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REIMPRESSÕES

Foto do escritorNOVACULTURA.info

Sobre a noção falsa de "Poder Popular" em moda no Brasil


Não queremos de forma alguma repreender a empolgação popular, longe disso. Sabemos que os gritos entusiasmados de “lutar e criar o Poder Popular” já são entoados por grandes parcelas de nosso povo e pela pequena burguesia, particularmente por seus destacamentos mais conscientes e atuantes politicamente, em quase todos os protestos e manifestações das grandes cidades brasileiras, nas favelas e ocupações. Entoar um grito de guerra sobre lutar, criar e consolidar o poder popular é um grito revolucionário, do qual os revolucionários e os verdadeiros comunistas devem se apoderar como sua grande bandeira política. Porém, por detrás dos empolgantes e revolucionários gritos de lutar e criar o poder popular, esconde-se muito perigosamente, em nosso país, uma concepção burguesa não apenas sobre o poder popular, o poder das massas, como também sobre o poder político de maneira geral. Na verdade, é a visão da social-democracia sobre o que é o poder político. Portanto, é absolutamente falsa em nada serve à prática da revolução brasileira, ou talvez somente para entravá-la e confundir os elementos mais conscientes de nosso povo. Vejamos como alguns dirigentes políticos exprimem esta noção reformista sobre o poder popular. Guilherme Boulos, dirigente do Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), assim exprime sua noção errada sobre o que significa o poder popular: “Poder Popular, para nós, tem um significado duplo. É a concepção de que não é pelo poder de Estado que iremos resolver nossos problemas. Não é por meio das vias institucionais, por dentro do Estado, neste sistema político, que conseguiremos resolver. A possibilidade de o povo conquistar direitos e construir, passo a passo, a transformação social no Brasil, é se mobilizando, se organizando, indo para as ruas. Essa é uma dimensão do que entendemos por Poder Popular, como o oposto via do poder de Estado. [...]”, e continua: “O segundo aspecto do Poder Popular é construir formas de atuação e decisão coletivas, por baixo. Vejamos uma ocupação. [...] Quando o MTST ocupa um terreno, a primeira coisa que se faz é organizar as famílias em grupos, dividi-las em grupos menores. [...] O primeiro fato é dividir as pessoas em grupos para que as mesmas possam falar, eleger seus coordenadores, ter seus representantes, que também são destituíveis se o grupo assim preferir. Ter seus espaços coletivos de realização. Cozinha coletiva, primeiro ponto. Numa ocupação, ninguém pode passar fome. Isso para nós é um princípio básico. [...] Assembleias diárias nas ocupações, reuniões de grupos para discutir pequenos problemas. [...] Construir soluções coletivas, para nós, é a construção do Poder Popular.” No ano de 2010, em propaganda eleitoral, Antônio Carlos Mazzeo, dirigente do revisionista “Partido Comunista Brasileiro” (PCBrasileiro), assim expôs sua noção errada sobre poder popular: “O Poder Popular é a organização dos trabalhadores em seus locais de trabalho, moradia e estudo. Os trabalhadores organizam grupos para discutir seus problemas mais urgentes, como saúde, educação e moradia. Organizados em conselhos populares, os trabalhadores poderão pressionar os parlamentares e o governo para que decidam questões fundamentais para a população. Essa é a base do Poder Popular.” Num documento escrito, ao que consta, no ano de 2014, “Construindo o Poder Popular, por um Brasil Socialista”, o também dirigente do revisionista PCBrasileiro, Mauro Luís Iasi, assim expõe sua concepção igualmente errada de Poder Popular: “Uma das condições políticas da alternativa socialista é a unificação da classe trabalhadora. [...] O Poder Popular não pode ser confundido com um conjunto de instituições, como conselhos, assembleias, associações ou qualquer outro organismo ou organização próprios da vida dos trabalhadores, ainda que estes sejam importantes e cumpram funções na luta de classes. O Poder Popular deve constituir-se como forma de dar unidade a esta diversidade das lutas sindicais, sociais e outras, como expressão política de uma alternativa de poder dos trabalhadores contra o Estado Burguês. O Poder Popular já existe no aqui e agora das lutas dos trabalhadores, na luta pela terra e nos assentamentos, na luta urbana por moradia, na luta contra a privatização da saúde e em defesa da educação pública, na resistência contra a violência policial, nas greves e resistências dos trabalhadores nas fábricas e nos