"Sobre o desenvolvimento criativo de Vigotski"
Na presente Obras Escolhidas, são apresentados pela primeira vez os principais trabalhos do eminente psicólogo soviético Lev Semenovitch Vigotski com suficiente completude. Vigotski foi um escritor prolífico: em menos de 10 anos de atividade como psicólogo ele escreveu cerca de 180 trabalhos. Destes, 135 foram publicados e 45 esperam publicação. Muitas das publicações de Vigotski se tornaram raridades bibliográficas.
Não somente psicólogos, mas também representantes das humanidades — filósofos, linguistas etc. — apontaram a necessidade de uma nova edição dos trabalhos de Vigotski. Nenhum desses acadêmicos consideram seus trabalhos como pertencentes à história. Hoje, mais do que nunca, eles se voltam aos trabalhos de Vigotski. Suas ideias se tornaram tão firmemente estabelecidas na psicologia científica que elas são mencionadas como sendo usualmente conhecidas, sem referência aos trabalhos correspondentes ou sem ao menos mencionar o nome de Vigotski.
Essa é a situação não somente na psicologia soviética, mas também na psicologia internacional. Em anos recentes os trabalhos de Vigotski foram traduzidos em inglês, francês, alemão, italiano, japonês e outras linguagens. E no exterior ele também não é uma figura histórica, mas um investigador contemporâneo, vivo.
Pode-se dizer que o destino científico de Vigotski se desenvolveu felizmente e inusitadamente para o século XX, que é caracterizado pelos desenvolvimentos científicos tempestuosos em que muitas ideias já estão obsoletas um dia depois que foram expressas. A psicologia não é, naturalmente, exceção aqui e dificilmente encontraremos investigações concretas na psicologia internacional do século XX que reteve toda sua atualidade 45-50 anos depois que foram publicadas.
A fim de entender o "fenômeno Vigotski”, a excepcionalidade de seu destino científico, é essencial apontar para dois aspectos de seu trabalho criativo. Por um lado, existem os fatos concretos, os métodos concretos e hipóteses de Vigotski e seus colaboradores. Muitos desses métodos e hipóteses foram brilhantemente confirmadas e foram posteriormente desenvolvidas nos trabalhos de psicólogos contemporâneos. Os métodos elaborados por Vigotski, os fatos que encontrou, são considerados clássicos. Eles se tornaram partes componentes muito importantes da base da psicologia científica. E aqui a psicologia contemporânea, tendo confirmado o pensamento de Vigotski e se apoiando nele, foi mais além no plano dos fatos, métodos e hipóteses etc. Mas, por outro lado, existe ainda outro aspecto no trabalho criativo de Vigotski — um aspecto metodológico teórico. Sendo um dos maiores psicólogos teóricos do século XX, ele estava realmente décadas a frente de seu tempo. E a atualidade dos trabalhos de Vigotski reside no plano metodológico teórico. É por isso que nós não devemos falar sobre suas concepções como se elas fossem de alguma forma completas. Suas investigações concretas foram somente o primeiro estágio na realização de seu programa metodológico teórico.
1
O trabalho criativo de Vigotski foi, primeiro de tudo, determinado pela época em que ele viveu e trabalhou, a era da Grande Revolução Socialista de Outubro.
A reforma profunda e decisiva que a revolução introduziu na psicologia científica não ocorreu imediatamente. Como é bem conhecido, um espírito do idealismo impregnou a psicologia científica oficial cultivada nas universidades e ginásios pré-revolucionários, apesar das poderosas tendências democráticas revolucionárias e materialistas na filosofia e psicologia russa. Além disso, a partir do ponto de vista científico elas ficaram significantemente atrás da psicologia científica dos principais países europeus (Alemanha, França) e os Estados Unidos. Reconhecidamente, por volta da virada do século muitos laboratórios experimentais evoluíram na Rússia, e em 1912 o primeiro Instituto de Psicologia do país foi criado na Universidade de Moscou através da iniciativa de Chelpanov. Mas a produção científica desses centros era baixa e seu conteúdo em muitos casos não muito original.
Realmente, no começo do século XX na Europa nasceram novas escolas psicológicas tais como a psicanálise, psicologia Gestalt, a escola Würzburg etc. A psicologia empírica subjetiva tradicional da consciência obviamente deu em nada. Nos Estados Unidos surgiu uma corrente (para a época radical) na psicologia — behaviorismo. A psicologia científica internacional estava em frenesi; durou um excruciante e intenso período. Nos mesmos anos Chelpanov e seus colaboradores estavam ocupados lidando com a replicação dos experimentos executados pela escola wundtiana. Para eles as últimas notícias ainda eram os trabalhos de James. Em uma palavra, eles estavam na periferia da psicologia internacional e não sentiram toda a intensidade da crise que tomou conta dela. Eles perderam o contato com os problemas mais importantes da teoria psicológica. A psicologia na Rússia existiu como uma ciência universitária estreitamente acadêmica sobre as aplicações práticas do que era inconcebível falar. E isso em uma época em que a Europa e os Estados Unidos a psicologia aplicada ou psicotécnicas estava rapidamente se desenvolvendo, a psicologia médica dava os primeiros passos etc.
A revolução trouxe mudanças radicais para a psicologia científica. A psicologia foi forçada a regenerar em todos os aspectos, em sua essência. Uma nova ciência teve que se desenvolver ao invés da velha psicologia dentro de um pequeno espaço de tempo.
O primeiro requisito para a psicologia científica foi ditado pela vida do próprio país, um país destruído e arruinado pela guerra. Foi o requisito de proceder à análise dos problemas aplicados práticos. Imediatamente depois da revolução, um novo campo da psicologia — psicologia industrial ou psicotécnica — começou a se desenvolver na Rússia. Esse requisito de vida estava tão além das dúvidas que até mesmo na cidadela da psicologia introspeccionista acadêmica — o Instituto de Psicologia encabeçado por Chelpanov — uma nova seção surgiu; a seção para problemas aplicados.
Mas a tarefa principal para os psicólogos nesses anos era elaborar uma nova teoria ao invés da psicologia introspectiva da consciência individual que foi cultivada no período pré-revolucionário e que repousava sobre o idealismo filosófico. A nova psicologia deveria proceder a partir da filosofia do materialismo histórico e dialético — deveria se tornar uma psicologia marxista.
Os psicólogos não entenderam imediatamente a necessidade para tal reforma. Muitos deles eram estudantes de Chelpanov. Entretanto, já em 1920, e mais definidamente em 1921, Blonski começou a levantar essa questão (em seus livros A Reforma da Ciência e Esboço de uma Psicologia Científica). Mas o evento decisivo desses anos foi a conhecida palestra de Kornilov Psicologia e Marxismo no Primeiro Congresso de Toda a Rússia sobre Neuropsicologia, que ocorreu em Moscou em janeiro de 1923. Ela formulou a linha para o desenvolvimento da psicologia marxista com grande clareza. Nessa palestra muitas teses fundamentais do marxismo foram apresentadas que possuem relevância direta para a psicologia (a primazia da matéria sobre a consciência, a mente como uma propriedade da matéria desenvolvida superior, a natureza societal da mente do homem etc.). Na época, para muitos psicólogos educados no espírito do idealismo, essas teses não eram somente não óbvias, mas simplesmente paradoxais.
Após o congresso uma polêmica eclodiu com o fervor característico dos anos revolucionários da década de 1920. Mais corretamente, foi uma genuína luta entre os psicólogos — materialistas encabeçados por Kornilov e os psicólogos idealistas encabeçados por Chelpanov. A esmagadora maioria dos acadêmicos logo reconheceram que Kornilov estava certo em sua luta para o desenvolvimento de uma psicologia marxista. Uma expressão externa da corrente materialista foi a decisão tomada pelo Conselho Científico do Estado em novembro de 1923 para liberá-lo de suas funções como diretor do Instituto de Psicologia e apontar Kornilov para o lugar.
A partir do início de 1924 a reorganização do Instituto foi rápida. Novos colaboradores apareceram. Alguns dos apoiadores de Chelpanov deixaram o Instituto. Novas seções etc. foram criadas. Dentro de um pequeno período o Instituto de Psicologia se tornou fundamentalmente mudado. Ele apresentou um quadro muito heterogêneo. O próprio Kornilov e seus colaboradores mais próximos desenvolver uma teoria reactológica que não se tornou uma corrente dominante usualmente aceita pelos psicólogos soviéticos naqueles anos. Muitos psicólogos usaram a terminologia reactológica somente superficialmente e envolveram os resultados de suas próprias pesquisas nela, pesquisa que estava muito distante das ideias de Kornilov. Essa pesquisa foi em diversas direções e não podia ser reduzida à investigação de velocidade, forma e força da reação que o próprio Kornilov estava interessado. Assim, N. A. Bernstein, que naqueles anos trabalhava no Instituto, começou suas clássicas investigações da "formação dos movimentos”. Na área da psicologia industrial (psicotécnica), S. G. Gellerstein e I. N. Spielrein e seus colaboradores começaram seus trabalhos. Os jovens acadêmicos do Instituto, A. R. Luria e A. N. Leontiev, conduziram investigações com o método motor combinado. V. M. Borovski, que naqueles anos aderiu ao behaviorismo, se ocupou com a zoopsicologia. B. D. Fridman tentou desenvolver a psicanálise e M. A. Rejsner, que trabalhou na área da psicologia social, incrivelmente combinou reflexologia, teoria freudiana e marxismo.
Apesar disso, muitos psicólogos trabalhando em vários campos e defendendo diferentes posições concordaram sobre a coisa principal. Eles tentaram desenvolver uma psicologia marxista e aceitar isso como a tarefa básica da psicologia científica. Mas os caminhos concretos em direção ao desenvolvimento de uma psicologia marxista eram naquele período ainda incertos. Essa tarefa completamente nova não possui seus análogos na história da psicologia internacional. Além disso, a maioria dos psicólogos soviéticos daqueles anos não eram especialistas marxistas — eles estudaram os rudimentos do marxismo e sua aplicação para a psicologia científica ao mesmo tempo. Não é surpreendente que como resultado eles algumas vezes fizeram não mais que ilustrar as leis da dialética com o material psicológico.
Uma multidão de questões complexas surgiram: qual era a conexão das várias correntes psicológicas concretas existentes na década de 1920 (reflexologia, reactologia, teoria freudiana, behaviorismo etc.) para o futuro da psicologia marxista? Uma psicologia marxista deve estudar o problema da consciência? Uma psicologia marxista pode usar os métodos da auto observação? Uma psicologia marxista deveria realmente surgir como a síntese da psicologia subjetiva empírica (a "tese”) e a psicologia do comportamento (a "anti-tese”)? Como resolver o problema da determinação social da mente humana? E a qual lugar pertence a psicologia social no sistema da psicologia marxista?
Um número de outras questões surgiu que não eram menos importantes e fundamentais e que tinham que ser resolvidas para ser possível realizar posterior movimento para a frente. A situação foi complicada pela necessidade de lutar em duas frentes: com o idealismo (Chelpanov, em particular, continuou lutando a ideia de uma psicologia marxista) e com o materialismo vulgar (mecanicismo e o energismo de Bekhterev, o reducionismo fisiológico e a biologização da mente etc.).
