Mariana e Brumadinho: crimes do imperialismo
Algumas reflexões sobre a destrutividade do capital em sua fase monopolista
O crime cometido pela Vale S/A em Brumadinho-MG, de proporções gigantescas, desde o ponto de vista da promoção do genocídio humano até a forma mais aguda de degradação ambiental vem gerando significativa comoção popular e vem suscitando debates e reflexões (ainda insuficientemente popularizada) acerca da representação da atividade mineraria no papel exercido pelo Brasil na divisão internacional do trabalho, na qualidade de uma semicolônia.
A lógica da atividade mineraria no Brasil obedece a lógica de acumulação de capital de transnacionais que atuam no processo de exportação de commodities, assim as formas e intensidade de exploração são determinadas pela dinâmica do mercado internacional. Este contexto coloca em risco a questão social e ambiental dos territórios onde existem atividades de mineração, assim estabelece-se um potencial destruidor significativo (Nota de pesquisadores/as sobre o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho – MG, 2019). O crime cometido pela Vale S/A em Brumadinho e sua co-responsabilidade (junto com a BHP Billiton) em Mariana é a síntese de um processo de aprofundamento da exploração dos recursos naturais e humanos pautado sob o caráter destrutivo oriunda da atividade de extração mineraria impostas as economias subservientes aos interesses imperialistas.
Esse aprofundamento está estreitamente ligado ao papel que o Brasil ocupa na divisão internacional do trabalho em um período de aguda crise do sistema de produção e reprodução capitalistas. O aprofundamento em questão também é convergente a um processo de avanço contra direitos trabalhistas e uma ofensiva privatista em relação as empresas estatais que, com este contexto, tem como consequência inevitável, a inviabilidade de construção de um projeto de nação soberana e que contraponha o imperialismo na medida em que avança no sentido de ruptura com as bases do colonialismo imperialista.
A mineração como atividade econômica e de intercambio entre o homem e a natureza nos remete a uma prática existente desde o período da assim chamada acumulação primitiva (MARX, 2013). Mas o processo de extração mineral ganhou relevância nas formas de produção e reprodução no período capitalista como sistema hegemônico, a partir da concretização da revolução industrial. No contexto de avanço do desenvolvimento capitalista, temos nas Américas colonizadas a atividade mineraria promovida pelo saque dos países colonizadores (Portugal, Espanha, França e Holanda), como prioridade do sistema produtivo das colônias para sustentação do mercado europeu e, principalmente, da Inglaterra. Assim, identificamos as primeiras expressões da definição do caráter subalterno dos países latino americanos. Com o desenvolvimento capitalista ao longo dos séculos XIX e XX, se intensificou a rapina sob controle dos países neocolonizadores e imperialistas (PINASSÍ, 2012). Em linhas gerais, o Brasil, enquanto país semifeudal e semicolonial na configuração do atual capitalismo financeirizado e imperialista, se submete a esta lógica predatória da mineração como meio de sustentação de sua economia baseada na exportação de commodities.
Historicamente, a atividade de mineração, na América do Sul, vem se expandindo. No Brasil, tal expansão se deu de maneira expressiva. Julianna Malerba, ao expor o desenvolvimento do setor entre os anos de 2000 e 2010, verifica um crescimento de 500% e, com operações minerais, na casa dos 20 bilhões de reais em 2004. Já em 2011, com um salto significativo, ultrapassaram-se os R$ 85 bilhões. Com particular destaque para os estados de Minas Gerais e Pará, com novas minas de bauxita, cobre, manganês, níquel e, principalmente, a extração do minério de ferro, com a perspectiva de triplicar a produção até 2030, alcançando a casa de 1 bilhão de toneladas/ano de capacidade produtiva (MALERBA, 2015, p. 78). O processo em curso evidencia o caráter estratégico para os governos Bolsonaro e Zema (MG), demonstrando a característica peculiar de dependência das economias da periferia do capitalismo, apostando sua sorte no fornecimento de commodities para países que ocupam o espaço de potências imperialistas na estrutura do capital.
Seguindo a análise desenvolvida por Julianna Malerba (2015), ao consultarmos informações sobre a capacidade de exportação mineral brasileira entre os anos de 2000 e 2010 veremos praticamente duplicar de 163 milhões de toneladas para 321 milhões de toneladas exportadas. Milanez expôs essa questão da seguinte forma[...] em termos econômicos, essa variação representou um aumento de US$ 3,2 bilhões (5,9 das exportações) para US$ 30,8 bilhões (15,3% das exportações) (MILANEZ Apud MALERBA, 2015, p. 19).