diferentes espaços de exploração do trabalho, na luta das mulheres, na resistência dos povos indígenas e quilombolas, na luta contra todas as formas de preconceito. [...]” Logo em seguida, o dirigente faz as seguintes ponderações, porém prosseguindo em suas posições erradas: “No entanto, o Poder Popular ainda não existe pelo fato de que estas iniciativas não se unificam em um programa, nem se apresentam como alternativa de poder. A construção de um Poder Popular por um Brasil Socialista implica em uma ruptura que pode ser combinada ou não com vitórias e embates eleitorais, mas certamente vai além destes, exigindo a auto-organização e a mobilização dos trabalhadores em defesa de seus direitos e de seus interesses históricos.” Tal é a noção errada não de três dirigentes sobre o que significa o Poder Popular, mas a noção que atualmente prevalece em nosso país sobre seu significado. Caso tal noção errada não seja rigorosamente combatida e superada, não poderemos avançar, e o movimento popular de nosso país continuará sofrendo derrotas humilhantes. Se tais noções sobre Poder Popular são erradas, como compreender de forma correta o significado de Poder Popular? Apenas o Marxismo pode dar tal resposta. Para chegarmos ao ponto de explicar o significado de Poder Popular, pensamos ser necessário explicar a noção de poder político e de Estado. O que significa o poder político? O que significa o Estado? Ao contrário do que possamos imaginar, o poder político e o Estado não existiram sempre. Surgiram como reflexo dos interesses dos homens numa determinada etapa de seu desenvolvimento, na qual estes se dividiram em classes antagônicas, inconciliáveis, entre exploradores e explorados. Nesta etapa do desenvolvimento humano, isto é, quando os homens se cindiram em classes antagônicas, observou-se a necessidade de se desenvolver um instrumento, um organismo aparentemente “acima” da sociedade, por fora desta, mas que jamais poderia surgir à margem da mesma sociedade, sem as transformações pelas quais esta vinha passando. O poder político, o Estado, é tal instrumento, tal organismo. Ele não aparece, porém, como um instrumento para “conciliar” os interesses de classes antagônicas, ou como um instrumento “administrativo” para gerenciar uma sociedade crescentemente complexa. Ao contrário, trata-se de instrumento utilizado por uma parcela da sociedade para oprimir e explorar outra parte da sociedade. Como diria Engels, “o Estado é um órgão de dominação de classe.” Na verdade, é o órgão utilizado pelos exploradores, pelos proprietários dos meios de produção, para explorar as massas trabalhadoras de cada sociedade determinada, que não possuem meios de produção. Portanto, não há poder político, em qualquer canto do mundo ou em qualquer época da humanidade, que não pressuponha, sempre, o poder de uma classe historicamente determinada, de uma forma determinada de propriedade sobre os meios de produção e de distribuição dos meios de existência entre as diferentes classes de uma determinada sociedade. Assim sendo, a primeira forma de poder político do Estado que aparece na humanidade é o poder político escravista, o Estado escravista, utilizado pelos escravistas para manter a propriedade sobre os escravos e as terras, para manter o status quo de apropriação, por parte dos escravistas, dos excedentes produzidos pelos escravos. Com a desintegração da sociedade escravista e a ascensão da sociedade feudal, o poder político passou a ser detido pela classe latifundiária, sua criadagem e burocratas (clero, pequenos nobres, beatos, etc.), proprietários das grandes extensões de terras, para oprimir e se apropriar dos excedentes produzidos pelos camponeses, artesãos, comerciantes e até mesmo capitalistas (que então se configuravam como classe oprimida no âmbito da sociedade feudal ou semifeudal). Com a eclosão das revoluções democrático-burguesas que colocaram fim às sobrevivências feudais, desintegram-se tais sociedade feudais e emergem as sociedades capitalistas, com as classes antagônicas básicas de tais sociedades: os capitalistas e os operários. O poder político burguês, capitalista, configura-se como um instrumento dos capitalistas (e nos tempos atuais, dos capitalistas monopolistas, dos grandes conglomerados) para oprimir e se apropriar dos excedentes dos operários e camponeses pobres. Como, porém, mantém-se a opressão dos exploradores sobre os explorados? Seria tão somente pela propriedade sobre os meios de produção, pela apropriação da produção das massas trabalhadoras? Não seria possível para os exploradores