Não obstante, o passo principal e decisivo foi tomado naquela época: os psicólogos soviéticos foram os primeiros no mundo a proceder conscientemente ao desenvolvimento de uma psicologia nova, marxista. Exatamente na mesma época, em 1924, Lev Semenovitch Vigotski apareceu na psicologia.
2
Em janeiro de 1924, Vigotski participou no Segundo Congresso Neuropsicológico de Toda a Rússia que ocorreu em Leningrado. Ele apresentou diversas comunicações. Sua palestra Os Métodos de Investigação Reflexológicos e Psicológicos (mais tarde ele escreveu um artigo com o mesmo nome(2)) causou uma forte impressão em Kornilov, que o convidou para vir e trabalhar no Instituto de Psicologia. O convite foi aceito e em 1924 Vigotski se mudou de Gomel, onde ele vivia na época, para Moscou e começou a trabalhar no Instituto de Psicologia. A partir desse momento a verdadeira carreira psicológica de Vigotski começa (1924-1934).
Mas, embora em 1924 Vigotski, com então 28 anos, era ainda um psicólogo iniciante, ele já era um pensador maduro que havia passado por um longo desenvolvimento espiritual que logicamente o levou à necessidade de trabalhar na área da psicologia científica. Essa circunstância foi de grande importância para o sucesso das investigações psicológicas de Vigotski.
Sua atividade científica começou quando ele ainda era um estudante na Faculdade de Direito da Universidade de Moscou (simultaneamente ele estudou na Faculdade Histórica-Filológica da Universidade de Shaniavski). Neste período (19131917) seus interesses era uma sincera natureza humanitária. Graças as suas capacidades únicas para a educação séria, Vigotski foi capaz de trabalhar em diversas direções ao mesmo tempo: na área da dramaturgia (ele escreveu críticas de teatro brilhantes), história (em sua nativa Gomel ele liderou um círculo sobre história para estudante das classes superiores do ginásio), na área da economia política (ele falou esplendidamente em seminários sobre economia política na Universidade de Moscou) etc. De especial importância para seu trabalho criativo foi seu estudo minucioso da filosofia que começou naquela época. Vigotski estudou a filosofia alemã clássica em um nível profissional. Em seus anos de estudante ele começou seu entendimento com a filosofia do marxismo, que ele estudou principalmente usando edições ilegais. Nessa época nasceu o interesse de Vigotski pela filosofia de Espinoza, que permaneceu seu pensador favorito para o resto de sua vida.
Para o jovem Vigotski o lugar mais importante em todos esses interesses humanitários diversos foi ocupado pela crítica literária (isso se tornou definitivamente claro por volta de 1915). Em sua juventude ele apaixonadamente amou literatura e muito cedo ele começou a lidar com ela em um nível profissional. Suas primeiras palavras como crítico literário (os manuscritos infelizmente foram perdidos) — uma investigação de Anna Karenina, uma análise do trabalho criativo de Dostoiévski etc. — cresceu diretamente a partir de seus interesses como leitor. Incidentalmente, é por isso que Vigotski chamou seus trabalhos de uma "crítica do leitor”. A coroa dessa linha de seu trabalho criativo se tornou a famosa análise de Hamlet (existem duas variantes desse trabalho, escritas em 1915 e 1916, respectivamente; a segunda variante foi publicada no livro de Vigotski Psicologia da Arte(3) em 1968).
Todos esses trabalhos são caracterizados por uma orientação psicológica. Pode-se abordar uma obra de arte por vários lados. Pode-se clarear o problema da personalidade do autor, tentar entender sua ideia, estudar a orientação objetiva da obra de arte (isto é, sua moral ou significado político-social) etc. O que interessava Vigotski era outra coisa: como o leitor percebe uma obra de arte, o que é que está no texto da obra de arte que causa certas emoções no leitor, i.e., ele estava interessado no problema da análise da psicologia do leitor, o problema da influência psicológica da arte. Desde o início, Vigotski tentou abordar esse problema psicológico complexo objetivamente. Ele tentou sugerir alguns métodos para a análise de um fato objetivo — o texto da obra de arte — e a partir disso proceder a sua percepção pelo espectador.
O período determinado da carreira criativa de Vigotski alcançou seu acabamento em seu trabalho extensivo Psicologia da Arte, que ele terminou e defendeu como uma dissertação em Moscou, em 1925. As ideias que ele, em 1916 em sua análise de Hamlet ainda expressava "em meio tom”, agora se tornou uma demanda pelo desenvolvimento de uma psicologia da arte materialista.
Vigotski tentou resolver dois problemas — realizar uma análise objetiva do texto da obra de arte e uma análise objetiva das emoções humanas que surgem durante a leitura desta obra. Ele legitimamente escolheu a contradição interna na estrutura de uma obra de arte como seu aspecto central. Mas, a tentativa de analisar objetivamente as emoções causada por tal contradição não foram bem sucedidas (e não poderiam ser bem sucedidas tendo em vista o nível de desenvolvimento da ciência psicológica na época). Isso pré-determinou a de alguma forma natureza inacabada e unilateral de Psicologia da Arte (aparentemente, o próprio Vigotski também sentiu isso. Ele teve a oportunidade de publicá-lo durante sua vida, mas, apesar disso, nunca o fez).
Os problemas que se revelaram durante seu trabalho na área da psicologia da arte e a impossibilidade de revolvê-los no nível da psicologia científica da década de 1920 tornou inevitável que Vigotski se moveria para a verdadeira psicologia científica. A transição ocorreu gradualmente nos anos 1922-1924. No final deste período, Vigotski, que em Gomel continuou seu trabalho sobre Psicologia da Arte, já havia começava sua investigações no campo da psicologia científica. Como já foi dito, a transição se tornou completa com sua mudança para Moscou em 1924.
3
Chegando na psicologia, Vigotski imediatamente se encontrou em uma situação especial comparada à maioria dos psicólogos soviéticos. Por um lado, ele claramente entendeu a necessidade de construir uma nova psicologia, objetiva, chegando independentemente a essas ideias enquanto trabalho em sua psicologia da arte. Por outro lado, particularmente para Vigotski, com seu interesse primordial nas emoções humanas superiores causadas pela percepção da obra de arte, as deficiências das correntes objetivas realmente existentes na psicologia internacional e psicologia soviética na década de 1920 (behaviorismo, reactologia, reflexologia) eram especialmente intoleráveis. A principal deficiência delas era a simplificação dos fenômenos mentais, a tendência ao reducionismo fisiológico, a descrição inadequada da manifestação superior da mente — a consciência humana.
Vigotski precisava expor claramente os sintomas da doença que as correntes objetivas na psicologia sofriam e então encontrar caminhos para a cura. Seus trabalhos teóricos iniciais foram dedicados a esses objetivos; sua palestra Os Métodos de Investigação Reflexológicos e Psicológicos, que ele apresentou no Segundo Congresso Neuropsicológico (1924), o artigo A Consciência como Problema da Psicologia do Comportamento(4) (1925) e o grande trabalho histórico-teórico O Significado Histórico da Crise da Psicologia(5) (1926-1927), que é publicado pela primeira vez neste volume. Várias ideias que estavam conservadas neste trabalhados também podem ser encontradas em outros trabalhos, incluindo seu último. Muitas das ideias de Vigotski que formaram a chave para seu trabalho criativo assim como para muitos psicólogos soviéticos podem ser encontradas em seu trabalho somente implicitamente ou foram expressas por ele boca em boca.
A deficiência das correntes objetivas na psicologia — sua incapacidade de estudar adequadamente os fenômenos da consciência — foi visto por muitos psicólogos. Vigotski foi meramente um dos mais ativos, mas longe de ser o único participante na luta por um novo entendimento da consciência na psicologia soviética da década de 1920.
É essencial observar a posição única de Vigotski. Ele foi o primeiro que já em seu artigo A Consciência como Problema da Psicologia do Comportamento levantou o problema da necessidade por um estudo psicológico concreto da consciência como uma realidade psicológica concreta. Ele fez a ousada (para a época) afirmação que nem a "nova” psicologia — behaviorismo, que ignorou o problema da consciência — nem a "velha” psicologia — psicologia empírica subjetiva, que se declarou como sendo a ciência sobre a consciência — realmente a estudava. Isso parece uma forma paradoxal de declarar o problema. Para Kornilov, por exemplo, o estudo da consciência significava o retorno a uma versão mais suave da psicologia empírica subjetiva. Em seguida ele vislumbrou uma tarefa concreta — combinar os métodos introspectivos da "velha” psicologia com os métodos objetivos da "nova” psicologia. Isso ele chamou "síntese”.
O conteúdo da "nova” psicologia não poderia adicionar qualquer coisa à análise da consciência na "velha” psicologia. Era simplesmente uma diferença de avaliação. A "velha” psicologia viu o estudo da consciência como sua tarefa mais importante e acreditou que estava realmente estudando ela. A "nova” psicologia não viu novos métodos de qualquer natureza para estudar a consciência e a cultivou para a "velha” psicologia. Os representantes da "nova” psicologia poderiam avaliar o problema da consciência como insignificante e ignorá-la, ou considera-la sendo importante e comprometendo com a "velha” psicologia para resolvê-la (posição de Kornilov).
Para Vigotski o problema parecia bastante diferente. Ele não queria ouvir sobre um retorno à "velha” psicologia. Deve-se estudar a consciência diferentemente a partir da forma como era feita (ou, mais corretamente, "declarada”) pelos representantes da psicologia da consciência. Consciência não deve ser vista como um "estágio” no qual as funções mentais agem, não como "o chefe geral das funções mentais” (o ponto de vista da psicologia tradicional), mas como uma realidade psicológica que possui importância tremenda para toda a atividade vital da pessoa e que deve ser estudada e analisada concretamente. Em contraste com outros psicólogos da década de 1920, Vigotski conseguiu ver no problema da consciência não somente um problema de métodos concretos, mas antes de tudo um problema filosófico e metodológico de importância tremenda, a pedra angular da futura psicologia científica.
Essa nova psicologia que lida com os fenômenos mais complexos da vida mental do homem, incluindo a consciência, só poderia evoluir com base no marxismo. Em tal abordagem a perspectiva do tratamento materialista da consciência se revela e as tarefas concretas, não declarativas, de uma psicologia marxista tomam forma.
Falando sobre o desenvolvimento de uma psicologia marxista, Vigotski conseguiu ver o principal erro da maioria dos psicólogos da década de 1920, que se deram essa mesma tarefa. É que eles viram essa tarefa como uma de meramente encontrar os métodos corretos. Além disso, eles abordaram essa tarefa a partir de uma teoria psicológica concreta e tentaram combinar isso com as teses básicas do materialismo dialético através de simples adição. Em seu trabalho O Significado Histórico da Crise da Psicologia, Vigotski escreveu diretamente sobre a inexatidão fundamental de tal abordagem. Ele apontou que a psicologia é, naturalmente, uma ciência concreta. Cada teoria psicológica têm sua base filosófica. Algumas vezes se manifesta, outras vezes está escondida. E em cada caso essa teoria é determinada por suas bases filosóficas. É por isso que não podemos tomar os resultados prontos da psicologia e combiná-los com as teses do materialismo dialético sem primeiro ter reformado suas bases. Devemos realmente construir uma psicologia marxista, i.e., devemos começar com suas bases filosóficas.