Este avanço do processo de extração mineraria culminou em uma forma de expectativa de acesso - principalmente em trabalhadores rurais em situação de desemprego - a emprego e melhores condições de vida. O que, por sua vez, faz com que aconteça um grande fluxo migratório para as regiões que existam atividades de extração mineral. A situação de migração cria um grande exército de trabalhadores que, ao contrário de sua perspectiva inicial, se tornam precarizados e que sobrevivem sob a lógica da superexploração do trabalho, submetidos a relações até pré-capitalistas no processo produtivo. Em outras palavras, tais peculiaridades da economia latinoamericana em comparação ao modo de produção capitalista clássico, as vezes se apresentando como insuficiências ou até deformações se comparado ao capitalismo dos países imperialistas; no entanto, não se trata de uma anomalia ou insuficiência de ordem do desenvolvimento próprio do capitalismo brasileiro; diz respeito ao papel cumprido pelo Brasil na estrutura desigual do desenvolvimento capitalista em sua fase imperialista. Portanto, não é absurdo nos variados estudos sobre a América Latina noções como a de “pré-capitalismo”, ou seja, de identificação da submissão de trabalhadores e trabalhadoras em condições que não correspondem as formas de venda da força de trabalho por meio do assalariamento impostas pelo capitalismo moderno em linhas gerais. Tais desigualdades observadas no exame da contradição capital e trabalho, nos leva a identificação destas relações produtivas como instrumento do imperialismo para maximizar sua capacidade de acumulação de capital nas colônias e semicolônias.
Como demonstra o exemplo trazido pela professora Maria Orlando Pinassí (2012):
El Estado de Pará registró en 2008 cerca de 150 mil niños trabajadores, muchos de los cuales laboraban en actividades de alto riesgo, como en los hornos de carbón: “Los trabajadores, como ejemplo de lo que sucede en las demás carboneras visitadas, cuando procesan el carbón vierten agua en las brasas incandescentes y van retirándolo gradualmente; sus trajes están formados por bermudas, camisetas, sandalias de goma y como herramienta usan apenas una especie de pala. La temperatura en la boca del horno o caldera es de aproximadamente 70° y, como los trabajadores entran y salen, cambian constantemente de temperatura. Algunos se mojan para soportar el calor. Varios llevan cicatrices de quemaduras” (PINASSÍ, 2012, não paginado).
Este contexto aplicado a lógica da atividade de mineração impõem que, por conta da própria situação de miséria destes trabalhadores, se vêem obrigados a se submeter a todas as formas de exploração por parte das mineradoras; o exemplo da Vale S/A, mais uma vez, evidencia a questão:
Estamos hablando de la expropriación violenta de tierras de indígenas, campesinos y comunidades tradicionales, que estaban dedicadas a la agricultura, a la extracción y a la pesca; pero también de una devastación socioambiental irreversible, de la utilización recurrente del trabajo esclavo e infantil, y de la explotación sexual de menores (PINASSÍ, 2012, não paginado).
A forma que o imperialismo encontrou para manutenção de sua taxa de lucratividade e, até mesmo, o aumento ainda que em contexto de crise, no que tange à atividade de extração mineral, no Brasil, efetivou-se por meio da intensificação do processo produtivo e diminuição dos custos. Esse processo foi determinante para o aumento da precarização das condições de trabalho do proletariado que trabalha no setor. As contradições vêm se aprofundando desde a crise financeira de 2008 [1] sobretudo a partir de 2013, com a sensível diminuição da demanda global por minérios, baixando seu valor de US$ 179, em 2011, para US$ 68 e, em convergência, com a diminuição das exportações minerais para o principal parceiro comercial no ramo, a China. No que se refere ao preço nominal da tonelada do minério de ferro, que em 2011 estava em US$ 179, caiu para US$ 68, em janeiro de 2015.