manter uma situação na qual uma parte ou a grande maioria de uma sociedade mantém-se na condição de explorada, sem acesso aos meios de produção, e portanto obrigada a trabalhar para os proprietários dos mesmos, sem “algo a mais”, sem um instrumento de coação que mantivesse, pela violência, tal situação na qual os exploradores são exploradores e os explorados são explorados. O fator fundamental e determinante de qualquer poder político, de qualquer forma de Estado, pois, é o monopólio da violência, através da qual as classes dominantes, pela força das armas, dos canhões, espadas, mantêm seu poder político. O monopólio da violência é algo tão importante e determinante para a conformação do poder que, muitas vezes, em diversas passagens de documentos escritos pelos clássicos do Marxismo, ele até mesmo se confunde a noção de poder político. É o que podemos observar quando o Presidente Mao Tsé-Tung estabelece que “o poder político nasce do cano do fuzil”, ou quando Lênin corretamente diz que “a única garantia para a democracia é um fuzil no ombro de cada operário.” Desenvolvendo ainda sua noção sobre poder político, transcreve Lênin, em seu importante documento O Estado e a Revolução, algumas citações de Engels: “‘A segunda característica é a instituição de um poder público, a qual já não coincide diretamente com a população que a si própria se organiza como força armada. Este público especial é necessário porque desde a divisão em classes se tornou impossível uma organização armada espontânea da população. [...] este poder público existe em cada Estado; não consiste meramente de homens armados, mas também de apêndices materiais, prisões e instituições de coação de toda ordem, das quais a sociedade gentílica (de clãs) nada conheceu. [...]’” Prosseguindo, agora com suas próprias palavras: “Sem esta divisão, a ‘organização armada espontânea da população’ distinguir-se-ia pela sua complexidade, pelo elevado nível da sua técnica, etc., da organização primitiva de um bando de macacos armados com paus, ou de homens primitivos ou homens associados na sociedade de clãs, mas tal organização seria possível. Ela é impossível porque a sociedade da civilização está dividida em classes hostis e, além disso, inconciliavelmente hostis, cujo armamento ‘espontâneo’ conduziria a uma luta armada entre elas. Forma-se o Estado; cria-se uma força especial, destacamentos especiais de homens armados, e a cada revolução, ao destruir o aparelho de Estado, mostra-nos uma luta de classes aberta, mostra-nos claramente como a classe dominante se esforça por reconstruir os destacamentos especiais de homens armados, que a servem, como a classe oprimida se esforça para criar uma nova organização, capaz de servir não aos exploradores, mas aos explorados.” Conforme os trechos que aqui transcrevemos, é certo, o Estado, o poder político do Estado, é algo mais que o monopólio da violência. Ele pressupõe não apenas o monopólio da violência (forças armadas, prisões, etc.), mas também todo um conjunto de ordenamentos jurídicos, funcionários públicos, tributações, valores e concepções de mundo que legitimem e justifiquem toda uma situação classista, uma forma de propriedade sobre os meios de produção, de dominação de uma classe sobre a outra, tal como ela se estabelece numa determinada etapa do desenvolvimento humano. Porém, ainda assim, todo este conjunto de funcionários, leis e valores nada seria (ou seria um “gigante de pés de barro”) sem o fator fundamental e preponderante do monopólio da violência, das forças armadas e das prisões. Quem reprimiria eventuais levantes dos explorados contra os exploradores? Quem garante a tal “aplicação da lei”? Nada que não seja o próprio monopólio da violência. Portanto, é possível formularmos uma noção mais ou menos exata do verdadeiro significado de poder político. Poder político nada mais é que o monopólio da violência legitimado por um conjunto de valores, leis e concepções de mundo para manter uma situação classista determinada, uma determinada forma de propriedade sobre os meios de produção que engendra uma situação classista decorrente. Portanto, é possível falarmos num poder escravista, feudal, burguês e até mesmo operário, popular. O poder político é a ditadura de uma classe sobre outra. Portanto, mesmo a forma mais democrática de poder político até então existente, o poder político vermelho (ou o Poder Popular), não pode deixar de ser também uma ditadura. Observemos, aqui, as palavras sábias de Engels, que em seu trabalho Sobre a Autoridade polemiza com os “anti-autoritários”, tão