Como podemos construir concretamente uma psicologia marxista procedendo a partir das teses do materialismo dialético? Para responder essa questão, Vigotski sugere voltar ao exemplo clássico — a economia política marxista, explicada em O Capital, onde um modelo é dado de como elaborar a metodologia de uma ciência concreta com base nas teses gerais do materialismo dialético. Somente depois que a base metodológica de uma ciência foi elaborada que os fatos concretos podem ser considerados, que foram reunidos por pesquisadores tomando diferentes posições teóricas. Então esses fatos podem ser organicamente assimilados e não nos tornamos suas vítimas. Não nos tornamos cativados por eles e não tornamos a teoria em um conglomerado eclético de diversos métodos, fatos e hipóteses.
Assim, Vigotski foi o primeiro entre os psicólogos soviéticos a escolher tal importante estágio na criação da psicologia marxista como o desenvolvimento de uma teoria filosófica e metodológica de um "nível intermediário”.
Nos mesmos trabalhos dos anos 1925-1927, Vigotski fez uma tentativa para determinar um caminho concreto para o desenvolvimento da base metodológica teórica da psicologia marxista. Assim, a epígrafe no trabalho O Significado Histórico da Crise da Psicologia é o conhecido ditado do evangelho: "A pedra que rejeitaram os construtores, essa veio a ser a pedra angular...”(6). Ele mais além explica que está se referindo aos construtores da psicologia científica. Essa "rocha” é dupla: por um lado, a referência é para a teoria filosófica e metodológica de um "nível intermediário”; por outro lado, para a atividade prática do homem.
A tese sobre a extrema importância para a psicologia da atividade prática do homem era paradoxal para a psicologia internacional e soviética da década de 1920. Naquela época, a corrente dominante estudou a atividade motora externa da pessoa pela fragmentação dela em diferentes atos comportamentais elementares (behaviorismo), reações motoras (reactologia) ou reflexos (reflexologia) etc. Nenhuma lidou com a análise da atividade prática em toda sua complexidade, se não contarmos os especialistas da psicologia do trabalho. Mas estes e outros psicólogos trataram isso como uma área puramente aplicada e assumiram que as regularidades fundamentais da vida mental do homem não podiam ser reveladas quando analisamos sua atividade laboral prática.
Vigotski possui uma opinião diametralmente oposta. Ele enfatizou que o papel de liderança no desenvolvimento da psicologia científica pertence à psicologia do trabalho, ou psicotécnica(7). Reconhecidamente, ele adicionou que não é um assunto da própria psicotécnica com seu métodos, resultados e tarefas concretas, mas seu problema geral. A psicotécnica foi a primeira a proceder para a análise psicológica da atividade do trabalho, prática, do homem, embora ainda não entendia a completa importância desses problemas para a psicologia científica.
A ideia de Vigotski era clara — a elaboração das bases metodológicas teóricas de uma psicologia marxista deve começar com uma análise psicológica da atividade de trabalho, prática, dos humanos, com base nas posições marxistas. É exatamente nesse plano que as regularidades básicas e unidades primárias da vida mental do homem residem escondidas.
4
Para realizar a ideia da qual Vigotski encontrou vagos esboços era, naturalmente, extremamente difícil. Mas a ideia de uma reforma da psicologia era profundamente de acordo com a era revolucionária da década de 1920. Tais ideias não poderiam fazer outra coisa que não juntar jovens talentos ao redor de Vigotski. Nesses anos a escola psicológica de Vigotski se desenvolveu, que desempenhou um grande papel na história da psicologia soviética. Em 1924, seus primeiros colaboradores se tornaram Leontiev e Luria. Algum tempo depois se juntaram a eles L. I. Bozhovich, A. V. Zaporozhec, R. E. Levina, N. G. Morozova e L. S. Slavina. Nos mesmos anos as seguintes pessoas tomaram parte ativa nas investigações conduzidas sob a orientação de Vigotski: L. V. Zankov, Yu. V. Kotelova, E. I. Paashkovskaia, L. S. Sakharov, I. M. Soloviev, e outros. Depois disso, os estudos de Vigotski de Leningrado começaram a trabalho com ele — D. B. Elkonin, Zh. I. Shif, e outros.
As bases para o trabalho de Vigotski e seus colaboradores eram, em primeiro lugar, o Instituto de Psicologia da Universidade de Moscou, a Academia Krupskaia para Educação Comunista e também o Instituto Experimental de Defectologia, fundado por Vigotski. Para Vigotski os contatos científicos com a Clínica para Doenças Nervosas no Primeiro Instituto Médico de Moscou foram de grande importância (oficialmente ele começou a trabalhar lá em 1929).
O período na atividade científica de Vigotski que durou de 1927 até 1931 foi extremamente rico e importante para a subsequente história da psicologia soviética. Naquele período as bases para a teoria histórico-cultural do desenvolvimento da mente foram desenvolvidas. Suas teses básicas são expostas nos trabalho de Vigotski O Método Instrumental em Pedologia (1928), O Problema do Desenvolvimento Cultural da Criança (1928), As Raízes Genéticas do Pensamento e Linguagem(8) (1929), Esboço de um Desenvolvimento Cultural da Criança Normal (1929, manuscrito), O Método Instrumental em Psicologia(9) (1930), Instrumento e Símbolo no Desenvolvimento da Criança(10) (1930, publicado a primeira vez nesta série), Estudos Sobre a História do Comportamento(11) (1930, juntamente com Luria), A História do Desenvolvimento das Funções Mentais Superiores (1930-1931, primeira parte publicada em 1960 no livro de mesmo nome, segunda parte publicada nesta série), e alguns outros. Muitas ideias chaves da teoria histórico-cultural são afirmadas no livro mais conhecido de Vigotski, Pensamento e Linguagem(12) (1933-1934). Para além destes, importante para o entendimento da teoria histórico-cultural são os trabalhos de seus colaboradores: Sobre os Métodos de Investigação dos Conceitos, por L. S. Sakharov (1927), O Desenvolvimento da Memória por A. N. Leontiev (1931), O Desenvolvimento dos Conceitos Cotidianos e Conceitos Científicos, por Zh. I. Shif (1931), e outros.
Ao se manter com suas visões fundamentais, Vigotski não se voltou ao exame dos fenômenos mentais em si mesmos, mas à análise da atividade do trabalho. Como é bem conhecido, os clássicos do marxismo viram essa atividade como antes de tudo caracterizada por seu instrumento — a natureza, a mediação dos processos de trabalho por instrumentos. Vigotski decidiu começar sua análise dos processos mentais com essa analogia. Ele fez uma hipótese: não podemos encontrar o elemento da medição nos processos mentais das pessoas através de alguns instrumentos mentais únicos? Uma confirmação indireta dessa hipótese ele encontrou nas palavras conhecidas de Bacon, que ele mais tarde citaria com frequência: "nem a mão nua nem o entendimento deixado a si mesmo pode afetar muito. É por instrumentos e ajudas que o trabalho é feito”(13). Naturalmente, a ideia de Bacon não é de todo inequívoca: pode ser entendida de diferentes formas. Mas, para Vigotski é mais importante simplesmente como uma das confirmações de sua própria hipótese que repousou sobre a teoria de Marx da atividade de trabalho.
De acordo com a ideia de Vigotski, devemos distinguir dois níveis nos processos mentais humanos: o primeiro é a mente deixa a si mesma; o segundo é a mente (o processo mental) armado com instrumentos e meios auxiliares. Da mesma forma devemos distinguir dois níveis de atividade prática: o primeiro é a "mão nua”, o segundo a mão armada com instrumentos e meios auxiliares. Além disso, tanto na esfera prática quanto na esfera mental o segundo, nível do instrumento é de importância decisiva. Na área dos fenômenos mentais, Vigotski chamou o primeiro nível de nível dos processos mentais "naturais” e o segundo nível de nível dos processos mentais "culturais”. Um processo "cultural” é um processo "natural” mediado por instrumentos mentais e meios auxiliares únicos.
Não é difícil ver que a analogia que Vigotski traçou entre os processos de trabalho e a mente é bastante rudimentar. A mão humana é tanto o órgão quanto o produto do trabalho, como os clássicos marxistas apontaram. Consequentemente, a contraposição da "mão nua” e a mão armada com instrumentos de tal forma acentuada não é justificada. Também não é justificada a contradição acentuada dos processos mentais "culturais” e "naturais”. A terminologia usada por Vigotski levou a desentendimentos enquanto a questão justificada surgiu se todos os processos dos humanos modernos não eram processos culturais. Essas fraquezas nas ideias de Vigotski causaram uma crítica justificada tanto durante sua vida quando depois de sua morte.
Ao mesmo tempo, devemos observar que Vigotski precisava de tais contrastes no primeiro estágio de seu trabalho a fim de iniciar as teses básicas de sua teoria, que considerava a importância decisiva dos instrumentos psicológicos ao longo dos processos mentais.
É verdade que na década de 1920, Kohler abordou o problema do papel dos instrumentos na vida mental a partir de um ângulo totalmente diferente. Naquela época os resultados de seus experimentos com macacos antropoides foram publicados. Eles mostraram, em particular, que os objetos materiais externos — varas, caixas etc. — podem desempenhar um papel executivo não-passivo em seus processos mentais (a introdução de varas na situação levou à reestruturação do campo óptico do animal, e, para o psicólogo Gestalt Kohler, isso significava que a estrutura dos processos mentais tinham mudado também).
Os experimentos de Kohler impressionaram grandemente os psicólogos e na década de 1920 diversos acadêmicos tentar transferi-los para a psicologia da criança. Esses experimentos provaram estar de acordo com o pensamento de Vigotski. Ele foi o iniciador da tradução em russo de Pesquisas Sobre a Inteligência dos Macacos Antropomorfos de Kohler e escreveu um prefácio para ele(14). Mais tarde, Vigotski frequentemente (em Pensamento e Linguagem, A História das Funções Mentais Superiores etc.) se referiu aos resultados das investigações de Kohler e àqueles acadêmicos que tentar conduzir experimentos similares no campo da psicologia da criança (Buhler, Koffka e outros). Vigotski, que estava orientado em direção ao estudo da atividade objetiva, prática, via nos experimentos de Kohler (que mostravam o papel ativo dos instrumentos externos na restruturação das funções mentais) uma abordagem para o estudo de um dos aspectos dessa atividade.
Kohler estudou essa questão meramente no nível metódico experimental. Seus pontos de partida metodológicos teóricos como um grande psicólogo Gestalt eram opostos às posições de Vigotski. Kohler estava longe de um entendimento do importante papel da mediação de funções mentais. É um paradoxo que Kohler, que primeiro descreveu a reestruturação do processo mental por um instrumento externo, não viu o caráter específico do instrumento e o considerou como somente um dos elementos do campo óptico. É por isso que ele não pode ver o problema da atividade que era central para Vigotski. O próprio Vigotski enfatizou o caráter específico do nível-instrumento de mediação dos processos mentais, particularmente na determinação histórico-social do ser humano.
