"A consequência óbvia de uma ideia péssima e a vitória como tarefa"
Foi dito por diversas vezes, desde 2015, pelos críticos do reformismo, que a decisão do BE e do PCP de apoiar a criação de um Governo do PS ia ter consequências desastrosas. Esse apoio faria desaparecer a percepção dessas organizações como alternativas de regime, ia colá-las à gestão do sistema, ia dar-lhes a imagem de uma simples comissão de melhoramentos do capitalismo e não de portadoras de um projecto de ruptura revolucionária com ele. Nessa medida, ia significar o abandono das fileiras de um número considerável de militantes, de activistas, de simpatizantes e de votantes. Foi dito que à força de querer encarrilar tudo para a arena institucional se ia enfraquecer a capacidade de embate do movimento social, ficando sem força nem nas ruas nem nas instituições. E que tanto pior seria se esse apoio viesse, como veio, ao preço da desmobilização para não comprometer as negociações, coisa que até o histórico do BE, Francisco Louçã, disse estar a acontecer.
Quatro anos a dizer que o povo não quer tudo de uma vez, que não se faz a luta pela luta, que as greves da Auto-Europa causam apreensão, apoiando o Governo mesmo com os estivadores de Setúbal bastonados pela polícia por fazerem greves, aprovando orçamentos com milhares de milhões para a EDP e os bancos, dizendo que estão reunidas as condições para a paz social no sector dos transportes públicos, desmerecendo a luta dos moradores do Jamaica e passando a mão pelo pêlo ao racismo sistémico das polícias tratando como uma bizarria de alguns agentes mal formados que «não se pode generalizar», tiveram o seu preço pago em mais de 100.000 votos perdidos para o PCP, mais de 50.000 votos perdidos para o BE, no reforço em mais de 140.000 votos do PS, e na chegada ao Parlamento do partido ultraliberal Iniciativa Liberal, visivelmente inspirado no brasileiro MBL, e do partido fascista Chega. Continua actualíssima a conclusão do VI Congresso da Internacional Comunista que dizia que «o fascismo se esforça por permear a classe trabalhadora recrutando os sectores mais recuados das suas fileiras ao instrumentalizar o seu descontentamento, aproveitando a inacção da social-democracia». O caminho, a continuar assim, só pode levar a resultados ainda piores.
As teses frentistas que presidiram ao apoio ao Governo do PS em 2015, e que são a negação do marxismo, assentam na premissa histórica de que os comunistas são parte de uma solução progressista pactuada com outras forças políticas, competindo-lhe tarefas de negociação e reforma, e sendo a vitória uma aspiração utópica que serve para fazer caminhar mas nunca se alcança. Para quem pensa assim a revolução é uma aspiração para o tempo dos nossos filhos e netos (quantas vezes o Jerónimo de Sousa já disse isto?), e, portanto, virtualmente, uma impossibilidade. Ora, é tempo de recordar que os revolucionários não acham a vitória sobre a burguesia um ideal longínquo, um assunto transcendente, mas sim uma tarefa concreta que importa planificar e concretizar. Abandonar a concepção das forças comunistas como historicamente inúteis, e nessa medida necessitadas da boa vontade da esquerda burguesa para dar um passo adiante, e adoptar a perspectiva de que os comunista conduzem um processo revolucionário com uma estratégia de mobilização, organização, combate, e vitória, vindo os sectores intermédios atrás, de rastos, perante a torrente da luta, é o único modo de sair da armadilha onde os progressistas portugueses foram metidos com a péssima ideia da geringonça. O tempo não é de negociar com os elementos mais bondosos do poder burguês, é de organizar o seu derrubamento mesmo.
Por João Vilela