"Algumas notas sobre a classe operária e as guerras imperialistas"
Antes de tudo, acho necessário fazer uma declaração sobre em nome de quem eu falo. Eu sou comunista, mas desde o final dos anos sessenta, um comunista não filiado a partidos. As razões para isso, eu escrevi em vários livros. Portanto, não sou porta-voz de nenhuma organização em específico que possa ser responsável pelas coisas que eu falo.
Recentemente publiquei um livro, Red Star Over India: As the Wretched of the Earth are Rising, em grande parte baseado em minha visita à zona de guerrilha em Dandakaranya, sob convite do PCI (Maoista). Nele eu descrevo como, quando após uma longa caminhada pela floresta, chegamos ao acampamento em Dandakaranya à noite e tomamos uma xícara de chá, um grupo saiu da floresta também. Depois de um tempo, compreendi que era o secretário-geral do PCI (Maoista), Ganapathy e seus camaradas.
Na discussão com eles que se seguiu, tentei falar algo sobre nossa experiência–tanto positiva quanto negativa–do trabalho político contra a guerra e o Imperialismo durante mais de um século em um pequeno país Imperialista como a Suécia. Assim, após dezesseis dias, que nossos anfitriões foram se despedir formalmente de nós, no final de nossa visita, também fui perguntado sobre a classe operária e a situação atual na Europa.
Nesse encontro, discutimos de maneira mais formal a situação atual em nossa parte do mundo. O aprofundamento da crise econômica e social, o desemprego crescente e as forte lutas populares–mas majoritariamente espontâneas. Existem distintas organizações de novos tipos, que muitas vezes possuem uma rede de relações, protestando contra as políticas econômicas destrutivas dos governos e do capital transnacional. Veremos o quão forte elas provarão ser contra a atual e futura ofensiva dos governos. A forma organizacional frouxa é uma defesa contra a repressão do Estado, mas ao mesmo tempo torna a ação coletiva consciente impossível. Fazem 50 anos ou mais, desde o começo de uma descolonização ao menos formal, muitas organizações de solidariedade se moldaram em nossos países. Elas são de diversos tipos. Algumas provaram ter importância real e política. Há também diversos grupos no nível de partidos. São muitas vezes valorosos, mas também não é incomum possuírem desvios sectários bem como não alcançaram a maior parte da classe operária e seus aliados.
Da mesma forma que os partidos oficiais e tradicionais da chamada “esquerda”, os social-democratas, trabalhistas e antigos partidos comunistas, eles são incapazes inclusive de formular uma saída tradicional reformista contra a crise que atinge duramente a classe operária. O que não é estranho já que eles na verdade–como o antigo Partido Comunista na Suécia–recebem financiamento do Estado e não de seus próprios membros? Assim, eles se tornaram estruturalmente incapazes de tomar a liderança, participar ou até de fazer mais do que conversa barata na luta contra as novas guerras imperialistas. Também fizeram de si mesmos ideologicamente desarmados. Não apenas, por motivos econômicos, eles fecharam seus jornais, revistas e lojas de livros, eles também encerraram seus estudos teóricos; desde o reformismo tradicional até os mais ou menos revolucionários. Apenas em um ou outro local, alguns membros individual e regionalmente conseguiram que os grupos de estudos sobrevivessem. Os quadros financiados pelo Estado e seus membros remanescente são portanto feministas ideologicamente vagos e na melhor das hipóteses, algo como–para usar um termo alemão–Revoluzzer (revolucionários).
Em alguns casos, seus partidos receberam infiltração e foram parcialmente tomados por grupos imperialistas. Nos anos 50, era comum o trabalho da CIA nas organizações da “Internacional Socialista”. Um exemplo recente disso pode ser estudado na Alemanha, onde a facção sionista no movimento de juventude– Bundesarbeitskreises Shalom der Linksjugend –, no Verão passado, tomou posse do grupo parlamentar. Foram bem-sucedidos em fazer com que pessoas que trabalhavam em prol do povo palestino, fossem caracterizadas como antipartido e neste Inverno conseguiram ampliar essa descrição de “comportamento antipartido” para que se inclua também o apoio ao povo sírio e iraniano que enfrentam guerras imperialistas.