Quando agora avaliamos o significado da analogia entre trabalho e processos mentais oferecida por Vigotski e os dois níveis de processos mentais são contrastados, devemos não examinar essas visões em si mesmas, mas no contexto das suposições e o posterior desenvolvimento de toda sua teoria, em conexão com os resultados aos quais eles levam.
O que as hipóteses dos "instrumentos psicológicos” e os dois níveis de funções mentais concretamente produziram? Essa questão, que em um grau importante serviu para verificar a exatidão das hipóteses, foi a questão dos análogos reais dos processos mentais "naturais” e "culturais”. E exatamente a resposta a esta questão mostrou em qual grau as hipóteses eram justificadas e frutíferas para a psicologia científica. Como é bem conhecido, começando de parâmetros completamente diferentes (seus graus sendo significantes e voluntários), psicólogos distinguiram todas as funções mentais em superiores (pensamento por conceitos, memória lógica, atenção voluntária etc.) e inferiores (pensamento imagético, memória mecânica, atenção involuntária etc.). O próprio fato de tal divisão foi uma importante realização da psicologia científica. Entretanto, mais tarde um número de questões surgiu sobre a natureza da relação entre funções superiores e inferiores, sobre o que faz a presença de tais qualidades específicas das funções superiores e inferiores como a natureza voluntária e consciente delas etc. Cada grande teoria teve que dar uma resposta a essas questões de um jeito ou de outro. Mas, algumas correntes (psicologia associativa, behaviorismo) praticamente perderam a distinção qualitativa entre funções superiores e elementares quando as traduziram em sua própria linguagem, i.e., ambos se dissolveram em algumas partes componentes elementares (tal abordagem Vigotski chamou "atomista”)(15). A natureza óbvia da distinção qualitativa entre as funções mentais inferiores e superiores causou a fraqueza de tais abordagens aparentes.
As correntes opostas ("psicologia do entendimento”), pelo contrário, consideraram a distinção qualitativa das funções superiores e elementares como um fato fundamental. Elas moveram a natureza integral da estrutura e do caráter orientado a um objetivo dos processos mentais para o primeiro plano. Essas correntes protestaram categoricamente contra a abordagem "atomista”. Mas, eles "jogaram fora o bebê com a água do banho”. Os psicólogos dessa orientação ocuparam posições idealistas no plano filosófico e negaram completamente a possibilidade de uma explicação causal dos fenômenos mentais. Eles rejeitaram os métodos científicos naturais na psicologia. Para eles, a psicologia pode no máximo esforçar-se para um entendimento das conexões que existem entre os fenômenos mentais e não deveriam tentar incluí-los na rede de relações causa-resultado que cobre eventos no mundo físico real. Como resultado, a psicologia dessa orientação não conseguiu encontra o vínculo entre as funções mentais superiores e inferiores.
A hipótese proposta por Vigotski ofereceu uma nova explicação para o problema da relação entre as funções mentais superiores e elementares. As funções mentais elementares, inferiores, ele conectou com o estágio dos processos mentais naturais e os superiores com o estágio dos processos mediados, "culturais”. Tal abordagem explicou tanto as diferença qualitativa entre as funções superiores e elementares (consistia na mediação de funções mentais superiores por "instrumentos”) quando a conexão entre elas (as funções superiores se desenvolveram com base nas funções inferiores). Finalmente, as propriedades das funções mentais superiores (exemplo, sua natureza voluntária) foi explicada pela presença de "instrumentos psicológicos”.
Por meio de hipóteses sobre a medição de processos mentais através de "instrumentos” únicos, Vigotski tentou introduzir as diretrizes da metodologia dialética marxista na psicologia científica em uma forma metódica concreta e não-declarativa. Isso foi a propriedade básica de todo seu trabalho criativo ao qual ele deve todo seu sucesso.
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A questão da metodologia não é qualquer coisa que não a questão principal quando estamos lidando com o trabalho criativo de Vigotski. A dialética interna, em princípio, sempre formou o atributo característico de seu pensamento. É suficiente pensar em seus trabalhos iniciais (por exemplo, Psicologia da Arte). Assim, quando ele define nossa percepção das obras de arte, Vigotski não tem medo de destacar a contradição inerente na própria obra. A mesma posição mostrada em sua inclinação em discernir dois lados polares, em luta, em um fenômeno quando ele o analisou e em consideração a essa luta como a força motora do desenvolvimento.
O historicismo no exame do fenômeno é característico do pensamento de Vigotski (nessa conexão é importante ter em mente as raízes humanitárias de sua criatividade, particularmente a grande influência sobre sua escola de Potebnia e o método histórico na crítica literária que ele desenvolveu). Todas essas premissas ajudaram Vigotski a entender a dialética marxista e a dominar o método histórico marxista. O entendimento das bases da dialética marxista elevaram o pensamento de Vigotski a um nível qualitativamente novo.
A hipótese sobre a natureza mediada das funções mentais implicitamente continha elementos de um método histórico integral. Eles eram expressos precisamente e carregados até seu fim lógico pelo próprio Vigotski em tais trabalhos como A História do Desenvolvimento das Funções Mentais Superiores e Pensamento e Linguagem.
A ideia fundamental de Vigotski de que as funções mentais são mediadas por "instrumentos psicológicos” únicos somente teve sentido na medida em que as próprias funções mentais eram vistas como formações integrais com uma estrutura interna complexa. Tal abordagem imediatamente varreu a "análise atomista”, que para Vigotski formou uma deficiência particularmente intolerável das correntes materialistas na psicologia da década de 1920 (behaviorismo, reflexologia etc.). Ao mesmo tempo, ela abriu a perspectiva de uma abordagem materialista integrativa e objetiva da análise do mental, que era concebido como um sistema não-fechado estrutura complexo que foi aberto para o mundo externo (para Vigotski a natureza fechada do mental formou a principal deficiência das visões idealistas integrativas que foram desenvolvidas, por exemplo, em "entendendo a psicologia”).
Naturalmente, nas décadas de 1920 e 1930, não foi somente Vigotski que tentou examinar as funções mentais como formações estruturas complexas que estão abertas ao mundo exterior. Tais visões eram mantidas pelos psicólogos Gestalt também. Seus trabalhos, particularmente os experimentos de Kohler, que investigava o intelecto de macacos antropoides, causou uma grande impressão sobre Vigotski (ver acima). Mas, para revelar a diferença interna de sua metodologia das posições dos psicólogos Gestalt, é importante tomar outro aspecto de sua teoria holística em conta: seu historicismo.
Falando em geral, a ideia do historicismo era estranha para os psicólogos Gestalt, que tentaram estudar a situação "aqui e agora”. Para Vigotski, sua própria ideia inicial de mediação de funções naturais por "instrumentos psicológicos” únicos já continha a necessidade de abordar as funções mentais superiores, culturais, como formações históricas e, assim, a necessidade de estuda-las via o método histórico. Em princípio, Vigotski via três caminhos possíveis para a investigação histórica da formação das funções mentais superiores: o caminho filogenético(16) e ontogenético(17) mais patologia (traçando a perda dessas funções em pacientes). As investigações ontogenéticas ocuparam o lugar mais importante em seu trabalho criativo (A História do Desenvolvimento das Funções Mentais Superiores e Pensamento e Linguagem).
É importante observar que em Vigotski a abordagem integrativa e historicismo eram, em princípio, inseparáveis. Eram duas dimensões de uma ideia — a ideia da natureza mediada de processos mentais concebida a partir de posições dialéticas.
Falando sobre o historicismo de Vigotski, é essencial distingui-lo das abordagens históricas que podem ser encontradas no trabalho de outros psicólogos das décadas de 1920 e 1930. É bem conhecido que uma das características distintivas da psicologia do século XX foi que ela iniciou a conceber si mesma como uma ciência histórica, como uma ciência sobre desenvolvimento. Muitas escolas psicológicas daquela época que tentar cobrir a soma total dos fenômenos mentais (psicologia de profundida, a escola francesa etc.) descreveram a mente como sendo organizada de acordo com o princípio de sistema de níveis. Mas a questão era: nas várias teorias o que era que agia como os determinantes do desenvolvimento ontogenético e filogenético da mente?
A ideia do desenvolvimento (no plano ontogenético) foi central para a psicologia da criança que tomou forma próximo ao fim do século XIX (Darwin, Preyer e outros). Desde o início se desenvolver sob a influência decisiva da teoria evolucionária, e o desenvolvimento da mente da criança foi considerada a partir do ponto d vista de seu significado adaptativo (a comparação do desenvolvimento ontogenético e filogenético foi realizada nessa conexão — cf. a lei de Hall de recapitulação que é, em princípio, muito próxima da lei biogenética). A ideia de desenvolvimento, também entendida no plano evolucionário biológico, foi também central para a zoopsicologia, que se desenvolveu no mesmo período.
O fundador da psicologia descritiva, Dilthey, e seus seguidores tentaram introduzir o princípio do historicismo na psicologia. Dilthey, como é bem conhecido, tomou posições idealistas e tratou a vida mental como sendo puramente espiritual. Falando sobre história, ele essencialmente tinha em mente a história da cultura que ele também considerava a partir de posições idealistas, i.e., meramente como manifestação da atividade espiritual da pessoa. É por isso que, quando ele criticou o seguidor de Dilthey, Spranger, em seu A História do Desenvolvimento das Funções Mentais Superiores, Vigotski escreveu que trazendo história e psicologia próximas uma da outra ele, essencialmente, junta o espiritual com o espiritual (isso se aplica plenamente também ao próprio Dilthey).
Os psicólogos franceses trataram o princípio do historicismo em sua própria maneira e intimamente conectado com o problema da determinação social da mente. Assim, Durkheim, um dos fundadores da escola francesa, considerava a sociedade como a soma total das representações coletivas. Lévy-Bruhl, em seus conhecidos trabalhos sobre a psicologia das pessoas primitivas, expressou a ideia de que não somente o conteúdo, mas também os caminhos dos próprios pensamentos humanos (lógica humana, mais precisamente — a relação dos aspectos lógicos e pré-lógicos no pensamento humano) são um conceito histórico se desenvolvendo.
Na década de 1920 a posição líder na escola francesa era ocupada pelo grande acadêmico Janet, que tentou combinar historicismo com uma abordagem da atividade. Isso permitiu Janet a chegar a um número de ideias profundas sobre a natureza e desenvolvimento da mente, que exerceu influência sobre o desenvolvimento subsequente da psicologia científica. Em particular, ele propôs a hipótese de que a criança no processo de desenvolvimento internaliza as formas sociais do comportamento, que foram primeiro usadas à própria criança por adultos. Esse investigador tentou investigar o processo de internalização em detalhes na memória e pensamento. Mas ao fazê-lo, Janet, assim como toda a escola francesa, procedeu de uma suposição de que a pessoa é inicialmente a-social, de que a socialização é forçada sobre ela a partir de fora. Na análise da atividade humana e vida social, Janet estava muito longe do marxismo. Ele considerou a relação de cooperação como a relação social básica, que é somente natural para um acadêmico que vê o retrato externo das conexões sociais, mas não dá importância fundamental para os relacionamentos econômicos que forma sua base.
