"1959: Ano de fundação de uma epopeia cultural em Cuba"
“O que é a arte, senão o modo mais curto de chegar ao triunfo da verdade, e de colocá-la por sua vez,
de maneira que perdure e brilhe nas mentes e nos corações?" — José Martí
O triunfo da Revolução marcou uma nova etapa para a cultura cubana, na qual o calendário da Ilha comemora seu Dia especial relembrando, em 20 de outubro de 1868, aquela data histórica na qual se misturou consciência patriótica e arte.
Carlos Manuel de Céspedes, depois Pai da Pátria, com sua inicial ação de luta, em Yara, contra o regime colonial espanhol, tomou então a cidade de Bayamo, depois de atear-lhe fogo antes de a entregar, e Perucho Figueredo revelaria ali a letra de La Bayamesa, que resultaria o Hino Nacional, verdadeira aliança do espírito independentista e a música.
Esse prólogo magnífico de uma guerra de independência prolongada quase um século, permite então entender porque nos mais difíceis momentos do chamado ‘período especial’, nos anos 90, Fidel manifestasse que o primeiro que era preciso salvar era a cultura.
Todo começou com a Revolução. A epopeia cultural desenvolvida em mais de cinquenta anos tem cultivado o espírito dos cubanos e a cultura é um direito conquistado.
No próprio ano 1959 nasciam algumas das múltiplas instituições artísticas e culturais fundadas já no país. Pareceria não ter motivo para surpreender-se quando se fala que, em março, foi criado o Instituto Cubano da Arte e a Indústria Cinematográfica (Icaic) e o hoje Instituto Cubano do Livro (nascido como Imprensa Nacional), e em abril, a Casa das Américas, instituições ícones da cultura do país.
E, contudo… a surpresa está indissoluvelmente relacionada a essas ações iniciais. Tanto por fazer! e a cultura esteve na gênese.
O Engenhoso Hidalgo
Apenas três meses depois da vitória, foi fundada a Imprensa Nacional e no ano seguinte, por iniciativa de Fidel, ou por sugestão de Alejo Carpentier (fala-se em ambos como iniciadores, e em verdade são), foi editado uma edição já lendária de cem mil livros do clássico por excelência da literatura espanhola, O Engenhoso Hidalgo Dom Quixote da Mancha, de Miguel de Cervantes.
Seria a Imprensa Nacional a responsável por editar, em 1961, as cartilhas e os manuais da Campanha Nacional de Alfabetização, quando quase um milhão de cubanos aprendeu a ler e escrever. Está sendo comemorado, então, o 55º aniversário daquela primeira conquista da Revolução, um fato cultural transcendente.
O livro resultou ser primordial para o cubano, sempre qualificado de ávido leitor, como demonstra, cada ano, a Feria Internacional que em Havana lota grandemente a antiga fortaleza colonial San Carlos de la Cabaña.
Vinte e quatro Imagens por segundo
Março foi um mês de sorte. “Sob a certeza de que se queremos cinema nossa melhor definição é reafirmá-lo oficialmente”, nasceu por decreto o Instituto cubano da Arte e a Indústria Cinematográficas (Icaic).
Uma mostra de como o cinema já faz parte consubstancial da espiritualidade do cubano; baste dizer Festival Internacional de Novo Cinema Latino-americano, onde qualquer diretor da região ou de outras partes do mundo, pois os filmes não conhecem fronteiras, fica sempre surpreso e cativado pelo inúmero, cálido e conhecedor público que frequenta as salas de cinema.
Caminhando no tempo, faz agora 30 anos, foi criada a Escola Internacional de Cinema e Televisão (Eictv), de San Antonio de los Baños, à distância de 30 quilômetros de Havana, como diria Alfredo Guevara, “sob a sombra de Fidel”, por Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura 1982, o cineasta argentino Fernando Birri e o cubano Julio García Espinosa.
