"Repressão, pobreza e guerra: 5 anos do golpe de estado na Ucrânia"
Cinco anos se passaram desde que o governo Obama ajudou a derrubar o presidente eleito da Ucrânia em Fevereiro de 2014 e instalou em seu lugar uma ditadura de extrema-direita leal a Washington. Hoje, o governo Trump está tentando realizar um regime similar na Venezuela.
Nos anos 1990, a dissolução da União Soviética e a restauração capitalista causou enormes dificuldades à classe trabalhadora na Ucrânia e em todas as ex-repúblicas soviéticas.
O que trouxeram estes últimos cinco anos ao povo ucraniano?
Atualmente, os trabalhadores estão mais pobres que nunca graças às medidas de austeridade do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, cujos empréstimos mantém o atual regime de pé.
Os preços dos serviços e aquecimento estão no teto. Mais e mais pessoas, especialmente jovens trabalhadores, são forçados a migrar para outros países em busca de trabalho.
As privatizações aceleraram, com companhias do agronegócio e energia dos EUA e da Europa Ocidental entre as maiores beneficiárias. Energoatom, a empresa que supervisiona empresas nucleares na Ucrânia, conseguiu um financiamento de Washington para construir uma instalação de armazenamento de lixo nuclear – amplamente vista como um precursor para transformar o centro e o leste da Ucrânia num depósito de lixo tóxico da OTAN após a Alemanha rejeitar tal honra.
Quem supervisionou essas “reformas” brutais? Ninguém menos que o vice-presidente democrata Joe Biden, que serviu como um virtual governador colonial da Ucrânia de 2014 até 2016. Hoje, Biden é cogitado como um possível adversário “progressista” de Donald Trump em 2020.
Repressão desenfreada
A atividade sindical independente é reprimida, assim como as organizações de trabalhadores.
O Partido Comunista da Ucrânia, uma das maiores organizações políticas do país, não pode estar nas urnas para as eleições presidenciais desta primavera, apesar de uma lei proibir completamente o partido ainda estar sob apelação. Seus símbolos são proibidos e seus apoiadores, mesmo os idosos, enfrentam ataques violentos quando se reúnem em público.
Struggle-La Lucha conversou com Alexey Albu, um ex-deputado do Conselho Regional de Odessa e líder da organização revolucionária marxista Borotba(Luta), que é proibida na Ucrânia. Albu foi forçado a deixar o país sob ameaças de morte em Maio de 2014. Ele vem trabalhando no exílio pela libertação da Ucrânia há quase 5 anos.
De acordo com Albu, o número de prisioneiros políticos na Ucrânia chegou aos 1.500 em 2015. Os números têm caído desde então, embora os números objetivos ainda estejam indisponíveis. Muitos prisioneiros foram deportados ou trocados por tropas ucranianas capturadas no Donbass; alguns foram absolvidos e outros fizeram acordos depois de serem desmoralizados. Mas as prisões de esquerdistas, jornalistas e outros oponentes do regime ainda são frequentes.
A Ucrânia tornou-se uma autêntica base da OTAN, aliança militar dominada pelos EUA. A OTAN arma, treina e aconselha o país na sua guerra criminosa contra o povo da região do Donbass. Isso incluí batalhões neonazistas incorporados de forma “oficial” na estrutura das forças armadas.
O presidente Petro Poroshenko prometeu consagrar a adesão à OTAN na Constituição ucraniana se ele for reeleito este ano, como é amplamente esperado.
Modelo de “mudança de regime”
O movimento Euromaidan, a face pública do violento golpe que se chamou de “Revolução da Dignidade”, seguiu um padrão familiar ao observado hoje na campanha contra o governo Bolivariano da Venezuela.
As mesmas palavras sobre um “movimento democrático” versus “ditadura”, demonização de líderes estrangeiros e seus aliados, as lágrimas de crocodilo pelo sofrimento das pessoas comuns; estava tudo em jogo.
Por anos, governos republicanos e democratas em Washington buscaram alianças com oligarcas locais ávidos por melhores laços econômicos com o Ocidente, que estavam dispostos a abrir o país para a dominação econômica, política e militar dos EUA, e para ajudar na campanha dos EUA a isolar o histórico parceiro comercial ucraniano, a Rússia. Assim, eles pressionam as autoridades ucranianas para seguirem o seu programa ocidental.
Estudantes e intelectuais das classes abastadas ucranianas, e aqueles que formam parte da diáspora ucraniana, foram treinados nos métodos de “mudança de regime”, incluindo manipulação da retórica ocidental dos “direitos humanos” e em mídias sociais. E Washington coordenou de perto com a ala da direita neonazista, há muito tempo cultivada nos EUA e no Canadá durante o período soviético, que agora voltam à cena após a queda da URSS.
Flexionando seus músculos de “intervenção humanitária” ao máximo, Washington impulsionou organizações não-governamentais “progressistas” aprovadas pelo Ocidente como a face do movimento Euromaidan. Porém, atualmente quando mulheres tentam marchar contra a violência doméstica desenfreada ou a comunidade LGBT organiza eventos em Kiev, elas são rapidamente suprimidas pelas forças de segurança e gangues neonazistas — as quais foram o verdadeiro núcleo do golpe de 2014.
É um padrão de manipulação e desinformação que visa confundir a opinião pública em geral e o movimento progressista em particular, tanto no país visado quanto no estrangeiro, e usado muitas vezes no último quarto de século, da Iugoslávia à Líbia, da Nicarágua à Síria — e, obviamente, na Venezuela.
Bombas ainda estão caindo
No dia 18 de Fevereiro, três bombas explodiram no centro de Donetsk, capital da República Popular de Donetsk. As explosões aconteceram perto de escritórios governamentais e da sede da missão da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), que deveria monitorar as violações de trégua. Durante a noite, vilarejos da fronteira da República enfrentaram intensos bombardeios de unidades militares ucranianas.