O historicismo de Vigotski tem um caráter fundamentalmente diferente das abordagens examinadas acima. Seu historicismo é um tentativa de aplicar o método histórico de Marx na psicologia. Assim, para Vigotski os determinantes do desenvolvimento mental humano não são uma maturação biológica na ontogêneses e adaptação biológica ao longo da luta pela vida na filogêneses (psicologia da criança e zoopsicologia na tradição evolucionária), não é o domínio pelo ser humano das ideias do espírito universal [Weltgeist] corporificado nos produtos da cultura ("psicologia do entendimento” de Dilthey) e não a relação de cooperação social (teoria de Janet), mas a atividade de trabalho mediada por instrumentos. É essa abordagem que foi originalmente amarrada à hipótese de mediação de processos mentais por instrumentos.
Antes de Vigotski, o método para a investigação ontogenética da própria mente pode ser chamado o método de seções transversais. Em diferentes idades o nível de desenvolvimento e comportamento e a condição de funções mentais diferentes da criança eram medidas e então se tentava reconstruir o retrato geral do desenvolvimento, julgando pelos resultados das diferentes medições que davam pontos discretos em um eixo etário.
Para Vigotski, as deficiências de tal abordagem eram óbvias. Ele considerou que a hipótese de mediação indicava o caminho em direção a outro método de investigar o desenvolvimento mental na ontogêneses, que nos permitiu modelar (para colocar na terminologia da década de 1960) esse processo. E realmente, o método histórico- genético de Vigotski em um número de casos produziu resultado que eram, em princípio, inacessíveis para o método de seções transversais.
O estudo da formação das funções mentais superiores na ontogêneses e filogêneses como estruturas que se desenvolvem com base em funções mentais elementares e são mediadas por instrumentos psicológicos, se tornou o grande tema de pesquisa de Vigotski e seus colaboradores.
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Quando afirmamos o objetivo dessa forma, a questão central se torna a questão em relação aos instrumentos psicológicos: o que são eles e qual é o mecanismo de mediação?
Em primeiro lugar, quando a ideia de mediação nasceu, Vigotski a ilustrou com o exemplo de um paciente com doença de Parkinson que estava na clínica de Rossolimo. Quando foi pedido ao paciente para andar, ele conseguia responder somente com um aumento em seu tremor e não conseguia andar. Depois disso, pedaços brancos de papel eram colocados diante dele no chão e o pedido era repetido. Agora o tremor diminuía e ele realmente começa a andar, dando um passo em cada papel sucessivamente.
Vigotski explicou esses experimentos dizendo que o paciente é confrontado com duas séries de estímulos. A primeira série consiste de comandos verbais, que são incapazes de provocar o comportamento adequado no paciente. Então a segunda série de estímulos — os pedaços de papel branco — vem ao resgate. A reação inicial do paciente é mediada por essa série. É a segunda série de estímulos que serve como meio para guiar o comportamento. É por isso que Vigotski os chamou meios-estímulos(18). Nessa descrição, parece como se a ideia de Vigotski estava perto das posições da psicologia comportamental, mas logo se tornou claro que essa afinidade era puramente terminológica. Para o behaviorista, a questão termina com a investigação do comportamento, mas para Vigotski isso é somente um exemplo cujo significado básico é o estudo do processo de mediação das funções mentais por meios-estímulos e não o estudo das reações comportamentais. E o círculo de meios-estímulos se ampliou imensuravelmente. Assim, nas teses para sua palestra O Método Instrumental na Psicologia (1930), Vigotski mencionou, como exemplos de linguagem estímulos-meios, formas diferentes de numeração e contagem, adaptações mnemotécnicas, simbolismo algébrico, obras de arte, escrita, esquemas, diagramas, mapas, desenhos, todos os tipos de signos convencionais etc. Aqui devemos novamente levar em conta a coragem científica de Vigotski, que ousou combinar em uma série, objetos com aparente incompatibilidade. O ponto de vista usualmente aceito na época era de que o psicólogo examine adaptações secundárias que desempenham um papel executivo (amarrando um nó para lembrar alguma coisa), por um lado, e estruturas psicológicas fundamentais (por exemplo, discurso), por outro lado.
O que esses objetos heterogêneos — a partir da palavra para o "nó para relembrar alguma coisa” — têm em comum? Primeiro de tudo, todos eles foram criados artificialmente pela humanidade e representam elementos da cultura (daí o nome da teoria de Vigotski como "histórico-cultural”). Além disso, todos eles são meios-estímulos, ou instrumentos psicológicos e eles são primeiro direcionados para fora, para um parceiro. Somente depois os instrumentos psicológicos são aplicados a si mesmo, i.e., eles se tornam para a Pessoa um meio de guiar seus próprios processos mentais. Subsequentemente, o crescimento dos meios-estímulos continua. A função mental é mediada a partir de dentro e a necessidade por um meio-estímulo externo (no que diz respeito a determinada pessoa) cessa de existir. Todo esse processo desde o início até o final, Vigotski chamou o "círculo completo de desenvolvimento histórico-cultural das funções mentais”.
Em seu artigo, O Problema do Desenvolvimento Cultural da Criança (1928), ele descreveu esse processo em detalhes usando o exemplo dos experimentos com memorização de palavras que ele e seus colaboradores executaram com crianças. Retratos formaram os meios-estímulos desses experimentos. Enquanto no primeiro estágio o experimentador teve que apresentar os retratos para a criança, no segundo estágio a criança já selecionou ele mesmo os retratos correspondentes (aplicando o instrumento para si mesmo), e no terceiro estágio o crescimento ocorreu, i.e., a necessidade pelo retrato não existia mais. Em seu artigo, Vigotski mencionou diversos tipos diferentes de crescimento: substituição simples de estímulos externos por internos, o tipo de ponto que combina em um único ato partes de processo que eram, a princípio, relativamente independentes, e o domínio da estrutura (princípio) da própria mediação (esse é o tipo mais avançado de crescimento).
Assim, a lógica interna do desenvolvimento de sua teoria intimamente levou Vigotski aos problemas da internalização que estavam, naqueles anos, sendo elaborados pela escola psicológica francesa. Mas, existia uma diferença de princípio entre a concepção de internalização dessa escola e a de Vigotski. A primeira concebia a internalização como a força de fora sobre a consciência individual primordialmente existente e primordialmente a-social de algumas formas de consciência societal (Durkheim), ou dos elementos da atividade social externa, cooperação social (Janet). Para Vigotski, a consciência só é formada no processo de internalização — não existe consciência primordial a-social, nem filogeneticamente nem ontogeneticamente falando.
Nesse experimentos, as hipóteses básicas de Vigotski eram experimentalmente confirmadas. Devido à mediação por instrumentos psicológicos, o próprio processo mental se transformou, sua estrutura se reformou (por exemplo, a memória lógica era forma com base na memória sensorial). Aqui vemos outra hipótese de Vigotski em forma embrionária: no processo de mediação, o pensamento se torna anexo à memória, que desempenha um papel enorme na memória lógica. Mais tarde isso se torna o ponto de partida para as ideias que ele desenvolveu sobre os sistemas psicológicos (ver abaixo).
O método histórico-genético de Vigotski foi de grande importância nas investigações do processo de mediação. Aqui o poder heurístico desse método foi revelado sobre o material concreto. Os fatos que Vigotski descobriu já eram parcialmente conhecidos na psicologia científica. Ele mesmo em seu artigo O Problema do Desenvolvimento Cultural da Criança menciona, por exemplo, os experimentos de Binet com memorização, que mostraram que um sujeito pode aplicar certos métodos para melhorar a quantidade de números que ele deve memorizar. Entretanto, nem Binet nem outro psicólogos que conheciam tais fatos perfeitamente bem (existiu um termo conhecido, "mnemotécnica”) foram capazes de interpretá-los adequadamente. Eles eram vistos como somente um truque técnico conveniente para memorização o que na melhor das hipóteses tinha significado aplicado, se não como simples curiosidade, um truque de mágica (Binet escreveu sobre a simulação da memória por meios de mnemotécnicas).
Ninguém era capaz de ver aqui a chave para revelar as regularidades fundamentais da vida mental. Devemos perceber que essas investigações eram executadas com adultos e que os experimentadores que estudaram, por exemplo, o intervalo de atenção, não lidaram com a questão do desenvolvimento ontogenético e filogenético das funções mentais correspondentes. Só se poderia desnudar o significado fundamental dos fatos correspondentes ao seguir, assim como Vigotski, o caminho da investigação histórico-genética (investigação histórico-genético que nos permite seguir a formação de alguma função e não somente investiga-la por meio da abordagem de seção transversal).
Para Vigotski, as hipóteses da mediação das funções mentais, combinadas com o método histórico-genético, abriram novas perspectivas para sua pesquisa. Essa abordagem permitiu a ele isolar a unidade básica da vida mental. Assim, em seus artigos O Método Instrumental na Psicologia e O Problema do Desenvolvimento Cultural da Criança, ele examina isso para o exemplo dos processos de memorização. No primeiro artigo ele escreve:
Na lembrança [memorização — M.S.] natural estabelece-se uma conexão associativa direta (um reflexo condicionado) — A-B entre os dois estímulos A e B. Na lembrança artificial, mnemotécnica, dessa mesma marca através do instrumento psicológico X (nó no lenço, esquema mnemônico), no lugar da conexão direta A-B estabelecem-se duas novas conexões: A-X e X-B, cada uma das quais é um reflexo condicionado, determinado pelas propriedades do tecido cerebral, da mesma forma que a conexão A-B. O novo, o artificial, o instrumental é dado pela substituição de uma conexão A-B por duas: A-X e X-B, que conduzem ao mesmo resultado, mas por outro caminho. O novo é a direção artificial que o instrumento imprime ao processo natural de fechamento da conexão condicionado, ou seja, a utilização ativa das propriedades naturais do tecido cerebral.(19)
A fim de entender a ideia de Vigotski corretamente, devemos levar em conta o seguinte. Os processos de memorização eram para ele somente um modelo. De acordo com suas hipóteses, os processos de mediação era de grande importância para qualquer função mental. É por isso que o esquema proposta possui significado universal. Estamos falando sobre da substituição do esquema bipartite, que eram usualmente aceito na década de 1920, por um esquema tripartite no qual uma terceira parte, intermediária, mediadora — os meios-estímulos ou instrumento psicológico — é colocado entre o estímulo e a reação. O ponto crucial da ideia de Vigotski é que somente o esquema tripartite que não ser mais decomposto pode ser a unidade mínima de análise que preserva as propriedades básicas das funções mentais.
Assim, a questão decisiva surgiu: as hipóteses de mediação sugeridas por Vigotski realmente nos permitem isolar uma nova unidade universal adequada da estrutura das funções mentais? Se isso fosse verdade, então Vigotski poderia proceder para a solução do problema da consciência a partir da posição do método histórico- genético. Mas primeiro essas hipóteses gerais precisavam ser verificadas. Modelos para tal verificação se tornaram primeiro a memória e depois a atenção (O Desenvolvimento das Formas Superiores de Atenção na Infância, 1925). Ao longo dos experimentos sobre atenção, a hipótese de mediação foi mais uma vez confirmada — a estrutura dos processos de atenção também se reestruturam devido aos instrumentos psicológicos.