comuns na atual “esquerda” burguesa brasileira: “Mas os anti-autoritários pedem que o Estado político autoritário seja abolido de um golpe, antes mesmo que se tenham destruído as condições sociais que o fizeram nascer. Pedem que o primeiro ato da revolução social seja a abolição da autoridade. Estes senhores alguma vez já viram uma revolução? Uma revolução é certamente a coisa mais autoritária que se possa imaginar, é o ato pelo qual uma parte da população impõe a sua vontade à outra por meio das espingardas, das baionetas e dos canhões, meios autoritários como poucos, e o partido vitorioso, se não quer ser combatido em vão, deve manter o seu poder pelo medo que as suas armas inspiram aos reacionários. A Comuna de Paris teria durado um dia que fosse se não se servisse dessa autoridade do povo armado face aos burgueses? Não será verdade que, pelo contrário, devemos lamentar que não se tenha servido dela suficientemente? Assim, das duas uma: ou os anti-autoritários não sabem o que dizem, e, nesse caso, só semeiam a confusão, ou sabem-no, e, nesse caso, traem o movimento do proletariado. Tanto num caso como noutro, servem à reação.” A noção revisionista e burguesa de poder político, porém, não só obscurece como nega completamente o que de fato significa o poder político. Poder político popular nada tem a ver – como diz Boulos – com uma solidariedade coletiva entre os trabalhadores, com um espaço de discussão política, resolução de problemas entre vizinhos, etc. É algo absurdo, pois de acordo com tal lógica, até mesmo o sindicato mais pelego e reacionário, mas que esteja discutindo política ou sobre um tema relevante para seus filiados, pode ser uma forma de poder político popular. Os pobres urbanos sem-teto que Boulos organiza, por mais heroica e entusiasmadamente que lutem, não estão criando um novo poder político, pois não possuem um monopólio da violência, tampouco estão engendrando um novo tipo de propriedade sobre os meios de produção, rebelde às formas de propriedade burguesas e feudais prevalentes, legitimadas pelo ordenamento jurídico do velho Estado reacionário brasileiro. Trata-se tão somente de uma luta econômica dos trabalhadores, para que melhorem suas condições materiais tornando-se proprietários do teto sob o qual vivem. É verdade que é de enorme importância e muito admirável que, em tais lutas, os trabalhadores construam um senso coletivo, de organização e mobilização, politização e decisão. É até possível dizer que, no estabelecimento do verdadeiro Poder Popular, tal etapa de construção pedagógica de um sentimento coletivo e de luta pode vir a ser uma preparação, mas não é ainda o Poder Popular de fato, e dado que dentre os movimentos de massas brasileiros (com o MTST incluso) não haja uma perspectiva efetivamente revolucionária, de forjar as forças armadas do povo para destruir o poder político burguês-latifundiário e estabelecer de fato o Poder Popular, sequer pode-se dizer que, nos casos dos movimentos de massas brasileiros, tal construção coletiva seja um período de preparação transitório para o Poder Popular. Passa, aliás, a anos-luz disto. Pior ainda, Boulos ainda faz mais uma confusão ao dizer que a construção do Poder Popular é algo que passa “por fora das instituições” e “por fora do Estado”. Evidentemente, passa fora das instituições burguesas, do Estado burguês, mas o Poder Popular, se o é de fato, jamais poderá se manter sem criar seu próprio Estado, sua própria institucionalidade que corresponda às novas condições nas quais o povo já é dono do poder. Mazzeo vulgariza mais a noção de Poder Popular ao dizer que este seria “a organização dos trabalhadores em seus locais de trabalho, moradia e estudo. Os trabalhadores organizam grupos para discutir seus problemas mais urgentes, como saúde, educação e moradia”, e que estas seriam a “base do Poder Popular.” Mesmo a assembleia sindical mais bagunçada torna-se mais um dos exemplos de Poder Popular segundo a concepção revisionista prevalente. Neste sentido, Mazzeo contradiz seu companheiro de Partido, Mauro Iasi, quando este diz que a despeito de o “Poder Popular” já existir “[...] no aqui e agora das lutas dos trabalhadores, na luta pela terra e nos assentamentos, na luta urbana por moradia, na luta contra a privatização da saúde e em defesa da educação pública, na resistência contra a violência policial, nas greves e resistências dos trabalhadores nas fábricas [...]”, o “Poder Popular” não pode “[...] ser confundido com um conjunto de instituições, como conselhos, assembleias, associações ou qualquer outro organismo ou organização próprios da vida dos trabalhadores [...]”