"Carta à sociedade brasileira, às autoridades nacionais e à comunidade internacional"
Nós, os Tupinambá da aldeia Serra do Padeiro, denunciamos o último e grave ataque do governo federal contra o nosso povo. Em um ofício (nº 2740/2019/SE/MJ) de 30 de dezembro de 2019, penúltimo dia do ano, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, devolveu o processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença à Funai.
Não foi apenas nossa terra que foi atacada pela ação de Sérgio Moro: os processos de 17 terras indígenas foram devolvidos, impactando parentes de diferentes regiões do país e confirmando o racismo do governo Jair Bolsonaro e seu compromisso com os inimigos dos povos indígenas.
O ofício afirma que a devolução foi sugerida pela consultoria jurídica do MJ para fazer cumprir a tese do “marco temporal”, que visa impedir o cumprimento dos nossos direitos. Mas o ministro sabe que a Terra Indígena Tupinambá de Olivença não pode ser afetada pelo “marco temporal”.
Talvez seja preciso lembrar a Sérgio Moro que oito anos atrás a consultoria do próprio MJ deu parecer a favor da assinatura da portaria declaratória pelo ministro e da conclusão do processo de demarcação, o que garantiria finalmente nosso direito ao território, violado há cinco séculos.
A devolução repete tentativas anteriores no mesmo sentido. Em 2014, o MJ devolveu o processo à Funai, questionando pontos do relatório de identificação e delimitação da terra indígena, à luz do “marco temporal”. Em resposta a esse questionamento, tanto a Funai quanto a consultoria jurídica do MJ, ainda em 2014, concluíram que o processo de demarcação era regular e deveria seguir adiante. Depois disso, o processo foi novamente devolvido à Funai, que respondeu, em um parecer de 2018, também confirmando a regularidade do processo.
Ao devolver nosso processo, Sérgio Moro viola os direitos constitucionais do país. Como exjuiz, como ministro da Justiça, ele quer minar a vitória que nós tivemos em 2016 diante do Superior Tribunal de Justiça, que determinou por unanimidade que o governo continuasse com a demarcação da nossa terra. Sérgio Moro fez o contrário do que deveria fazer: não caberia a ele devolver o processo, mas sim publicar a portaria declaratória do nosso território. Nossa terra é tradicionalmente ocupada e o governo está agindo para manter os invasores dentro dela.
Nós fazemos um apelo para que a sociedade internacional fique atenta, pois o presidente da República, desde a eleição, deixou claro que não iria cumprir os direitos constitucionais dos povos indígenas nem os direitos ambientais. Ele foi eleito para transgredir as leis? Ele nomeou seus ministros para violar todas as leis do nosso país? Para nos discriminar? A Constituição não dá permissão para que eles se comportem assim. Ou a Constituição não tem mais validade?
Anteontem, os caciques do povo Tupinambá se dirigiram à sociedade brasileira e às autoridades nacionais e internacionais em uma carta denunciando a atitude arbitrária de Sérgio Moro. A carta deixa bem claro – e ele pode guardar nossas palavras – que a nação que ele quer extinguir é a mais antiga do país e sempre continuaremos existindo.
Hoje, na data em que veio ao conhecimento público que esse ataque não atinge apenas os Tupinambá, mas os parentes das 17 terras indígenas violadas e os povos do Brasil como um todo, a aldeia Serra do Padeiro se pronuncia mais uma vez.
Escrevemos esta carta no dia em que um dos nossos troncos velhos tombou. Nesta madrugada, uma das nossas anciãs, que participava da luta desde o começo, que vinha criando com o maior cuidado seus netos e bisnetos em uma retomada garantida com muita resistência, onde estão as raízes da sua grande família, faleceu. Em sua memória, em memória de todos os nossos antepassados, de nossos parentes assassinados e por determinação dos encantados, verdadeiros donos da terra, não vamos recuar um centímetro. Aqueles que querem nos expulsar, no fundo, sabem: não vão nos remover de lugar nenhum, pois vamos resistir. Como sempre fizemos.
Aldeia Serra do Padeiro, 28 de janeiro de 2020.
Rosemiro Ferreira da Silva – Pajé, representando a organização religiosa dos Tupinambá da Serra do Padeiro
Rosivaldo Ferreira da Silva – Cacique Babau, representando a organização política dos
Tupinambá da Serra do Padeiro