O programa seguinte de investigações de Vigotski e seus colaboradores se preocupou com a verificação da hipótese de mediação sobre o exemplo de um processo mental fundamental como o pensamento. Essas investigações, entretanto, levaram a novos e inesperados resultados.
É bem conhecido que o pensamento está intimamente entrelaçado com a linguagem. Alguns psicólogos (por exemplo, Watson) elaboraram a conclusão de que o pensamento pode simplesmente ser reduzido à linguagem interna. Watson imaginou a ontogêneses do pensamento como procedendo junto à seguinte linha: linguagem falada — sussurro — linguagem interna. Entretanto, as investigações da escola de Würzburg executadas no início do século mostraram que o pensamento e a linguagem não coincidem absolutamente.
Assim, existiam dois pontos de vista nesta área: a reivindicação de que o pensamento e a linguagem coincidiam plenamente e a reivindicação de que eles eram totalmente diferentes. A unilateralidade dessas posições levou ao desenvolvimento de muitas teorias intermediárias comprometedoras. Desde o início, Vigotski não concordou com a maneira que elas se desenvolveram. Consistiam em examinar o processo do pensamento verbal em pessoas civilizadas adultas, que psicólogos então decompunham em suas partes componentes. O pensamento era considerado independente da linguagem, e a linguagem independente do pensamento. Então os psicólogos tentaram, nas palavras de Vigotski, retratar o vínculo entre um e outro como uma dependência mecânica puramente externa entre dois processos diferentes (Pensamento e Linguagem, capítulo 1). Aqui ele encontrou as duas principais deficiências da psicologia na forma mais óbvia: análise em elementos e anti-historicismo.
A verdadeira resposta para a questão da relação entre pensamento e linguagem era, consequentemente, para ser encontrada somente no caminho da investigação histórico-genética. A psicologia já havia angariado alguns fatos materiais para tal abordagem. Assim, na década de 1920 as investigações de Kohler lançaram uma nova luz nessas questões. Por um lado, ele descobriu em macacos o que ele chamou de intelecto instrumental. Parecia provável que esse intelecto instrumental estava vinculado ao pensamento humano (particularmente, verbal). Poderia ser visto como um dos níveis que filogeneticamente precedia o pensamento humano. Por outro lado, nos macacos foram descobertos diversos análogos à linguagem do tipo humana. Mas, o mais interessante era que o próprio Kohler e outros investigadores que replicaram seus experimentos concordaram sobre a ausência de um vínculo entre o intelecto instrumental e esses rudimentos da linguagem nos macacos. Descobriu-se, consequentemente, que as raízes genéticas do pensamento humano e linguagem humana eram diferentes e somente cruzavam em certa idade.
À luz desses fatos e se mantendo com a lógica geral dessa concepção, Vigotski chegou à conclusão de que a linguagem é um instrumento psicológico que media o pensamento em seu estágio inicial (como estágio inicial do pensamento ele quis dizer atividade prática). Como resultado de tal mediação verbal, o pensamento se desenvolve. Vigotski expressou essa ideia de maneira aforística, parafraseando as famosas palavras de Fausto. Ao invés do bíblico "Era no início o Verbo”, Goethe escreve "Era no início a Ação”(20). Para Vigotski, no problema da gêneses do pensamento, a ênfase lógica é transferida para as palavras "no início”. Assim, no início era a ação (atividade prática), que se tornou mediada pela palavra. Vigotski sugeriu que este era o núcleo do problema no plano filogenético.
Em princípio, algo similar deve ocorrer também na ontogêneses. Na década de 1920 as investigações ontogenéticas do pensamento e linguagem era executadas por Piaget. Elas causaram uma grande impressão em Vigotski. Na verdade, o livro Pensamento e Linguagem é, em grande medida, estruturado como uma polêmica com Piaget, embora não forme, naturalmente, a principal parte do conteúdo de seu trabalho. (Suficientemente interessante, o próprio Piaget leu Pensamento e Linguagem somente no final da década de 1950 e concordou largamente com as anotações críticas de Vigotski.) Piaget conseguiu observar e descrever o fenômeno da linguagem egocêntrica que ele interpretou como a manifestação da suposta natureza a-social intrínseca primordial da criança. Em posterior desenvolvimento, como a criança se torna socializada, a linguagem egocêntrica gradualmente morre.
Ao longo dos experimentos, Vigotski convincentemente mostrou que é exatamente o oposto. A linguagem egocêntrica é originalmente social. Ela não desaparece, mas se torna linguagem interna. É internalizada. É o meio mais importante do pensamento que nasce na atividade externa, objetiva da criança. O pensamento verbal se desenvolve na medida em que a atividade é internalizada. Aqui as hipóteses de Vigotski foram novamente confirmadas: o pensamento que se desenvolve a partir da atividade prática é mediado pela linguagem, pela palavra.
Mas uma verificação ainda mais importante dessas hipóteses ocorreu com o material das investigações da formação nas crianças de um produto do pensamento verbal que é a generalização. A tarefa era verificar se a palavra realmente é tal meio, tal instrumento psicológico, que media o processo de generalização e a formação de conceitos em crianças.
As investigações as quais nos referimos começaram em 1927 por Vigotski, junto com seu colaborador Sakharov, e depois da morte do último (em 1928) elas foram continuadas de 1928 a 1930 por Vigotski e Ju. V. Kotelova e E. I. Pashkovskia (a exposição mais detalhada dos métodos e resultados dessas investigações é dada no trabalho de Vigotski Pensamento e Linguagem e no artigo de Sakharov Sobre os Métodos de Investigação de Conceitos).
Para a investigação dos processos de generalização, Vigotski e Sakharov desenvolveram uma nova variante do método de estimulação dupla, que foi, na verdade, uma versão particular do métodos de palavras artificiais introduzido por Asch no começo do século para o estudo dos conceitos. A investigação foi executada junto com as mesmas linhas fundamentais das investigações de outras funções mentais. O sujeito tinha que agrupar um número de figuras geométrica tridimensionais de acordo com suas características. As figuras diferiam em tamanho, forma e cor. O papel da segunda série de estímulos — os meios-estímulos — era para ser executada por palavras artificiais sem sentido introduzidas no experimento.
No decorrer dos experimentos, um resultado inesperado foi encontrado que mudou a direção da investigação. Descobriu-se que para o sujeito, a tarefa de generalizar as figuras por meio de meios-estímulos se tornou outra tarefa — de descobrir o significado desses meios-estímulos ao selecionar as figuras geométricas. Assim, os instrumentos psicológicos, os meios-estímulos, mostraram um novo lado — eles se tornaram em veículos de certos significados. Esses dados permitiram aos investigadores mudar a terminologia da investigação. Os instrumentos psicológicos, ou meios-estímulos, passaram a se chamar signos. Vigotski começou a usar a palavra signo no sentido de "tendo significado”.
Deve ser dito que Vigotski já estava interessado na questão do papel dos signos na vida mental dos humanos antes de se se envolver na psicologia científica. A primeira vez que ele se deparou com essa questão foi nos anos que ele trabalho na área de psicologia da arte. Já em seu livro Psicologia da Arte, ele escreveu que as emoções humanas eram causadas por certos signos e que sua tarefa era proceder à análise das emoções com base na análise desses signos. Aqui por signo ele também quis dizer um símbolo que possui certo significado.
Tal ponto de vista era tradicional para a crítica literária e dramaturgia, mas inesperada para a psicologia ou fisiologia (um reflexologista também pode dizer que um signo causa uma emoção, mas para ele significaria que o signo é um estímulo condicional no sistema de reflexo condicional). É precisamente a educação humanitária (particularmente, sua semântica e semiótica) que Vigotski adquiriu nos anos de trabalho sobre Psicologia da Arte que permitiu a ele resistir ao esquema reflexológico na análise dos experimentos sobre generalização e vê-los como uma entrada para o problema do significado.
Nessa conexão, é interessante observar que já no final da década de 1920 e início da de 1930, Vigotski retomou a investigação do papel dos signos na psicologia da arte, i.e., ele retomou suas, na linguagem moderna, investigações semióticas (semiótica como uma ciência ainda não existia na época). Junto com Eisenstein, ele começou a trabalhar sobre a teoria da linguagem cinematográfica (a colaboração deles foi interrompida pela morte de Vigotski; algum material está preservado nos arquivos de Eisenstein).
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Assim, para Vigotski o estudo do problema da generalização, o desenvolvimento dos conceitos, o problema do significado da palavra se tornaram o caminho para investigar a ontogêneses do pensamento, que se tornou o centro nervoso de toda sua teoria.
Os experimentos executados com o método de estimulação dupla provar que, em seu desenvolvimento, os conceitos (e palavras junto com eles) passam por diversos estágios.
O primeiro estágio (o período inicial pré-escolar) é o estágio dos conjuntos sincréticos. Nesse estágio a palavra não possui significado fundamental para a criança. Figuras são combinadas de acordo com características acidentais (por exemplo, por que estão espacialmente perto ou possuem uma característica externa marcante etc.). Tal combinação baseada em impressão acidentais era, naturalmente, não estável.
O segundo estágio é o estágio dos complexos. O complexo generalização possui diversas formas diferentes. Eles têm em comum que a criança ainda combina objetos com base na experiência sensorial imediata, mas de acordo com conexões fatuais. Cada conexão pode servir como a base para a inclusão de um objeto em um complexo, desde que este presente. No processo do desenvolvimento do complexo, essas conexões constantemente mudam de lugar como a base do agrupamento. Eles escapam, perdem seus contornos, e a única coisa que possuem em comum é que eles foram descobertos através de alguma operação prática única. Nesse estágio as criança não podem ainda examinar alguma característica ou conexões entre objetos fora da situação concreta, presente, visível na qual estes objetos mostram sua abundância de características mutualmente transversais. É por isso que a criança de um detalhe para outro e assim por diante.
Todas as características são iguais no significado funcional, não existe hierarquia entre elas. Um objeto concreto entre em um complexo como uma unidade visual real com todas as suas características fatuais inalienáveis. Na formação de tal generalização, um grande papel é desempenhado pelo signo verbal. Ele funciona como uma indicação familiar dos objetos, combinando-os de acordo com alguma característica fatual.
Um lugar especial entre os complexos é mantido por uma de suas formas — o pseudoconceito, que, nas palavras de Vigotski, forma "a forma mais difundida de pensamento por complexos na criança no período pré-escolar, que prevalece acima de todas as outras formas e é frequentemente quase exclusivamente presente” (Investigações Psicológicas Escolhidas, 1956, p. 177). De acordo com suas características externas, a generalização da criança é um conceito, mas de acordo com o processo que leva à generalização é ainda um complexo. Assim, a criança pode livremente selecionar e combinar em um grupo todos os triângulos independente de suas cores, tamanhos etc. Entretanto, uma análise especial mostra que esta combinação é executada pela criança com base e uma compreensão visual do atributo visual característico da "triangularidade” (fecho, o cruzamento característico das linhas etc.) sem qualquer isolamento das propriedades essencial dessa figura como uma figura geométrica, i.e., sem a ideia de um triângulo. Na medida em que tal agrupamento pode ser feito por uma pessoa que já dominou essa ideia, o pseudoconceito e o conceito coincidem como produto, mas por trás deles existem vários métodos de trabalho, várias operações intelectuais.