Também comum foi a maneira onde as organizações por paz, antigamente independentes e honestas, em grande parte centristas, com certa base de massas foram ou desintegradas ou moldadas para apoiar o que se chamam de “intervenções humanitárias”.
Se você ler meu livro, me encontrará discutindo esse problema ao longo de todo o texto. Isso não é tão incomum. Depois de tudo que, nos últimos setenta anos, eu tanto vi quanto de diversas formas tomei parte nos movimentos e assim adquirindo experiência pessoal nas lutas, por vezes, vitoriosas, e em suas derrotas.
Na mata de Dandakaranya, eu deitava à noite em silêncio recitando para mim mesmo o melhor texto que eu conheço que descreve nossa situação:
É o poema “An die Nachgeborenen” dos anos trinta, que Bertold Brecht escreveu no exílio na Dinamarca. Costuma ser traduzido para o Inglês como “To Posterity”[em português foi traduzido como “À posteridade”]. Mas as traduções me parecem que perdem as estrofes–para nossa geração dos países imperialistas – mais valorosas: “Gingen wir doch, öfter als die Schuhe die Länder wechselnd Durch die Kriege der Klassen, verzweifelt Wenn da nur Unrecht war und keine Empörung.” Uma tradução literal seria :
“Ainda que tenhamos andado pelas guerras entre as classes
trocando os países mais do que trocamos de sapatos desesperados, como se houvesse apenas injustiças e nenhuma revolta” Os motivos para essa situação histórica trágica era algo que eu pensei sobre nessas noites que eu deitava no saco de dormir ao lado dos jovens camaradas Adivasi do Exército Guerrilheiro Popular de Libertação.
Por que “apenas injustiças e nenhuma revolta”? Esta é– e tem sido para os movimentos políticos da chamada “esquerda”–uma questão central nos últimos cem anos para mais. Nós na Europa discutimos concretamente em ligação com a derrota da revolução de 1848, a guerra entre a França e a Prússia em 1840, a repressão cruel após a derrota da Comuna em 1871 e o estourar da Primeira Guerra Mundial em 1914.
A classe operária dos países imperialistas se provou incapaz de impedir essas derrotas e guerras. No período de 1914 a 1918, a classe trabalhadora europeia à época principalmente socialdemocrata organizou uma marcha de milhões sem resistência–como bezerros para o abate–para a sua morte na região de Flandres.
Todo esse período em nossos países a partir de então até hoje tem sido caracterizada por manifestações, e lutas políticas e econômicas. Houve grandes vitórias parciais como a derrota da reação de inspiração nazista na Suécia durante os anos trinta; o sucesso da Frente Popular na França, em 1936; o movimento pela paz nos anos cinquenta que na época impediram uma guerra nuclear planejada pelos Estados Unidos; o movimento de solidariedade internacional que se tornou uma ameaça real para o Imperialismo dos Estados Unidos em sua guerra contra os povos do Sudeste asiático cinquenta anos atrás. Nunca se deve esquecer ou menosprezar o que o povo conquistou em suas lutas.
Mas como todos sabemos, tivemos derrotas decisivas. A ascensão ao poder pelas forças hitleristas na Alemanha, a vitória de Franco na Espanha, a mudança de cor e então a degeneração e a dissolução da União Soviética, e a atual incapacidade da classe trabalhadora em se organizar para impedir novas guerras imperialistas.
É um fato histórico que a classe operária e seus aliados em nossos países imperialistas até agora se provaram incapazes de se levantar contra a injustiça. Tragicamente, de forma ativa ou por não se manifestar, deram seu apoio às políticas destrutivas da classe dominante.
Mas por qual razão isso? Uma resposta é aquela que foi discutida por Vladimir Ilych Lenin e Manabendra Nath Roy na comissão pela questão nacional e colonial durante o segundo Congresso da Internacional Comunista em julho de 1920.
M.N. Roy sustentou que: “Ao explorar as massas coloniais, o Imperialismo Europeu é capaz de dar um pouco dos restos para o proletariado da metrópole”. Lenin, naturalmente, viu que o problema existia. Não apenas ele trabalhou intensamente contra essa catástrofe quando o movimento socialista internacional entrou em colapso frente à Guerra Mundial apenas alguns anos atrás, mas como ele disse: “Camarada Quelch do Partido Socialista Britânico falou disso em nossa comissão. Ele disse que as fileiras da classe operária britânica considerariam traiçoeiro ajudar as nações escravizadas em seus levantes contra o domínio britânico”.
