Três reflexões sobre a luta atual em defesa da educação pública
1. Na atual luta que se desenvolve em defesa da educação pública em geral e particularmente contra os cortes orçamentários das universidades federais, é necessário delinearmos claramente quem são nossos inimigos para evitarmos ainda mais derrotas. Quem ganha com os cortes nos orçamentos das universidades federais, bolsas de pesquisa e mestrado, etc.? Os grandes grupos monopolistas que controlam as redes de ensino superior privado, ensino à distância, etc. são obviamente os primeiros interessados nestes cortes. Dado que, numa canetada, o fascista Weintraub impossibilitou o funcionamento do grosso das universidades públicas, não só a juventude trabalhadora como até mesmo a juventude dos setores mais abastados das classes médias terá de recorrer aos grupos privados caso queira ter acesso ao ensino superior, o que significa mais financiamentos, mais endividamentos para os estudantes, e mais superlucros para os bancos e conglomerados educacionais. Outro agente interessado nestes cortes – no qual quase não se tem falado – é, sem dúvidas, o imperialismo norte-americano. Este outro agente está intimamente ligado aos primeiros, de maneira que é difícil separar um do outro.
Os Estados Unidos, por meio de fundos de pensão, empresas de capital aberto, agências de “promoção à democracia”, etc., estão de fato por trás do controle dos grandes grupos monopolistas que dominam a educação superior privada de nosso país, e encontram-se também diretamente interessados na ampliação deste tipo de “educação” sucateada. Além disso, não apenas estando por trás dos grandes grupos educacionais privados, o imperialismo norte-americano também se interessa nos cortes de Weintraub na medida em que sufocam e arrasam as pesquisas tecnológicas – feitas fundamentalmente por universidades públicas, principalmente nas federais –, impossibilitando que o Brasil seja capaz de produzir patentes na produção do conhecimento.
Impossibilitado de desenvolver de forma autônoma suas pesquisas intimamente relacionadas ao desenvolvimento econômico e social, nosso país perpetuará a condição de dependência diante dos laboratórios e centros de pesquisas no exterior, como Estado-tributário constrangido ao pagamento de caríssimos royalties para tão somente usufruir destas pesquisas em seu “desenvolvimento”. Caso o uso de tais patentes implique o desenvolvimento econômico e social em áreas nas quais o imperialismo norte-americano não se interessa em ter novos concorrentes, poderá negá-lo ao nosso Brasil subdesenvolvido e agrário. É até possível especularmos até que ponto o imperialismo norte-americano também não se interessa por um processo de “fuga de cérebros” do Brasil em razão da inviabilização do ensino superior público, “cérebros” estes que serão constrangidos a migrarem para as metrópoles imperialistas recebendo nos centros educacionais salários muito inferiores aos “cérebros” norte-americanos e europeus, como já ocorre nos tempos atuais.
Identificando o imperialismo norte-americano e os grandes conglomerados educacionais, devemos concentrar eles nossos ataques, ainda que sob a forma de ataques a seus fantoches internos Bolsonaro e Weintraub. Trata-se de uma luta ampla, capaz de mobilizar não só o professorado e os estudantes, como até funcionários terceirizados que serão jogados na rua com tais cortes, e mesmo pequenos e médios empresários, comerciantes, que terão seus negócios afetados com a bancarrota das universidades federais. Devemos rechaçar ilusões com o slogan genérico de “defesa da educação” e despertar nestes setores os mais ardentes sentimentos patrióticos e anti-imperialistas, profundamente anti-americanos. Devemos produzir imensas faixas de ataque ao imperialismo norte-americano, aos grandes conglomerados e à dupla fascista Bolsonaro-Weintraub, ostentando-as nos novos protestos que serão organizados. As consignas e os dizeres patrióticos e anti-imperialistas devem também ser pintados nos muros das cidades, para denunciar aos milhões a pilhagem que Bolsonaro e sua trupe têm conduzido contra o povo brasileiro. Devemos organizar protestos não somente nas vias principais das grandes cidades, mas nos edifícios e instituições ligadas ao imperialismo e a estes grandes grupos privados da educação.
2. Os imensos protestos organizados no último dia 15 de maio demonstraram não só a disposição de luta por parte da intelectualidade, da classe média progressista e dos funcionários, como também a capacidade que estes cortes de 30% nas verbas discricionárias das universidades federais tiveram como apelo mobilizador para a luta. Mais de um milhão de pessoas protestaram nas grandes capitais e regiões metropolitanas neste dia. Novos protestos estão sendo organizados, e especula-se acerca da capacidade destes protestos servirem como impulso mobilizador para uma greve geral de todas as categorias do proletariado e dos setores médios. Porém, sérios erros de concepção ainda prevalecem na organização dos protestos. Não podemos ter quaisquer ilusões de que o mero ato de “ocupar às ruas”, colocar até mesmo centenas de milhares de pessoas paradas gritando palavras de ordem nas vias principais, será suficiente para “pressionar” Bolsonaro. Embora isto sirva como clamor popular, para demonstrar o quão anti-povo é o governo, mais de um milhão de pessoas nas ruas não suficiente sequer para que Weintraub recuasse nos cortes, ainda que uma disputa tenha se dado neste sentido. É necessário “algo a mais”. É necessário que os protestos superem seu caráter reativo e defensivo e passem à contraofensiva contra o regime reacionário de Bolsonaro. As condições para isso são muito favoráveis. Vivemos um período de declínio acelerado do governo, com as lutas intestinas entre os diversos setores das classes dominantes minando a “governabilidade”.