O terceiro estágio é aquele do verdadeiro conceito. É formado com base na seleção de um grupo de objetos que são combinados de acordo com uma características que foi abstraída. Quando as características abstratas foram isoladas e os diferentes elementos abstraídos da situação visual na qual são apresentados no experimento, este é o primeiro estágio da formação de conceito. O próprio conceito se desenvolve quando um número de características abstraídas são novamente sintetizadas. O papel decisivo na formação de conceitos é desempenhado pela palavra como um meio de guiar a atenção às características correspondentes e como um meio para abstração. Aqui o papel da palavra (o significado do signo verbal) é totalmente diferente de seu papel no nível dos complexos.
Essa investigação produziu um número de resultados importantes e levou um número de problemas. No contexto da teoria geral de Vigotski, a descoberta do fato de que o significado das palavras-signos mudam na ontogêneses é muito importante. Sua função muda de uma indicação familiar a meio de abstração. Importante é também que o método de estimulação dupla novamente se justifica e mostrou que o signo nos processos de generalização, agem como um meio de mediação (seu papel é diferente nos vários estágios).
Entretanto, no que diz respeito ao problema da formação de conceito e o problema da própria generalização, a investigação de Vigotski levou mais novas questões do que respondeu as velhas questões. Sua conquista mais importante nessa conexão se tornou a descoberta do nível de complexos e, particularmente, os pseudoconceitos. Aqui a questão natural surge: porque a psicologia tradicional antes de Vigotski passou e ignorou os pseudoconceitos? A questão é que a psicologia tradicional tomou o pseudoconceito como um conceito e não possuía os meios para distinguir eles. A psicologia tradicional viu a generalização, o isolamento de algumas características comuns, como a única característica do conceito. Em tal abordagem do problema, os pseudoconceitos e os conceitos genuínos realmente se tornam indistinguíveis.
É importante manter em mente que tal caracterização de conceitos não era psicológica, mas lógica formal. Sua transferência acrítica da lógica formal, onde ela realmente funcionou, para a psicologia, onde ela não possuía conteúdo, causou danos à psicologia que os próprios psicólogos não haviam percebido. Tal tratamento do conceito recebeu seu primeiro golpe nas investigações de Jeansch na década de 1920, e o trabalho de Vigotski colocou um fim nele. O método histórico-genético psicológico fundamental das investigações de Vigotski revelou a falta de conteúdo da definição lógico formal do conceito, que uniu psicologicamente fenômenos diversos — o conceito genuíno e o pseudoconceito.
Mas, o paradoxo da descoberta de Vigotski residia no fato de que ele próprio em seu trabalho sobre conceito foi junto com a linha do desenvolvimento de generalizações, que iniciou a partir da situação visual e que no final de sua investigação, devido ao método histórico-genético, ele mostrou a inadequação de tal caminho. Naturalmente, o parentesco do objeto permanece um aspecto indisputável da explicação materialista do conceito, mas não deve ser confundido com a visualidade situacional. Vigotski sentiu que até mesmo o estágio superior de generalização da situação visual não é, todavia, o estágio superior do desenvolvimento do próprio conceito. Apesar de todo seu caráter abstrato, o conceito revelado dessa forma estava relacionado ao pseudoconceito e o complexo. Ele formou com eles um contínuo. Eles estavam ligados pelo conteúdo da generalização que reside por trás deles. A fim de criar um caminho para o nível superior do conceito, era necessário proceder de outro princípio de generalização, abordar o conceito de outro lado.
A busca posterior de Vigotski foi nessa direção. Ele não conseguiu realizar muito, mas o pouco que conseguiu (nos anos 1930-1931, Shif trabalhou sobre este problema sob sua orientação) deixou um traço fundamental na psicologia e foi aplicado praticamente de forma ampla subsequentemente.
Vigotski distinguiu dois tipos de conceitos: conceitos cotidianos e conceitos científicos. Os conceitos cotidianos são os conceitos revelados nos experimentos descritos acima. É o nível superior que uma generalização pode ser elevada que procede de uma situação visual, a abstração de alguma característica visual. Esses conceitos são ideias gerais que vão do concreto ao abstrato. Eles são conceitos espontâneos. Eles são a generalização de coisas” como o próprio Vigotski expressivamente disse em seu trabalho Pensamento e Linguagem.
Shif estabeleceu em suas investigações que a criança desenvolve conceito científico de outra forma. Eles são a "generalização de ideias”. Aqui uma conexão é estabelecida entre conceitos, e sistemas são formados. Então a criança se torna consciente de sua própria atividade intelectual. Devido a isso, a criança desenvolve uma relação especial com o objeto, que permite a ele ver nos objetos o que está inacessível para os conceitos empíricos (a penetração na essência do objeto). O caminho da formação do conceito científico é, Vigotski mostrou, oposto ao caminho da formação do conceito cotidiano, espontâneo. É o caminho do abstrato ao concreto durante o qual a criança está mais consciente do conceito do que do objeto desde o início.
Vigotski não podia investigar plenamente este processo na época, mas sua grande conquista científica foi que ele conseguiu estabelecer experimentalmente a diferença psicológica entre os processos de formação dos conceitos cotidianos e conceitos científicos.
Como pode estar conectado o desenvolvimento na criança de conceitos cotidianos e conceitos científicos? Vigotski conectou este problema com o problema mais amplo de ensino e aprendizagem. No processo de sua investigação, ele se deparou com o fato de que o desenvolvimento de conceitos científicos procedia mais rápido do que o desenvolvimento de conceitos espontâneos (Pensamento e Linguagem, capítulo 6). A análise desse fato o levou à conclusão de que o grau de domínio dos conceitos espontâneos indica o nível do verdadeiro desenvolvimento da criança, enquanto o grau de domínio dos conceitos científicos indica a zona de desenvolvimento proximal da criança. Com a introdução do conceito da "zona de desenvolvimento proximal”, Vigotski prestou um grande serviço à psicologia e pedagogia.
Conceitos espontâneos realmente se desenvolvem espontaneamente. Conceitos científicos são trazidos à consciência da criança ao longo da aprendizagem. "[...] conceitos científicos [...] melhoram alguma área do desenvolvimento não percorrida pela criança [...] neste caso começamos a entender que a aprendizagem cos conceitos científicos pode efetivamente desempenhar um papel imenso e decisivo em todo o desenvolvimento intelectual da criança”(21). "A aprendizagem só é boa quando está à frente do desenvolvimento”(22). Então a aprendizagem "motiva e desencadeia para a vida toda uma série de funções que se encontravam em fase de amadurecimento e na zona de desenvolvimento imediato [proximal — M.S.]”(23).
Assim, a zona de desenvolvimento proximal caracteriza a diferença entre o que é criança é capaz por si mesmo e o que pode se tornar capaz com a ajuda de um professor.
Tal visão era revolucionária para sua época. É bem conhecido que na época dominavam visões de acordo com as quais a aprendizagem deve seguir o desenvolvimento e fortalecer o que foi conquistado. Parecia impossível que a aprendizagem estaria à frente do desenvolvimento da criança — não podemos ensinar algo para o qual a base ainda não amadureceu na criança. Parecia natural determinar o nível de desenvolvimento da criança pelo que ela podia fazer independentemente. A análise do desenvolvimento da criança usando o método de seção transversal não podia, em princípio, produzir qualquer outra conclusão. Mas, as coisas mudaram radicalmente depois da aplicação do método histórico-genético de Vigotski, que permitiu aos investigadores revelar o nível potencial do desenvolvimento cognitivo da criança, a zona de desenvolvimento proximal.
A aplicação desse conceito tinha importância prática direta para o diagnóstico do desenvolvimento cognitivo de crianças, que agora poderia ser realizado tanto no nível real quanto no nível potencial.
Depois que as hipóteses de mediação dos processos mentais foram verificadas na formação de várias funções mentais (pensamento, memória, atenção etc.) e depois que os correspondentes novos métodos para a investigação psicológica terem sido criados, Vigotski retornou ao seu problema inicial, fundamental, para o qual a teoria histórico-cultural serviu como prólogo — o problema da consciência. Vigotski não terminou seu trabalho; foi interrompido por sua morte. É por isso que sua teoria psicológico não pode ser considerada como completada. Mas, ele, não obstante, esboçou alguns contornos gerais de um teoria da consciência que são de grande interesse. Particularmente importante para o entendimento de sua abordagem do problema são os trabalhos Pensamento e Linguagem (especialmente o último capítulo), a palestra O Problema do Desenvolvimento e Perda das Funções Mentais Superiores (1934), a palestra Jogos e seu Papel no Desenvolvimento Mental da Criança (1933), o manuscrito inacabado Teorias de Espinoza e Descartes Sobre as Paixões à Luz da Neuropsicologia Moderna (1934), e a palestra Psicologia e a Teoria da Localização das Funções Mentais (1934). Muitas ideias em relação a este problema também podem ser encontradas em seus trabalhos iniciais, especialmente A História do Desenvolvimento das Funções Mentais Superiores, e em sua palestra Sobre Sistemas Psicológicos (1930).
Quais foram as principais conclusões a que Vigotski chegou? As funções mentais se desenvolvem ao longo do desenvolvimento histórico da humanidade. O fator decisivo neste desenvolvimento são os signos. Vigotski (A História do Desenvolvimento das Funções Mentais Superiores, 1960, pp. 197-198) escreveu que "em uma estrutura superior, o signo e a forma como é usado são o todo funcional decisivo ou foco de todo o processo”. Um signo é qualquer símbolo convencional que possui um certo significado. A palavra é o signo universal. Um função mental superior se desenvolve com base em uma função elementar que se torna mediada por signos no processo de internalização. Internalização é a lei fundamental do desenvolvimento para as funções mentais superiores na ontogêneses e filogêneses. "Cada função no desenvolvimento cultural [...] aparece no palco duas vezes, em dois planos. Primeiro como uma função social, então como uma função psicológica. Primeiro entre pessoas, como uma categoria interpsicológica, então [...] como uma categoria intrapsicológica” (A História do Desenvolvimento das Funções Mentais Superiores, 1960, pp. 197-198). A consciência humana é formada no processo de internalização.
No fim da década de 1930, o entendimento de Vigotski do processo de internalização mudou fundamentalmente. Ele próprio disse isso sobre a questão:
"No processo de desenvolvimento [...] não são muito as funções que mudam, como estudamos no início (esse foi nosso erro), não muito sua estrutura [...] mas são as relações, as conexões entre as funções que mudam e se tornam modificadas. Novos grupos se desenvolvem que são desconhecidos no estágio precedentes” (Sobre Sistemas Psicológicos, p. 110).