Mas Lenin não queria aceitar que essa era a posição das “fileiras da classe operária” em geral, mas apenas a posição da “aristocracia operária” e que a solução real deveria ser encontrada na responsabilidade política da nova Internacional em mudar isso: “Gostaria também de enfatizar a importância do trabalho revolucionário feito pelos Partidos Comunistas, não apenas em seus países, mas também nos países coloniais, e particularmente entre as tropas empregadas na exploração das nações para manter os povos coloniais submissos”.
Com aprendizagem sabemos que o movimento comunista internacional que Lenin buscou desenvolver foi muitas vezes heroico em sua luta por um futuro melhor para a humanidade, mas que não provou ser capaz de cumprir a solidariedade militante necessária com a luta dos povos dos “países coloniais e dependentes”, que ele achou ser necessário.
Ho Chi Minh pode, assim, ser visto como ter estado historicamente correto em 1924 quando ele no Quinto Congresso Mundial da Internacional Comunista criticou a falta de solidariedade dos Partidos Comunistas das potências imperialistas e colonialistas.
Para compreender as razões para isso e o que isso significa para nosso futuro, é primeiramente necessário dar alguns passos para trás para obter uma visão geral e, em seguida, olhar de perto.
Marx foi cuidadoso em apontar que ele não havia sido o primeiro a reconhecer que toda a história é a história da Luta de Classes. Engels, em seguida, quando os primeiros estudos concretos da pré-história foram publicados chegou à conclusão que essa declaração é real em relação a toda história escrita, i.e., é real a partir do surgimento da sociedade de classes.
Nesse período das sociedades de classe, olhe para o Império Romano ou para a sociedade Mongol ou para a Era Dourada nos Estados Unidos após a Guerra Civil ou para a Índia, você verá classes em luta. Mesmo que queira analisar a sociedade oficial de uma ditadura fascista cruel como aquela da Alemanha nazista, onde não só comunistas e socialistas, mas também tendências liberais são proibidas e reprimidas, você vai encontrar como a luta de classes determina suas políticas. Em todos os níveis. Até mesmo os guardas da prisão em campos de concentração têm interesses de classe em contradição com os governantes.
O que Marx viu, à época, foi que o surgimento do capitalismo e a vitória da Burguesia criou uma classe crescente de assalariados “livres”, proletários que não tinham nada a perder. Sua luta, portanto, a longo prazo tornou-se uma luta contra o próprio conceito de sociedade criada pela burguesia.
Esse desafio radical na Europa começou a ser formulado entre os séculos XII e XVII durante uma série de guerras muito violentas e cruéis contra as autoridades feudais pelos camponeses pobres. A Ideologia que eles desenvolveram de suas próprias raízes nacionais e religiosas em suas lutas se assemelha a dos revolucionários camponeses de Taiping na China durante o século XIX. Isso não é estranho. Lutas semelhantes produzem ideologias semelhantes.
Mencionei isso em meu livro também para ligar com o desenvolvimento ideológico durante a luta Naxalita na Índia; as raízes gerais marxistas, maoístas, e o contínuo aprimoramento da teoria através da prática revolucionária.
Para Engels, essas guerras camponesas Europeias de 500 anos atrás eram pré-revolucionárias, fadadas ao fracasso. Não tenho tanta certeza disso. Claro que possuíam objetivos limitados se comparado com aqueles da classe operária de hoje, mas na Suécia e na Suíça, eles foram muito vitoriosos e isso moldou essas sociedades de maneira muito diferente daquela do continente europeu em geral.
É como Hegel apontou, ser impossível fugir de seu próprio tempo. Seria como tentar fugir de sua própria sombra. Mas é possível ver o presente em perspectiva, para determinar o período de seu tempo.