. Porém, Mauro Iasi “volta atrás” e considera que estes podem ser o “Poder Popular”, desde que seja uma “[...] forma de dar unidade a esta diversidade das lutas sindicais, sociais e outras, como expressão política de uma alternativa de poder dos trabalhadores contra o Estado Burguês. [...]” Tanto Boulos quanto Mazzeo e Iasi, a despeito de algumas nuances aqui ou acolá, negam o fato fundamental de que o poder político nada mais é que o monopólio da violência, das forças armadas e das prisões, das diferentes formas de coação para manter uma determinada forma de propriedade sobre os meios de produção, que pode servir a esta ou aquela classe. Desta maneira, semeiam confusão, e acabam por enganar – intencionalmente ou não – mesmo os militantes mais dispostos e disciplinados, que a despeito de realmente quererem lutar pelo estabelecimento do verdadeiro Poder Popular, na prática conduzem algo que nada tem a ver com isto. Os verdadeiros exemplos de Poder Popular no passado e atualmente Agora que esclarecemos a noção de poder político, podemos descrever o que de fato significa o Poder Popular, o poder político das massas trabalhadoras, nos países onde este de fato fora estabelecido. Já diz Marx, em seu Crítica ao Programa de Gotha, que “entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista medeia o período da transformação revolucionária da primeira na segunda. A este período corresponde também um período político de transição, cujo Estado não pode ser outro senão a ditadura revolucionária do proletariado.” Assim sendo, as diversas variedades de poder político das massas que existiram em diversos países nada mais são que manifestações peculiares da ditadura revolucionária do proletariado, peculiaridades estas que existem devido às evidentes diferenças políticas, econômicas, culturais, etc. entre os diferentes países que constroem suas revoluções em contextos diferentes. Vejamos aqui, nos diferentes países, como tais construções do Poder Popular se deram. Rússia: O proletariado da Rússia, em razão do atraso deste país, veio a aparecer muito depois que outros países que desenvolveram o capitalismo mais cedo e sob condições mais favoráveis. Sendo assim, nas etapas iniciais de sua luta, o proletariado russo teve que desenvolver sua luta revolucionária não contra a burguesia russa exatamente, mas contra a autocracia czarista e a classe latifundiária local. O proletariado russo formava com a burguesia e outras classes, pois, um bloco contra as classes representantes das sobrevivências do feudalismo. Em 1905, ano em que eclodira a primeira revolução russa, ainda de caráter democrático-burguês, o proletariado preocupa-se em passar à etapa da luta armada revolucionária e organiza uma forma de poder político das massas que ficara conhecida como “ditadura democrática do povo,” representando as diferentes classes sociais que se opunham à autocracia czarista. Era a forma com a qual a ditadura do proletariado manifestava-se de acordo com as particularidades da situação russa. Após a derrota da Revolução de 1905, quando a burguesia russa deserta das fileiras da revolução e passa a formar um bloco político com a autocracia czarista e os latifundiários em razão do receio de que a revolução russa saísse dos limites democrático-burgueses, passam a se gestar entre o proletariado uma forma de poder político diversa, conhecida como “Sovietes”, os Sovietes de operários, camponeses e soldados, sustentados e mantidos pela chamada Guarda Vermelha Operário-Camponesa, as forças armadas do povo. Stálin, em seu Fundamentos do Leninismo, explica sobre como a formação dos Sovietes já está diretamente relacionada à preparação imediata da tomada do poder político pela classe operária, sobre como nas épocas de crise geral do capitalismo, com a passagem deste à sua etapa imperialista, todas as demais organizações da classe operária, como sindicatos, associações, cooperativas, etc. são insuficientes para a luta contra os capitalistas e latifundiários. Neste sentido, a palavra de ordem fundamental da Revolução de Outubro de 1917, “todo o poder aos Sovietes!”, expressava as particularidades russas de tomada do poder político pela classe operária, de estabelecimento do verdadeiro poder popular e derrubada do poder das classes reacionárias de latifundiários e capitalistas. China: Diferentemente da Rússia, na China, o poder político vermelho (Poder Popular) teve condições de se desenvolver e se consolidar em meio ao cerco do poder político branco, isto é, o poder das