Derivado deste contexto, faz-se mais sentida a presença do capital financeirizado no processo de expansão do nível de endividamento das corporações, o que impele a um processo de aumento da necessidade de retorno da rentabilidade para os acionistas. Este processo foi determinante para intensificação da atividade de extração, aumentando sensivelmente os riscos para o proletariado e os danos ao meio ambiente. O que nos traz um contexto fundamental para se analisar. A queda da demanda por minérios em contexto geral sem implicar na diminuição do parâmetro de exigência de acumulação capitalista das corporações monopolistas envolvidas com atividade de mineração produz uma contradição aguda, ou seja, cria uma cadeia de implicações que tornam precárias, portanto perigosas, as formas e padrões da atividade de extração mineraria das grandes mineradoras. Em outras palavras, o que aconteceu em Mariana e Brumadinho, ambos municípios que compõem o estado de Minas Gerais, não foram crimes isolados de uma forma predatória particular de extração mineral guardadas as responsabilidades de empresas que não tiveram o necessário compromisso com a segurança exigida pela atividade. O que vimos nesses dois casos é o modus operandi da mineração em nações colonizadas pelo imperialismo, que submetem ao processo extrativo, sob o contexto de crise de proporções agudas do sistema capitalista, meios de intensificação da exploração do trabalho (como a terceirização, por exemplo) aliado a um processo de aprofundamento da exploração dos recursos naturais como forma de combater a tendência a queda das taxas de lucro e viabilizar a expansão da capacidade de acúmulo de capital.
Como exemplo deste contexto, em novembro de 2015, acontece o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco/Vale/BHP em Mariana – MG como expressão concreta dessa tendência a queda da taxa de lucro - em meio a uma crise do sistema capitalista – e a tentativa de compensação a partir da intensificação da capacidade extrativa. O processo de endividamento da mineradora foi determinante para a tragédia, principalmente entre os anos de 2013 e 2014, com o significativo aumento de 29% de sua dívida, segundo informações da intelectual Julianna Malerba (2015). A resposta ao processo de endividamento da Samarco/Vale/BHP foi a implementação de uma política de terceirização da força de trabalho aliada a intensificação da exploração dos recursos naturais, com destaque para utilização de água e produção de rejeitos.
Esta forma de atividade produtiva só pode ser reservada as colônias e semicolônias, pois é próprio do capitalismo monopolista expandir seu domínio a países do Terceiro Mundo, a partir da exportação de capital e da particular debilidade destas nações no que diz respeito ao seu desenvolvimento interno, para garantir margens de acumulação de capital cada vez maiores. Isso incentivado pela base da desigualdade, específica do desenvolvimento capitalista, como nos situa Lenin:
Naturalmente, se o capitalismo pudesse desenvolver a agricultura, que hoje em dia se encontra em toda a parte enormemente atrasada em relação à indústria; se pudesse elevar o nível de vida das massas populares, que continuam marcadas – apesar do vertiginosos progresso da técnica – por uma vida de subalimentação e de miséria, não haveria motivo para falar de um excedente de capital. Este é o “argumento” que os críticos pequeno-burgueses do capitalismo esgrimem sem parar. Mas então o capitalismo deixaria de ser capitalismo, pois o desenvolvimento desigual e a subalimentação das massas são as condições e as premissas básicas e inevitáveis deste modo de produção. Enquanto capitalismo for capitalismo, o excedente de capital não é consagrado à elevação do nível de vida das massas do país, pois isso significaria a diminuição dos lucros capitalistas, mas ao aumento desses lucros através da exportação de capitais para o estrangeiro, para os países atrasados. Nestes, o lucro é em geral elevado, pois os capitais são escassos, o preço da terra e os salários, relativamente baixos, e as matérias-primas,baratas (LENIN, 2012, p.94).
Retorno ao contexto mais generalizado em relação a mineração, ainda cabem mais alguns apontamentos. Bom, para além de submeter por meio da expansão irracional da atividade de mineração o proletariado a condições de superexploração do trabalho, é importante salientar como tais atividades esgotam os recursos naturais, com particular atenção, mais uma vez, para o papel que ocupa a água no processo de beneficiamento mineral e energia.
A Albrás, segunda maior fábrica de alumínio do Brasil, instalada em Barcarena (PA), consome a mesma quantidade de energia elétrica de Belém e Manaus, respondendo sozinha a 1,5% do consumo de energia elétrica do país, com seus 200 milhões de habitantes (PINTO Apud MALERBA, 2015, p.80).
Este processo de esgotamento dos recursos naturais convergente ao processo de precarização e superexploração do trabalho, em um ciclo produtivo que trás consigo a deterioração socioambiental no local em que empreende suas atividades, tem sua legitimação legal chancelada pela Portaria GM/MME nº121, de 08 de fevereiro de 2011, que aprova o Plano Nacional de Mineração 2030 (PNM 2030).