Milhões e milhões de brasileiros já perderam até mesmo possíveis ilusões que podiam ter com este governo. Dado que este apelo em defesa do acesso ao ensino públicos superior é um apelo fundamentalmente urbano, que desenvolve nos grandes centros urbanos brasileiros, apenas poderemos mensurar a capacidade do movimento estudantil e do professorado em de fato pressionar o governo e acelerar sua queda na medida de sua capacidade em causar danos reais à vida cotidiana das grandes cidades, aos transportes, às grandes vias de circulação do trânsito, ao funcionamento do funcionalismo público, e somente assim poderemos considerar que o governo de fato estará “de cabelos em pé” e será obrigado a aceitar as reivindicações do movimento estudantil e do professorado que, por sinal, sequer se encontram tão seriamente formuladas ou sistematizadas. No sentido de superar o caráter reativo e defensivo do movimento, a juventude estudantil principalmente carioca tem dado seu exemplo positivo na organização de um novo ato em defesa da educação pública para o dia 23 de maio, a despeito das ações de sabotagem e sectarismo por parte de grupos oportunistas, hegemonistas.
3. Lutamos contra o obscurantismo e o fascismo, o pensamento atrasado e supersticioso, em defesa da verdade científica, do livre debate de ideias, do florescimento mais livre e absoluto do pensamento. Neste sentido, defendemos o acesso do povo ao ensino público superior e colocamo-nos contra Weintraub e toda laia de medievalistas incrustrados ou não nos cargos deste governo podre. Porém, não podemos de jeito nenhum, a partir desta noção, derivarmos a conclusão de que “Bolsonaro está acabando com a educação pois ela é a libertadora e emancipadora”, que “Bolsonaro é contra a educação pois não quer um povo que pense”, ou que “Bolsonaro está contra as universidades federais pois ensinam o povo a pensar.” Não, de forma nenhuma! Se por um lado defendemos o acesso à universidade pública, por outro lado de maneira nenhuma podemos ter a ilusão de que a educação que nela se ensina atualmente é libertadora ou emancipadora.
Entendemos os motivos pelos quais Bolsonaro está depenando o ensino superior público, mas a suposta “educação emancipadora” não está entre estes motivos. Muito pelo contrário, é necessário levarmos em completa conta o papel central que a educação e a ideologia cumprem na manutenção do status quo de uma sociedade como a nossa, dividida em classes e baseada na exploração do homem pelo homem. Até mesmo os cursos de disciplinas tidas como de “Humanidades”, que supostamente estariam disseminando um ensino supostamente “crítico” e “estimulante ao pensamento”, na melhor das hipóteses dissemina tão somente um anticapitalismo ingênuo e de classe média, apresentado erroneamente como “pensamento crítico.” Após anos de disseminação do tal “pensamento crítico” nos cursos de Humanidades, este jamais foi capaz de expor as causas reais da miséria das massas, do desemprego e como mobilizá-las para a luta revolucionária. Jamais mostrou os caminhos para forjar a aliança sólida entre as massas trabalhadoras e a intelectualidade avançada. Jamais mostrou que apenas a derrubada revolucionária da dominação imperialista e latifundiária em nosso país, a derrubada do sistema capitalista, dirigida pelo proletariado e o povo trabalhador, e a edificação da ditadura do proletariado, serão capazes de levar à verdadeira emancipação das massas. Ao contrário, o tal “pensamento crítico” sempre batalhou tenazmente para ocultar e escamotear esta verdade e impedir o avanço da revolução brasileira. Neste sentido, mesmo o tal “pensamento crítico” cumpre um papel profundamente reacionário. Para construirmos e disseminarmos um verdadeiro pensamento emancipador, uma nova cultura nacional, científica e de massas, deveremos seguir novos (não tão novos, na verdade) caminhos.
Devemos estimular a mais profunda e verdadeira compreensão dos verdadeiros pensadores nacionais como Josué de Castro, Rui Facó, Alberto Passos Guimarães, Nelson Werneck Sodré, Paulo Freire e diversos outros que dedicaram suas vidas a compreender o Brasil e nosso povo. Devemos disseminar ao máximo o estudo das obras revolucionárias de Marx, Engels, Lênin, Stálin e Mao, o socialismo científico, o materialismo dialético e a economia política avançada. Não seremos apenas leitores contundentes, mas devemos principalmente utilizar tais compreensões para nos integrarmos melhor às massas trabalhadoras e suas lutas, e reciprocamente utilizar as lições práticas de tais lutas para forjar melhor nossas próprias concepções teóricas e construir o verdadeiro pensamento crítico e revolucionário, superando todos os nossos vícios muito presentes na intelectualidade estudantil, como a arrogância, soberba, individualismo e desprezo pela capacidade criadora do povo trabalhador. Se avançarmos neste sentido, a atual luta que se desenvolve pela acesso à educação pública superior terá melhores condições de se desenvolver e se espalhar para outras classes além dos setores médios.