classes dominantes locais e do imperialismo. Eram as chamadas “regiões libertadas” ou “bases de apoio”. Em tais locais, o Partido Comunista da China, que possuía então como braço armado seu o Exército Vermelho de Operários e Camponeses, à medida que estabelecia o poder democrático-popular como forma particular de ditadura do proletariado, realizava transformações nas formas de propriedade correspondentes ao caráter democrático-nacional, anti-imperialista e anti-feudal da Revolução Chinesa, liquidando as sobrevivências da servidão e da escravidão, conduzindo a reforma agrária, entregando as terras para os camponeses sem-terra ou com pouca terra, respeitando a propriedade da burguesia nacional e da pequena burguesia, etc. Quando, em 1931, o Japão imperialista invadiu a China na região da Manchúria na tentativa de convertê-la em colônia, a ditadura do proletariado na China assumiu a forma do poder político anti-japonês, com o braço armado do Partido Comunista protegendo não só apenas a propriedade dos camponeses, da pequena e média burguesias, como também a propriedade de certos latifundiários que viessem a tomar parte na Guerra de Resistência ao Japão. Em 1949, quando se conquistou o poder político a nível nacional e procedeu-se à fundação da República Popular da China, a ditadura do proletariado chinesa assumiu a forma de ditadura conjunta das classes revolucionárias – proletariado, campesinato, pequena burguesia e burguesia nacional –, que em alguns anos realizou a transição para a ditadura do proletariado sob a forma de ditadura democrático-popular, representando os interesses dos operários e camponeses, sob a hegemonia dos primeiros. Itália: Tal como a Rússia, também a Itália ingressara no caminho do desenvolvimento capitalista muito atrasada em comparação com outros países. Porém, a despeito de seu aparecimento muito tardio, o proletariado italiano conduzira no início do século XX ações muito combativas. Nesta época, desenvolveu-se entre a classe operária italiana, particularmente no norte do país, mais desenvolvido industrialmente, um grande movimento de ocupação de fábricas e usinas, que resultaram na formação do Poder Popular, nos embriões de ditadura do proletariado sob a forma também de poder soviético, Sovietes. Para defender as ocupações nas fábricas e usinas, os operários (sob a direção comunista) formaram a Guarda Vermelha de Operários e Camponeses. No seio dos Sovietes, porém, desenvolviam-se lutas entre as concepções proletárias e as concepções pequeno-burguesas anarquistas, as primeiras em defesa da tomada do poder política a nível nacional, e as segundas de perspectiva de manutenção/retorno às perdidas condições do artesão medieval ou do camponês. A despeito das dissoluções dos Sovietes e das grandes derrotas sentidas pelo movimento operário italiano, este fornecera um grande exemplo de fundação e consolidação do verdadeiro Poder Popular. Brasil: A despeito da grande disposição de luta do povo brasileiro, ansioso pela conformação do Poder Popular, o reformismo sempre tivera um peso enorme no seio do Partido Comunista do Brasil (PCB). Sendo assim, as perspectivas de formação do Poder Popular sempre atravessaram grandes obstáculos. Em meados da década de 1920, quando em São Paulo eclodiam grandes revoltas camponesas contra os latifundiários cafeeiros, houveram tentativas de formação de Sovietes Camponeses, que acabaram não prosperando em razão da enorme confusão de concepções prevalentes. Porém, em meio aos combates da dita Revolução de 1930 (ou, melhor dizendo, “movimento armado de 1930”), o Partido Comunista do Brasil (PCB) lograra formar, por um período muito breve (sendo dissolvido em poucos dias dissolvido), o Soviete de Operários e Soldados de Itaqui, no interior do estado do Rio Grande do Sul. Arthur Ewert, grande combatente comunista e emissário da III Internacional Comunista que viera para o Brasil durante a década de 1930 para auxiliar a Revolução Brasileira, tivera uma larga experiência de auxiliar durante alguns anos o movimento revolucionário da China, e seus conselhos para o então Partido Comunista do Brasil espelhavam muito os exemplos positivos fornecidos pela Revolução Chinesa para o Brasil. Ewert defendera sobre o quão determinante era, para os comunistas, que se integrassem às Ligas Camponesas do Nordeste para estabelecerem o Poder Popular nas regiões rurais, sem hesitarem inclusive de se integrarem aos bandoleiros do que se conhecia como “Cangaço”, em razão da experiência militar que este possuía. Em razão da inexperiência do Partido Comunista do