mercado interno, estas relações feudais tenderiam (paradoxalmente) a se expandir. Alberto Passos Guimarães avalia que, à medida que a opressão colonial portuguesa saía dos estreitos limites dos litorais e penetrava rumo ao interior, desenvolveu-se uma atividade pecuária para o fornecimento de animais de tração e carne para os engenhos, na medida em que os meros currais anexos aos engenhos já não davam conta deste mesmo abastecimento. Nas fazendas de gado, estabeleceu-se uma nova relação, aparentemente (apenas aparentemente!) não-hostil entre os colonialistas portugueses e a população indígena nativa: esta, submissa, labutava nas fazendas e levava adiante a criação de gado, pagando para os senhores tributos que muitas vezes atingiam três quartos da produção (para cada quatro crias, três pertenciam ao senhor). Aqui, a exploração feudal por meio do pagamento de tributos ficou mais bem delineada que nos engenhos, mesmo que (utilizando argumentos de outro importante autor, Caio Prado Jr.) houvesse certas situações nas quais os vaqueiros pudessem acumular um gado próprio e se estabelecerem por si próprios, escapando ao domínio senhorial, algo absurdamente impossível para os escravos que labutavam nos engenhos, para quem as amarras pré-capitalistas, escravistas e servis, pesavam mais fortemente.

Finalmente, pensamos estar completamente correto Alberto Passos Guimarães ao classificar o colonialismo português, por conseguinte, como uma opressão feudal-escravista sobre as massas brasileiras de então.

Estudar o pensamento de Alberto Passos Guimarães é muito importante para os democratas e patriotas militantes.

NOTA

[1] Há um outro fator a ser mencionado. Em virtude de muitos séculos de sujeição do capitalismo britânico, Portugal atrasou-se brutalmente em seu desenvolvimento capitalista, com parte expressiva dos recursos pilhados de suas colônias sendo transferidos para a Grã-Bretanha sob formas de dívidas escandalosas, jamais logrando varrer por completo as sobrevivências feudais. Esta situação histórica traz duras cicatrizes para o povo português até os tempos atuais, sendo Portugal um dos países mais pobres de toda a Europa.

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