Alicia e Casa (SUBT)
A Casa das Américas foi fundada, em abril, pela heroína cubana Haydée Santamaría, como espaço de encontro e diálogo para os intelectuais e criadores latino-americanos e caribenhos e seu Prêmio Literário é hoje um dos mais prestigiados do continente.
O balé, uma arte que se considera associada às minorias, em Cuba é totalmente de massas. A diretora do Ballet Nacional de Cuba, a distinta ballerina Alicia Alonso, disse em múltiplas ocasiões que sempre teve uma colaboração imediata de Fidel, que o percebia como arte elevada, que o povo merecia conhecer e desfrutar.
No mês de maio de 1961, dias antes da vitória de Playa Girón, o próprio Fidel criou a Escola Nacional de Instrutores de Arte, com a ideia de que ministrassem seus conhecimentos aos povoadores do campo e da cidade e os qualificou de singulares promotores da cultura. Depois, chegaria a Escola Nacional da Arte e o Instituto Superior.
Palavras aos intelectuais
Em junho... Os dias 16, 23 e 30 de 1961, os intelectuais cubanos reuniram-se na Biblioteca Nacional com o líder cubano e seu discurso final, que ficou para a história como Palavras aos intelectuais tem permanecido como eixo de todas as ações desenvolvidas no campo da cultura, nelas ficou traçada a política cultural da Revolução.
O diretor da Biblioteca Nacional de Cuba José Martí, o professor Eduardo Eduardo Torres Cuevas, ao relembrar, em junho deste ano, o 55º aniversário daquele encontro afirmou:
“Era um discurso nascido da originalidade cubana, da tradição revolucionária e cultural cubana, de suas raízes mais profundas, da cultura dos homens de 1868, 1895 e 1933, e todo isso, como força criadora para aqueles que fazem a cultura nascente de uma nova sociedade construída desde a tradicional cultural da resistência ao colonialismo, ao neocolonialismo, à intervenção e ao imperialismo”.
Em outro contexto, mas em semelhante comemoração, o poeta Miguel Barnet, atual presidente da União dos Escritores e Artistas de Cuba (Uneac) — criada pela força de “Palavras aos Intelectuais” menos de dois meses depois — significaria: “ao longo da história tem se querido descontextualizar o famoso pronunciamento do Comandante: ‘Dentro da Revolução tudo, contra a Revolução nada’, mas essas palavras de unidade, coerência, foram a plataforma inicial do que é hoje nossa política cultural: aberta, flexível, com liberdade de tendências”.
Quando, em 2010, o 7º Congresso da Uneac outorgou por aprovação, para o líder histórico da Revolução, a condição de Membro de Mérito da Uneac, foi feito não somente por sua trajetória como jornalista, escritor e orador de excelência, mas também como o principal impulsor das instituições culturais do país.
O general-de-exército Raúl Castro Ruz, primeiro secretário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba e presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, no ato político em homenagem póstuma ao Comandante-em-chefe da Revolução Cubana, Fidel Casto Ruz, em 3 de dezembro passado anunciou: “Fiel à ética martiana de que ‘toda a glória do mundo cabe em um grão de milho’, o líder da Revolução recusava qualquer manifestação de culto à personalidade e foi consequente com essa atitude até as últimas horas de vida, insistindo em que, depois de falecido, seu nome e sua figura nunca fossem utilizadas para denominar instituições, praças, parques, avenidas, ruas ou outros sites públicos, nem erguer em sua memória monumentos, bustos, estátuas e outras formas semelhantes de tributo”.
Não haverá mármores, mas será cantado e lembrado. No poema “Para Fidel Castro” (Canção de gesta/1960), Pablo Neruda escreve: “Fidel, Fidel, os povos te agradecem/palavras em ação e fatos que cantam”.
Ainda mais, foi dito por outro poeta, o argentino Juan Gelman, Fidel é “Como um fogo ateado contra a noite escura”.
Do Granma