Brasil e da insistência deste em não aceitar as posições corretas de Ewert, numa atitude apressada e subjetivista, o PCB inicia insurreições urbanas por meio da Aliança Nacional Libertadora nas cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro. As duas últimas são vergonhosamente derrotadas, e apenas em Natal a insurreição dirigida pelo PCB, através da ANL, lograra se manter por um breve período de três dias, no qual estabeleceu-se o Poder Popular, a ditadura do proletariado, sob a forma Governo Popular, Nacionalista e Revolucionário. Formação do Poder Popular nas áreas urbanas da Turquia: Nas grandes cidades da Turquia, as favelas e outros bairros periféricos (uma realidade muito prevalente também no Brasil) passam por um processo de gentrificação e especulação imobiliária, com expulsão de seus habitantes para a instalação de shopping centers, apartamentos e condomínios ricos. Neste processo de expulsão, contribui também o controle das favelas e periferias por parte de bandidos, traficantes e agiotas, que massacram a população local. Na luta contra estes maus elementos, o Partido da Frente pela Libertação do Povo (DHKP-C) conduz uma criativa luta armada para expulsá-los dos bairros e favelas e manter a paz nestes locais. Além da luta armada contra os narcotraficantes e agiotas, conduz também a autodefesa da população local contra os ataques da polícia que age a mando dos especuladores imobiliários e também dos traficantes. Neste processo de luta armada, conformam-se os comitês populares locais, que assumem o caráter de um verdadeiro Poder Popular, pertencente às massas trabalhadoras, para a perspectiva de tomada do poder a nível nacional, estendendo-o a todo o país, libertando o povo turco da dominação imperialista, dos grandes capitalistas e latifundiários locais. Filipinas, Índia e Turquia: Nestes três países, combativos partidos Marxista-Leninista-Maoístas conduzem guerras populares contra as classes dominantes locais e o imperialismo, acumulando forças nas áreas rurais, conformando aí o poder político das massas, as chamadas bases de apoio, para então assaltar as cidades, o bastião dos inimigos latifundiários e grandes capitalistas. Respectivamente, o Novo Exército Popular das Filipinas (NEP), o Exército Guerrilheiro de Libertação do Povo da Índia (EGLP) e o Exército de Libertação dos Operários e Camponeses da Turquia (TIKKO) constituem-se como exércitos populares sob o mando de seus respectivos partidos. Ao construírem o Poder Popular nas áreas rurais, levam a cabo as reformas democráticas como a reforma agrária e a industrialização, estabelecem serviços sociais, liquidam maus elementos e bandidos, protegem as populações contra investidas de grandes empresas, mineradoras, latifundiários, etc. Rompamos com a concepção burguesa de Poder Popular, reconstruamos o verdadeiro Partido Comunista do Brasil e lutemos para estabelecer o genuíno Poder Popular, o poder político vermelho Ainda que os revisionistas tentem esconder isto a todo momento, a palavra de ordem de “lutar e criar o Poder Popular” seria vista de forma “esquerdista” por eles caso o sentido da mesma fosse realmente o sentido correto. Falar em lutar e criar o Poder Popular, em última instância, nada mais é que estimular e defender a deflagração de uma guerra revolucionária – armada, sim senhores! – contra o Poder dos grandes capitalistas locais e fazendeiros, lacaios do imperialismo, algo que vai totalmente contra os dogmas e o eleitoralismo daqueles que atualmente levantam tal slogan de forma completamente demagógica e sem qualquer sentido. Devemos ser consequentes, porém. Devemos falar a verdade ao povo trabalhador. Para lutar de forma consequente e criar o verdadeiro Poder Popular, a classe operária e o povo brasileiro devem forjar e consolidar os três instrumentos fundamentais da Revolução – o Partido Comunista, o Exército Popular e a Frente Única de classes revolucionárias –, estabelecer a hegemonia proletária sobre os camponeses e demais trabalhadores, lutar efetivamente contra o poder político burguês-latifundiário e avançar a Revolução. É não só necessário como imprescindível que os comunistas se esforcem para fundar e consolidar o Poder Popular, o poder político vermelho, mesmo em meio ao cerco e ao mar do poder político branco. É uma tarefa histórica diante da qual não podemos vacilar mesmo diante da prevalência de concepções erradas sobre o que realmente significa poder popular. Ao trabalho e viva à luta para conformar o verdadeiro Poder Popular.

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