O Plano apresenta diretrizes de caráter geral para as áreas de geologia, recursos minerais, mineração e transformação mineral, se estendendo até metalurgia. A transformação mineral, que é a primeira etapa da industrialização mineral, é o elemento inovador do PNM 2030. O objetivo deste processo é acabar com os entraves produtivos da atividade mineraria, exigindo do Estado um papel mais significante na garantia do aumento da competitividade do setor, assim propiciando um mercado mais atrativo aos capitais interessados em investimentos desta natureza, nesse sentido, se estabelece o novo marco regulatório da mineração. Em relação ao meio ambiente, não temos mudanças profundas, assim tendo uma regulamentação frágil e incapaz de contrapor as demandas destrutivas do setor (NASSER e FIRMIANO, 2016).
Na atual conjuntura, a atividade de mineração serve como termômetro para medirmos o nível de intensificação da exploração do trabalho e de recursos naturais. Dentro deste contexto é possível perceber a base que se assenta toda capacidade destrutiva do capital em meio a uma crise de ordem global. Em síntese, no processo de expansão da atividade de extração mineral, da forma como se dá atualmente nas periferias do mundo, a exemplo do Brasil, se expressa a característica “autofágica” do capital, expondo as contradições mais agudas no que se refere a contradição entre capital e trabalho e a degradação socioambiental (PINASSI, 2012).
As necessidades oriundas do capital e sua inviabilidade histórica de expansão têm na atividade de exploração mineral a tradução de maneira concreta da capacidade destrutiva da produção capitalista, com a necessidade de intensificação da exploração do trabalho e dos recursos naturais como resposta a crise do capital.
Brumadinho e Mariana, sob uma lógica de mineração que tem em sua ótica a exploração dos recursos e povos das colônias e semicolônias como instrumento de maximização da capacidade de acúmulo e, consequentemente, da expansão do capitalismo imperialista, simboliza o processo de avanço imperialista contra os países colonizados para responder a sua sanha de acumulação, agravado por uma crise de proporções colossais para o sistema. Brumadinho e Mariana não são, de forma alguma, uma exceção a regra que determina as formas de extração mineral no Brasil; são, na verdade, a concretude da própria regra.
O imperialismo mostra suas fissuras e sua decadência, cabe aos povos em luta resistirem e avançarem contra esse domínio caduco, mas que não cairá de podre.
Por Cássio Renato de Lima
Nota
A crise financeira de 2008 talvez seja a mais aguda desde a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. Foi deflagrada nos EUA após estourar a bolha especulativa do mercado imobiliário, no entanto, marcada por um processo de aprofundamento, implicando o conjunto do sistema capitalista até os dias atuais.
Referências
LENIN, Vladimir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. São Paulo: Expressão Popular, 2012. Miguel Makoto Cavalcanti Yoshida
MALERBA, Julianna. Mineração e questão agrária: as reconfigurações da luta pela terra quando a disputa pelo solo se dá a partir do subsolo. Conflitos no Campo Brasil 2015, Goiânia, p.78-83, abr. 2016. Anual.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I> o processo de produção do capital. [tradução: Rubens Enderle]. São Paulo: Boitempo, 2013.
CARVALHO, Beni. BRUMADINHO, O MODELO MINERAL MATA. 2019. Militante do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – MAM. Disponível em: <http://mamnacional.org.br/2019/02/13/brumadinho-o-modelo-mineral-mata/>. Acesso em: 20 fev. 2019.
NASSER, Pedro Ivo ; FIRMIANO, F. D. . O Plano Nacional de mineração 2030 e a estratégia neodesenvolvimentista brasileira. In: Otávio Luiz Machado. (Org.). Universidade de Ideias. 1ed.Frutal: Prospectiva, 2016, v. 1, p. 389-437.
Nota de pesquisadores/as sobre o rompimento da barragem de rejeitos em
Brumadinho - MG. data. Portal MAM Nacional.
Disponível em: http://mamnacional.org.br/2019/01/29/nota-de-pesquisadoresas-sobre-o-rompimento-da-barragem-de-rejeitos-em-brumadinho-mg/?fbclid=IwAR0umOcRLRxibB8M7fkmAFnF37s3afZAGjHQ5OAlI7CssKgxjJUY-a8PQFo.
Acesso em: 01 / Mar 2019
PINASSI, Maria Orlanda; CRUZ NETO, Raimundo Gomes. La minería y la lógica de producción destructiva en la Amazonía brasileña. Revista Herramienta no. 51, año XVI, octubre de 2012. Disponível em: https://www.herramienta.com.ar/articulo.php?id=1807; Acesso em: Fev 2019.
por Cássio Lima