"Primeiros pan-africanistas, do continente à diáspora"
África impactou na humanidade desde o surgimento do homem, desde quando o primeiro Homo sapiens apareceu há 200 mil anos atrás, e de acordo com as teorias mais aceitas, eles eram então a "humanidade".
A história dessa influência é contada hoje a partir da migração das etnias para a Ásia, Polinésia e ao resto do mundo para se consolidarem nessas regiões através de comunidades, nações e estados, para então alcançar o que agora é chamado de “população global”.
Mas a raça negra, uma parte importante da humanidade em uma época dividida segundo linhas étnicas, é a que é mais associada ao terceiro maior continente do mundo em área (depois da Ásia e América) e, portanto, a esse segmento humano que integrou hábitos e costumes, e fundou o pensamento e a filosofia junto a outras nações.
Embora para a antropologia moderna a composição humana atual seja o resultado de relações íntimas entre diferentes etnias, este sincretismo do encontro entre África, Europa e América, tornara-se um enorme todo cultural, e tinha uma característica duma empolgante aventura humana.
Diz-se que, embora o homem tenha nascido na África, foi na Ásia e na Europa onde a civilização surgiu, mas toda essa fusão de conhecimentos, tradições e saberes originaram-se a partir da família, horda, etnia, aldeia, comunidade ou nação irrompendo com força integradora nas três Américas (Norte, Central/Caribe e Sul).
Após a chamada “descoberta” da América em 1492 e a conquista posterior, a região foi então recém-revelada perante os olhos incrédulos, ambiciosos e colonizadores da Europa como uma fonte de enriquecimento em condições quase primitivas.
Estima-se que entre 1501 e 1641 vieram para a América cerca de 620 mil africanos, mas o tráfico massivo ocorrera no século XVIII, protagonizado por britânicos e franceses, que trouxeram mais de 5,5 milhões de africanos, para que trabalhassem nas possessões açucareiras no Caribe, como Barbados e Santo Domingo.
A chegada e o povoamento dos africanos como força de trabalho de substituição, o esgotamento das populações aborígenes, exterminadas, quase que extintas pelo excesso de exploração física, influenciara desde então em todas as expressões de vida, pensamento, criação e imaginação do americano, uma parte do qual se tornaria “afro-americano”.
Pode-se dizer que o encontro do homem africano com o europeu “em território neutro” fundiu-se em uma espécie de “terceira cultura” que incluía até mesmo hábitos alimentares e originou novas formas de pensar, entre elas o pan-africanismo, a ideologia emancipadora daquele continente.
Consolidação do pan-africanismo
Embora o pan-africanismo tenha sua origem no continente em que o justifica como agenda, parte de seus componentes integrais são de origem americana e, no geral, extra regionais.
Os elementos básicos do termo nasceram com a primeira grande civilização humana no Vale do Nilo, 5 mil anos antes de nossa era, e a sua exacerbação e desdobramento vieram com a descoberta e a colonização do novo continente há 500 anos.
Embora essa corrente tenha ganho muito espaço no Ocidente, como outros movimentos históricos oriundos do terceiro mundo que encontraram tribuna e microfone nos países industrializados responsáveis pelos males que provocaram essas reações, a América foi uma espécie de segunda pátria.
As formulações teóricas do pan-africanismo surgiram na segunda metade do século XIX entre os intelectuais afro-americanos, devido a confluência, segundo o pesquisador guineense-equatoriano Ndongo-Bidyogo, de vários fatores: escravidão ocidental, que explorava os negros tanto na África quanto na América; colonialismo europeu na própria região; e a emigração para os Estados Unidos de trabalhadores e estudantes negros que viajaram das Antilhas para lá. Nesta última região, as revoltas antiescravistas e os movimentos de emancipação eram numerosos, bem como a produção intelectual progressiva, vasta e frutífera de seus afrodescendentes, elementos também vitais do pan-africanismo.
Primeiros promotores e fóruns
Ainda que antes houvessem ocorrido tentativas com figuras como o jamaicano J . J. Thomas e o trinitino Henry Silvester, foi o estadunidense William Edward Burghardt Du Bois Williams o fundador, em 1897, em Londres, da primeira organização pan-africanista.
Se tratava de uma entidade denominada Associação Africana da qual emergiram outras similares no sul e sudoeste da África, Libéria, Estados Unidos e no Caribe.
Da união de todas elas surgiu a Associação Pan-africana, que organizou em Londres a Primeira Conferência Pan-africana em junho de 1900, com objetivos como o de garantir os direitos civis e políticos para cidadãos da região e seus descendentes.
Além de ser um agitador, o secretário daquela reunião seria novamente Du Bois, um acadêmico e ativista de Massachusetts, o primeiro negro com doutorado em Harvard e então professor de Economia, Sociologia e História nesta universidade. Considerado como o pai conceitual do pan-africanismo pelos seus aportes teóricos e contribuições de quase um século (morreu aos 95 anos), alguns até atribuíram-lhe a criação do termo.
Mas a consagração do pan-africanismo foi no V Congresso de 1945 em Manchester, no Reino Unido, que o estabeleceu como doutrina e fortaleceu-se com aportes de líderes como Kwame N’krumah (da Costa do Ouro, atualmente Gana) e Julius Nyerere (Tanganika, atualmente Tanzânia).
Com o estímulo do trinitino George Padmore, considerado um dos três pilares não africanos do pan-africanismo, junto a Du Bois e ao jamaicano Marcus Mosiah Garvey, o V Congresso promulgou o “Direito de Todos os Povos à autodeterminação”.
N’krumah, artífice do congresso de Manchester
O líder de Gana N’krumah (Francis Nwla Fofie Kwame N’krumah) foi o orador e ativista mais exitoso e principal ideólogo daquele congresso em Manchester.
Graduado como professor em país, e em Economia e Sociologia nos Estados Unidos, influenciado pelas ideias de Garvey e Padmore, N’krumah iniciou sua militância pela emancipação das colônias europeias.
Em abril de 1958, já presidente de seu país independente, convocou em Accra, a nova capital, a I Conferência dos Estados Independentes da África, que já eram oito: Marrocos, Egito, Tunísia, Líbia, Gana, Sudão, Etiópia e Libéria.
Além das incontáveis reuniões dentro e fora da África, o Pan-africanismo foi tomando corpo em organizações, uniões, federações e confederações de países que acessavam a plena soberania, muitos deles a partir da década de 1960.
Pouco a pouco, foram também projetando e (re)definindo-se os objetivos de uma unidade continental em teoria desejada por todos os africanos, ainda que com diferenças estratégicas, avanços e retrocessos que marcaram a Organização para a Unidade Africana (OAU) e que prevalecem na União Africana (UA).
Escrito por Antonio Paneque Brizuela, jornalista de África e Oriente Médio da prensa-latina.cu
Traduzido por Igor Dias
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