A guerra contra Donetsk e Lugansk, iniciada por Kiev pouco depois do golpe de Estado há cinco anos, continua. Embora os combates mais ferozes tenham terminado depois que as tropas ucranianas foram derrotadas na operação de Debaltsevo, em fevereiro de 2015, os civis continuam morrendo, e casas, escolas e hospitais continuam sendo bombardeados. As ações terroristas ucranianas aumentaram no ano passado, incluindo o assassinato do líder de Donetsk, Alexander Zakharchenko, no verão passado.
De acordo com o último relatório da Missão de Monitoramento de Direitos Humanos da ONU, de Abril de 2014 até o final de 2018 cerca de 12.800 a 13.000 pessoas foram mortas na guerra. Porém muitas pessoas acreditam que os números sejam ainda maiores. Em 2015, um relatório vazado do serviço de inteligência alemão estimou um número de 50.000 mortos.
Levante Antifascista
Embora a competição geopolítica e econômica tenha sustentado a divisão da Ucrânia, o ódio à Rússia e aos ucranianos falantes de russo, bem como outras minorias nacionais, foi o combustível que a direita usou para impulsionar seu golpe de 2014. Os falantes de russo compõem a maioria da população no leste do país, da qual sua composição é de maioria da classe trabalhadora e onde as tradições antifascistas e internacionalistas dos tempos soviéticos permanecem fortes.
Muitas dessas cidades do leste sublevaram-se em resistência contra o golpe pró-EUA. A Crimeia, lar de uma base naval cobiçada pelos EUA, votou para deixar a Ucrânia e voltar à Rússia. Moradores da região mineradora de Donbass tomaram prédios do governo e declararam independência. Um referendo popular em maio de 2014 aprovou esmagadoramente a independência da atual Ucrânia aliada dos EUA, criando as repúblicas antifascistas de Donetsk e Lugansk.
A Ucrânia iniciou uma guerra contra o Donbass mesmo antes da votação da independência. E esta guerra não parou por um único dia, apesar de um acordo de paz – mediado pela Alemanha, França e Rússia em 2015 – chamado de Acordo de Minsk. As forças de Kiev violam o lado militar deste acordo diariamente, enquanto o governo se recusou a promulgar as medidas políticas que garantiriam algumas proteções a Donetsk e Lugansk.
O bloqueio econômico é outro componente da guerra em andamento contra os moradores de Donetsk e Lugansk. A única rota disponível para o comércio de alimentos, medicamentos e outros itens essenciais é através da Rússia. Qualquer empresa ou indivíduo que negocie com as repúblicas está sujeito às sanções americanas e européias, além de se tornar um alvo para os fascistas. E a própria Rússia foi sujeita a sanções mais rigorosas.
A ascensão do fascismo e da supremacia branca
Este 2 de maio marcará cinco anos desde uma das piores atrocidades do golpe ucraniano: o massacre de Odessa, quando cerca de 50 antifascistas foram queimados, baleados e espancados até a morte por uma multidão fascista naquela cidade portuária.
Membros da família e amigos ainda se reúnem no segundo dia de cada mês para comemorar os que caíram do lado de fora da Casa dos Sindicatos, apesar de frequentes ataques da polícia e dos fascistas.
Todo mundo sabe sobre o crescimento de organizações supremacistas brancas e fascistas e dos atos violentos nos EUA e na Europa Ocidental nestes últimos cinco anos. Como isso está ligado ao golpe na Ucrânia e a outras operações de mudança de regime imperialistas?
No ano passado, um grupo armado de supremacistas brancos, os quais participaram dos eventos de Charlottesville que mataram a antifascista Heather Heyer, foram indiciados na Califórnia. Dentre os detalhes das suas fichas criminais constava: treinamento com o batalhão neonazista de Azov na Ucrânia.
Isto é mais do que um caso isolado de reação. Ao longo de muitos anos, os Estados Unidos exportaram e apoiaram a violência fascista mundo afora, para manter os lucros do Império, e ela inevitavelmente encontrou seu caminho de volta para casa. Como disse Dr. Martin Luther King Jr. durante a Guerra do Vietnã, as bombas lançadas em outros países também explodem aqui.
Nas próximas semanas, Struggle-La Lucha publicará* uma série de entrevistas com ativistas, milicianos e líderes políticos, explorando os efeitos dos últimos cinco anos sobre os trabalhadores da Ucrânia e as repúblicas Donbass, exilados políticos, mulheres, jovens e outros. Essas vozes dos antifascistas ucranianos não só ajudarão a expor a realidade oculta por Washington e os meios de comunicação de massa, mas também poderão oferecer lições importantes para nossa própria luta contra o ultradireita e o imperialismo.
Escrito por Greg Butterfield [1]
Traduzido por Leonardo Justino e publicado originalmente pela revistaopera.com.br
*As entrevistas serão também traduzidas e disponibilizadas na Revista Opera
Nota
[1] Greg Butterfield é o coordenador do Solidariedade com a Novarússia & Antifascistas na Ucrânia. Ele tem escrito extensivamente sobre os desenvolvimentos na Ucrânia e Donbass desde 2014. Em setembro de 2014, ele visitou a Criméia para se encontrar com ativistas ucranianos exilados; quando ele tentou visitar a cidade de Kharkov, no leste da Ucrânia, foi deportado sob a mira de uma arma. Em 2016, ele foi para Donetsk e Lugansk, participando de uma conferência antifascista e visitando a milícia popular perto da linha de frente. Muitos de seus artigos e traduções podem ser encontrados no Red Star Over Donbass.