"Fusão entre Monsanto e Bayer aumenta monopólio do veneno e da transgenia no mundo"
No dia 21 de março, a União Europeia avalizou a fusão de duas megaempresas de tecnologia agrícola: a norte-americana Monsanto e a alemã Bayer. O negócio já havia sido aprovado no Brasil pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Também já houve o aval chinês e da África do Sul. Basta a autorização dos Estados Unidos para consolidar a fusão no mercado agrícola mundial. A unificação de tais empresas é a terceira na concentração produtiva. Com a união das estadunidenses Dow e DuPont e da suíça Syngenta com a chinesa ChemChina, o mercado agroquímico mundial será protagonizado por quatro grupos econômicos, somados à também estadunidense Basf. O novo cenário é de que as quatro empresas transnacionais passem a dominar 65% das vendas de agrotóxicos e pesticidas e cerca de 60% das comercializações de sementes no mundo. Somente a Monsanto é a maior vendedora de sementes do globo e a Bayer ocupa a segunda posição na venda de agrotóxicos. As megafusões revelam e atualizam a tendência de concentração e monopólio do capital, a que já alertava Lenin em 1916, facilitando o acordo, formação de trustes e cartéis, além da própria proporção das empresas que dificulta a concorrência. Há também a combinação numa só empresa de diferentes ramos industriais, como é o caso do pacote tecnológico agrícola que vincula a produção de sementes modificadas e transgênicas e adaptadas aos agrotóxicos. O domínio do mercado tecnológico agrícola reforça a divisão internacional do trabalho entre os países que pesquisam e desenvolvem tecnologias (se apropriando dos recursos naturais e conhecimentos tradicionais) e aqueles países responsáveis pela produção agrícola concentrada, como é o Brasil. Um modelo edificado em trocas desiguais. A concentração e apropriação da agrobiodiversidade mundial estabelece o domínio da soberania e segurança alimentar, especialmente dos países de capitalismo dependente e alta concentração produtiva agroindustrial. A homogeneização agrícola e domínio produtivo, por sua vez, gera erosão genética, ambiental e cultural. Tanto é que hoje 75% dos alimentos do planeta provém de apenas 12 espécies vegetais e apenas 5 espécies animais. A alta tecnificação agrícola impulsiona a concentração e o investimento em pesquisas de tecnologia de ponta, alocada nos países de capitalismo central. Este, inclusive é o discurso estampado na página da Bayer no Brasil após a fusão: “a empresa combinada poderá acelerar a inovação e levar aos clientes soluções melhoradas e um conjunto de produtos otimizado baseado em insights agronômicos analíticos e apoiado por aplicações no campo da Agricultura Digital”. É o investimento estrutural em uma agricultura altamente industrial, dependente, digital, concentrada e com poucos trabalhadores. Tudo às custas da saúde, da soberania e da biodiversidade e até da vida do povo brasileiro. Não é acaso que no início deste ano aprovou-se no Brasil uma normativa da Comissão Técnica de Biossegurança Nacional que abre brechas para a implementação de novas biotecnologias de alto risco, a exemplo dos “condutores genéticos” (gene drives, em inglês). Estas tecnologias permitem a alteração genética vegetal e animal com possibilidade de controlar espécies e cadeias ambientais inteiras. Tanto é que o maior investimento nas pesquisas dessas tecnologias é do Exército dos Estados Unidos e do Instituto Bill e Melinda Gates. O Brasil é o primeiro país do mundo a abrir tal brecha jurídica. Um verdadeiro campo de testes. A mesma comissão (CTNBio) já aprovou 76 variedades transgênicas vegetais no país, das quais 60 são modificadas para tolerar herbicidas. Assim, o Brasil também é o maior mercado consumidor de agrotóxicos no mundo, com 504 agrotóxicos de uso permitido, sendo que 30% são vedados na União Europeia. É fato, portanto, que se a concentração produtiva e o domínio do mercado pelas grandes empresas impacta o “velho continente”, nos países do sul o desastre é brutal. Lenin é assertivo: “os carteis estabelecem entre si acordos sobre as condições de venda, os prazos de pagamento etc. Repartem os mercados de venda. Fixam a quantidade de produtos a fabricar. Estabelecem os preços. Distribuem os lucros”, acrescentamos – fazem lobby, dominam a política, se autorregulam – legislam, executam e julgam. Tanto é que a Frente Parlamentar Agropecuária conta com 209 deputados federais signatários em exercício (cerca de 40% da Câmara Federal) e 27 senadores (33% do Senado). Além da ocupação do agronegócio dos ministérios do Executivo, com o “Rei da Soja” Blairo Maggi no Ministério da Agricultura, com Osmar Serraglio no Ministério da Justiça e Eliseu Padilha na Casa Civil. O judiciário também capturado pelo corporativismo do agronegócio. Basta lembrar que o encontro da Associação Brasileira dos Magistrados já teve a Confederação Nacional da Agricultura como um dos apoiadores e interlocutor prioritário sobre a temática agrária. Como o agronegócio brasileiro é associado e atrelado ao pacote tecnológico e as determinações das empresas transnacionais, há quase que uma impossibilidade de se forjar uma burguesia agrária nacionalista ou independente. Isto é, ainda que os grandes produtores nacionais se sintam ameaçados com as fusões, a aplicação da cartilha do mercado internacional é fator certo no capitalismo periférico brasileiro. O que se vislumbra com a possibilidade de venda de terras para estrangeiros, pelas tentativas de ampliação dos prazos de proteção de cultivares, pela facilitação do processo de aprovação de agrotóxicos, pela vinculação do crédito agrícola ou políticas públicas à compra de sementes patenteadas, transgênicas e agrotóxicos. Já a sucção dos recursos naturais e flexibilização das legislações ambientais, como foi a consolidação do Código Florestal pelo STF corrobora para a reconfiguração da acumulação primitiva e a ofensiva sobre a América Latina. Lenin, mais uma vez, é preciso e atual: “quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se torna a falta de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta pela aquisição de colônias”. por Naiara Bittencourt é advogada popular da Terra de Direitos, mestra em Direitos Humanos e Democracia pela UFPR e militante da Marcha Mundial das Mulheres