Che: "Cheguei ao comunismo por causa de Stalin"
Ernesto Che Guevara é, sem dúvida, uma figura histórica do movimento comunista do século XX que atrai o interesse de pessoas de uma vasta gama de ideologias políticas. Os anos que seguiram seu assassinato covarde na Bolívia, Che tornou-se um símbolo revolucionário para uma variedade de partidos de orientação marxista, de esquerda e progressistas e de organizações que variam de trotskistas para leninistas militantes e de social-democratas para anarco-libertários. Um número significativo de pessoas que admiram o revolucionário argentino identifica-se como “antistalinistas”, odeiam e amaldiçoam Stalin ao mesmo tempo em que eles muitas vezes se referem aos tais “crimes” cometidos por este. O que é uma contradição e uma ironia da história é o seguinte: o próprio Che Guevara era um admirador de Josef Stalin.
Na ocasião dos 63 anos da morte do grande líder soviético, deixem-nos lembrar o que Che pensava sobre Josef Stalin, com base nos próprios escritos e cartas do revolucionário argentino.
Em 1953, encontrando-se na Guatemala, o Che de 25 anos de idade escreveu numa carta para sua tia Beatriz: “Ao longo do caminho, eu tive a oportunidade de atravessar os domínios da United Fruit, convencendo-me mais uma vez do quão terrível são os tentáculos capitalistas. Jurei diante de um quadro do velho e pranteado camarada Stalin que não descansarei até que eu veja esses polvos capitalistas aniquilados (Jon Lee Anderson, Che Guevara: A Revolutionary Life, de 1997).
Há muitos anos depois de ter escrito sua carta de Guatemala, no meio do processo revolucionário em Cuba, o Comandante Che Guevara iria reafirmar sua posição a respeito de Stalin:
“Nos chamados erros de Stalin reside a diferença entre uma atitude revolucionária e uma atitude revisionista. Você tem que olhar para Stalin no contexto histórico em este se move, você não tem que olhar para ele como uma espécie de sujeito violento, mas sim naquele contexto histórico particular. Eu vim para o comunismo por causa do pai Stalin e ninguém deve vir e me dizer que não devo lê-lo. Eu o li quando era muito ruim para lê-lo. Isso foi em uma outra época. E porque não sou muito brilhante, e nem uma pessoa cabeça-dura, eu continuo fazendo a leitura dele. Especialmente neste novo período, que é pior para lê-lo. Antes, assim como agora, eu ainda continuo encontrando uma série de coisas que são muito boas.”
Enquanto elogiava a liderança de Stalin, Che estava sempre apontando o papel contrarrevolucionário de Trotsky, culpando-o por “motivos secretos” e “erros fundamentais”.
Em um de seus escritos, ele destacou: "Eu penso que a coisa fundamental em que Trotsky se baseava era errônea e que seu comportamento ulterior estava também errado, e piorou ainda mais nos seus últimos anos de vida. Os trotskistas não contribuíram coisa alguma para o movimento revolucionário; onde eles fizeram mais foi no Peru, mas finalmente falharam, devido aos seus métodos inoportunos” (Comentários em “Notas Críticas sobre Economia Política”, por Che Guevara, no jornal Revolutionary Democracy, 2007).
Ernesto Guevara, um leitor prolífico dotado de um conhecimento desenvolvido da filosofia marxista, incluiu os escritos de Stalin nas leituras marxista-leninistas clássicas. Isso é o que ele escreveu em uma carta a Armando Hart Dávalos, um trotskista e membro proeminente da Revolução Cubana:
"Em Cuba não há nada publicado, se excluirmos os materiais soviéticos, que trazem o inconveniente de que eles não permitam que você pense; o partido fez isso por você e portanto, deve digeri-lo. Seria necessário publicar as obras completas de Marx, Engels, Lenin, Stalin [sublinhado por Che no original] e outros grandes marxistas. Aqui poderiam vir também os grandes revisionistas (se você quiser, poderá adicionar aqui N. Khruschev), devidamente analisados, mais profundamente do que os outros, e também seu amigo Trotsky, do qual existia e aparentemente escreveu alguma coisa” (Contracorriente, Nº 9, setembro de 1997).
A via revisionista que a liderança soviética seguiu após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética tornou-se uma fonte de intensa preocupação para Che. A tão falada política de “desestalinização” e as errôneas e oportunistas percepções a respeito do processo de construção do socialismo que a direção de Khruschev introduziu após 1956 teve seu próprio impacto crítico sobre a visão de Guevara sobre a revolução e o socialismo.
Um dos biógrafos de Che Guevara, o político mexicano Jorge Castañeda, escreveu (adicionando um sabor anticomunista): “Guevara tornara-se um stalinista numa época em que milhares estavam se desiludindo com o “comunismo” oficial. Ele rechaçou o discurso de Khruschev em 1956 que denunciou os crimes de Stalin, alegando tais questões eram “propaganda imperialista” e defendeu a invasão russa na Hungria que esmagou o levante dos trabalhadores naquele mesmo ano” (Jorge Castañeda, Compañero: The Life and Death of Che Guevara, 1997).
Quatro anos após o início da “desestalinização” de Khruschev, a novembro de 1960, Ernesto Che Guevara estava visitando Moscou como um representante oficial do governo cubano. Contra o conselho do então embaixador cubano para evitar tal ação, Che insistiu em visitar e depositar uma coroa de flores no túmulo de Stalin na necrópole do Kremlin.
Che tinha uma profunda admiração pelo líder Josef Stalin e sua contribuição na construção socialista. E por esta razão, como o próprio Che dizia, “Você tem que olhar para Stalin no contexto histórico em este se move [...] naquele contexto histórico particular”. Tal contexto histórico e o extremamente desfavorável e complexo ambiente social, econômico e político do qual Stalin liderou a União Soviética são omitidos pelas fantasias do antistalinismo. Eles abafam e ignoram deliberadamente o fato de que o processo de construção do socialismo na União Soviética estava ocorrendo dentro de um quadro duma feroz luta de classes, com numerosas – tanto internas como externas (cerco imperialista) – ameaças, ao mesmo tempo em que o enorme esforço de industrialização enfrentou reações e sabotagens tremendas (o processo de coletivização, por exemplo, encarou a postura negativa dos kulaks).
Josef Stalin, como personalidade e líder, foi um produto da ação das massas num específico contexto histórico. E foi Stalin quem guiou o Partido Bolchevique e o povo soviético durante 30 anos, baseado na sólida herança ideológica de Vladimir Lenin. Como um autêntico comunista, um genuíno revolucionário – tanto na teoria como na prática – Ernesto Che Guevara inevitavelmente reconheceria e apreciaria aquela realidade histórica.
Por Nikos Mottas, publicado no blog Communismgr
Traduzido por Igor Dias