Aqui Vigotski quer que os ouvintes prestem bastante atenção à distinção entre esses dois aspectos do problema e está sendo injusto consigo mesmo. Se ele não tivesse começado seu estudo do fato de que a estrutura de funções diferentes mudam sob a influência da mediação com tal "erro”, ele nunca teria chegado na nova conclusão de que as conexões entre as funções mudam ao longo do desenvolvimento.
Falando sobre o problema das conexões interfuncionais, Vigotski se voltou aos trabalhos do grande teórico evolucionário e zoopsicólogo russo, Vagner, em cujo trabalho ele encontrou o conceito de evolução junto com linhas puras ou misturadas que foi muito importante para ele. A evolução junto com linhas puras é característica do mundo animal, i.e., "o aparecimento de um novo instinto, uma variante de um instinto que deixa inalterado o sistema de funções que se desenvolveu antes” (O Problema do Desenvolvimento e Perda de Funções Mentais Superiores, 1960, p. 368). Em contraste, para o desenvolvimento da consciência humana, "o mais importante [...] no desenvolvimento das funções mentais superiores não é tanto o desenvolvimento de cada função mental [...] mas a mudança das conexões interfuncionais” (O Problema do Desenvolvimento e Perda de Funções Mentais Superiores, 1960, p. 368).
Em conexão com esse ponto decisivo em sua investigação dos relacionamentos interfuncionais, Vigotski se voltou ao novo conceito de sistema psicológico. Em vários significados vagas ele foi usado na psicologia já antes de Vigotski, mas ele quis dizer o sistema de conexões interfuncionais, a estrutura interfuncional responsável por um processo mental específico (percepção, memória, pensamento etc.). Em suas Palestras Sobre Psicologia (1932/1987, p. 324), ele escreveu que "o desenvolvimento do pensamento é de central importância para toda a estrutura da consciência, central para todo o sistema de funções mentais”.
O conceito de sistema psicológico provou muito frutífero para a teoria de Vigotski(24). Assim, por exemplo, psicólogos conheciam por um longo tempo que nos processos da memória lógica, não somente a memória, mas também o pensamento participam. Mas, Vigotski conseguiu mostrar, usando o método histórico-genético, como a formação de um sistema psicológico ocorre no processo de mediação das funções mentais elementares por signos. Este fato já se manifestou durante os experimentos sobre o desenvolvimento da memória mediada (O Problema do Desenvolvimento Cultural da Criança). Mas antes tinha significado no contexto das hipóteses de mediação. Agora tem significado na investigação dos sistemas psicológicos, e devido a este fato, Vigotski chega a um número de novos interessantes problemas psicológicos.
"Somente aqui encontramos a resposta para o 'porque’ final na análise do pensamento” (Vigotski, 1934/1987, p. 282). O trabalho Teorias de Espinoza e Descartes Sobre as Paixões à Luz da Neuropsicologia Moderna, que ele começa nessa conexão, permitiu inacabado. Vigotski basicamente conseguiu dar uma análise do trabalho criativo de Descartes (esse manuscrito é publicado pela primeira vez na presente série).
Em seus últimos trabalhos, Vigotski apontou para ainda outro ponto onde a atividade e a consciência se encontram (por exemplo, em sua palestra Jogos e seu Papel no Desenvolvimento Mental da Criança, de 1933). Ao passo que ele demonstrou antes que a atividade da criança determina a formação de seu pensamento no início da infância, ele agora tentou mostrar como a atividade externa (jogo) determina o desenvolvimento mental ("cria uma zona de desenvolvimento proximal”) e é um atividade líder. De acordo com esse novo aspecto de seus interesses, Vigotski agora começou a prestar mais atenção ao aspecto afetivo-emocional do jogo.
Em um artigo é dificilmente possível dar até mesmo uma caracterização concisa de todos os problema que Vigotski lidou e desenvolveu. Assim, deixamos de lado seus trabalhos defectológicos, pedagógicos e outros. Esses problemas serão tratados nos correspondentes volumes da presente série. Vimos como nossa tarefa mostrar a evolução da teoria psicológica geral de Vigotski, que é a parte mais importante de seu multifacetado trabalho criativo. O objetivo de Vigotski era construir as bases de uma psicologia marxista, mais concretamente — um psicologia da consciência. Ele conseguiu ver que para a psicologia marxista, a atividade objetiva humana deve se tornar a categoria central. E, embora o termo "atividade objetiva” não é encontrada em seus trabalhos, este é o significado objetivo de seus trabalhos, estes também foram seu planos subjetivos. A primeira manifestação dessa categoria na psicologia foi a teoria histórico-cultural de Vigotski com a ideia de mediação dos processos mentais por instrumentos psicológicos — por analogia com a forma com que os instrumentos materiais de trabalho mediam a atividade prática humana. Através desta ideia, Vigotski introduziu o método dialético na psicologia e elaborou seu método histórico-genético em particular.
Essas ideias de Vigotski permitiram a ele chegar a um número de conquistas científicas brilhantes. Ao mesmo tempo, tal dimensão da atividade como a esfera emocional-afetiva apareceu no centro de sua atenção. Mas, este novo programa de investigações ele não pode realizar.
Cinquenta anos nos separam das ideias expressas por Vigotski. Mas, os problemas centrais para a solução que Vigotski dedicou sua vida permanecem centrais para a psicologia contemporânea também, e sua solução deve estar sob os princípios metodológicos teóricos que ele desenvolveu. Esta é a grande conquista e a melhor apreciação do trabalho criativo deste grande psicólogo do século XX — Lev Semenovitch Vigotski.
Publicado em 1989 como prefácio ao volume 3 das Obras Escolhidas de Vigotski em inglês
Escrito por Alexei N. Leontiev
Traduzido por Marcelo José de Souza e Silva (1)
Do marxists.org
Notas
(1) Possui graduação em farmácia pela UFPR e é mestre em educação pela UFPR. Participa dos Grupos de Pesquisa: Núcleo de Pesquisa Educação e Marxismo (NUPE-Marx/UFPR), na linha Trabalho, Tecnologia e Educação; e Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/UFPR), na linha Estudos Marxistas em Saúde. Contato: marcelojss@gmail.com
(2) Disponível em português: Vigotski, Lev Semenovitch. Teoria e Métodos em Psicologia. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 3-32. — M.S.
(3) Disponível em português: Vigotski, Lev Semenovitch. Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999, pp. 207-248. Também disponível em português: Vigotski, Lev Semenovitch. A Tragédia de Hamlet, o Príncipe da Dinamarca. São Paulo: Martins Fontes, 1999. — M.S.
(4) Disponível em português: Vigotski, Lev Semenovitch. Teoria e Método em Psicologia. 3.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 55-86. — M.S.
(5) Disponível em português: Vigotski, Lev Semenovitch. Teoria e Método em Psicologia. 3.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 203-420. — M.S.
(6) Vigotski, Lev Semenovitch. O Significado Histórico da Crise da Psicologia. In: Teoria e Método em Psicologia. 3.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 203. — M.S.
(7) É essencial observar que já em 1920 Blonski, em seu livro A Reforma da Ciência, expressou a ideia da importância da atividade do trabalho para a análise da psicologia da pessoa. Algum tempo depois que Vigotski, Basov (1927) em seu Bases Gerais da Pedologia, afirmou ideias profundas sobre o significado da atividade de trabalho e externa para a psicologia. Entretanto, a análise concreta de Basov e Vigotski da atividade eram diferentes. É importante observar que ambos amarram o significado das investigações prática, atividade de trabalho de humanos diretamente à tarefa de construir uma psicologia marxista. Entre os psicólogos estrangeiros, foi o grande acadêmico francês Janet que na década de 1920 desenvolveu ideias interessantes sobre o significado do trabalho e atividade do trabalho para a psicologia.
(8) Disponível em português como capítulo do livro Pensamento e Linguagem: Vigotski, Lev Semenovitch. A Construção do Pensamento e da Linguagem. 2.ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, pp. 111-150. — M.S.
(9) Disponível em português: Vigotski, Lev Semenovitch. Teoria e Método em Psicologia. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 93-102. — M.S.
(10) Disponível em português: Vigotski, Lev Semenovitch. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. — M.S.
(11) Disponível em português: Vigotski, Lev Semenovitch; LURIA, Alexander Romanovitch. Estudos Sobre a História do Comportamento: Símios, Homem Primitivo e Criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. — M.S.
(12) Disponível em português: Vigotski, Lev Semenovitch. Pensamento e Linguagem. 4.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Tradução da versão editada e resumida em inglês. Vigotski, Lev Semenovitch. A Construção do Pensamento e da Linguagem. 2.ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. Tradução do original em russo. — M.S.]
(13) BACON, Francis. The New Organon or True Directions Concerning the Interpretation of Nature. New York: The Liberal Arte Press, 1620. — M.S.
(14) Disponível em português: Vigotski, Lev Semenovitch. O Desenvolvimento Psicológico na Infância. 2.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, pp. 201-242. — M.S.
(15) Vigotski mais de uma vez escreveu sobre dois métodos de análise — em elementos (análise atomista) e em unidades. A análise em elementos quebra um todo em suas partes componentes mais simples, que, entretanto, perderam as propriedades do todo (exemplo, quebrando água em átomos de hidrogênio e oxigênio). A análise em unidades quebra um todo em partes componentes mais pequenas possíveis que ainda retêm as propriedades do todo (exemplo, quebrando água em moléculas). Na psicologia, Vigotski contou a quebra dos processos mentais em reflexos assim como o sistema bipartite dos behavioristas (S — R) como análise em elementos.
(16) Filogenia é o estudo da relação evolutiva entre grupos de organismos. Vigotski e Leontiev utilizam a palavra genética no sentido de gênese — M.S.
(17) Ontogenia é o estudo das origens e desenvolvimento de um organismo — M.S.
(18) Devemos entender que tal uso da palavra "estímulo” era bastante incomum. É suficiente comparar com a forma que os behavioristas, reflexologistas etc. lidavam com o estímulo. Tal "desleixo” terminológico por Vigotski formou uma das dificuldades do entendimento correto de seu trabalho e pode ser explicado, antes de tudo, pelo estado incompleto de sua concepção. Ele estava com bastante pressa — com pressa de realizar suas ideias, para completar, embora em esboços grosseiros, sua teoria. Neste processo, a precisão terminológica era uma questão de importância secundária.
(19) Vigotski, Lev Semenovitch. Teoria e Método em Psicologia. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 94-95.
(20) GOETHE, Johann Wolfgang von. Fausto: uma tragédia — Primeira parte. 4.ª ed. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 131. — M.S.
(21) Vigotski, Lev Semenovitch. A Construção do Pensamento e da Linguagem. 2.ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, pp. 351-352.
(22) Vigotski, Lev Semenovitch. A Construção do Pensamento e da Linguagem. 2.ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p. 334.
(23) Vigotski, Lev Semenovitch. A Construção do Pensamento e da Linguagem. 2.ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p. 334.
(24) Aproximadamente na mesma época, Bernstein chegou em um conceito similar seguinte um caminho diferente. Este era o conceito de sistemas motores dinâmicas (um e mesmo movimento pode ser executado por várias organizações fisiológicas mutualmente intercambiáveis).