Marx nunca escreveu profecias para o futuro. E mais, ele não–como Engels apontou– escreveu definições; ele escreveu desenvolvimentos. Se voltarmos para certa etapa histórica, digamos a Europa em 1848 ou a Índia em 1944, podemos descrever o que aconteceu e também (com algum esforço) o porquê. Posteriormente podemos indicar as razões. Mas esse caminho específico de eventos na época não era determinado, inevitável, ou, para colocar em termos religiosos, pré-ordenado. Na época, múltiplos desenvolvimento dentro daquele panorama de possibilidades foram abertos. Ou para colocar de outra forma: não existe nenhum grande livro no céu onde tudo está escrito. O homem é um produto de si mesmo e continuamente molda sua própria história (e Marx, Engels, Lenin, Mao não estavam “inspirados”, eles escreveram e trabalharam dentro das possibilidades de seu tempo).
A história sobre os eventos anteriores está sendo continuamente reavaliada. Pode ser uma história apócrifa que Zhou Enlai, quando questionado sobre a revolução francesa respondeu que era muito cedo para comentar. Eu deveria ter perguntado a ele, mas nunca o fiz. Embora ele estivesse certo, claro.
Da mesma forma que não existe fim da história (exceto que pode haver um fim para a humanidade da mesma forma que com certeza existe um fim para minha própria vida). Podemos dizer que o socialismo pode ser o fim da pré-história e o começo da história consciente. Mas isso não seria a sociedade em completa harmonia. Tal contínuo, estado de harmonia duradoura, não pode existir. O conflito de classes desapareceria com as classes, mas como Mao salientou, conflitos continuariam. Mesmo em dez mil anos.
Não estou desviando do assunto. É uma maneira de chegar mais perto das respostas. Porque o que é a experiência da classe trabalhadora e seus aliados durante este atual período histórico? De que guerras estamos falando?
A oficial e forte Segunda Internacional (que tinha descrito com precisão a próxima guerra em seu congresso extraordinário em Basileia em 1912) entrou em colapso como se fosse um castelo de cartas quando a Guerra Imperialista se tornou realidade em 1914. Apesar das décadas de retórica revolucionária, os quadros dirigentes foram cooptados pela classe dominante e as massas neutralizadas para a apatia pela cultura popular nas mãos da burguesia. Os resultados disso foram mortes em massa.
E na prática, M.N. Roy e “Camarada Quelch do Partido Socialista Britânico” mesmo após dessa catástrofe, pareciam ter provado seus pontos pelo que aconteceu na Alemanha hitlerista e após no grande Partido Comunista Francês durante a descolonização do Norte da África após a II Guerra Mundial.
Vejam o Sarre! Em 13 de Janeiro de 1935 o povo do Sarre – que estava sob o jugo da Liga das Nações desde 1920– votou. As eleições foram feitas sob supervisão internacional. A escolha para o povo era entre readmissão imediata na Alemanha ou que continuasse sendo governada pela Liga das Nações.
Desde que Hitler toma o poder em 30 de janeiro de 1933, sindicalistas, socialistas, comunistas, intelectuais e judeus fugiram do terror que estava sendo montado na nova Alemanha do Terceiro Reich através da fronteira para o Sarre.
Os partidos da classe operária no Sarre não eram fracos. O eleitorado era bem informado. O crescimento do terror nazista na Alemanha era bem conhecido. Os campos de concentração, a “noite das facas longas” em junho de 1934, os pogroms antissemitas, tudo era conhecido. Ainda assim, em 13 de janeiro de 1935 em eleições livres e supervisionadas internacionalmente 90,3% votou pelo Hitler.
O motivo não foi algum nacionalismo teutônico estranho. Foram por razões simplesmente econômicas. Ao imprimir dinheiro e embarcar em um rápido rearmamento para uma futura guerra, o governo de Hitler diminuiu o desemprego na Alemanha de 26,3% em 1933 para 14,9% em 1934. (À medida que a preparação para a guerra ia aumentando, o desemprego continuava caindo: 11,6% em 1935, 8,3% em 1936, 4,6% em 1937, 2,1% em 1938). A classe operária e seus aliados apoiaram Hitler– mesmo se muitos quando eram comunistas e socialistas eram um pouco duvidosos– porque a Alemanha estava começando a sentir o pleno emprego e as leis de proteção social e de proteção ao trabalho tornaram-se próximas às dos países escandinavos social-democratas.
Lembre-se, para aqueles que resistiram aos nazistas entre os comunistas e socialistas (ou liberais e cristãos) e para os judeus quaisquer fossem suas crenças sociais e posições, o terror era cruel. Mas alguém que apenas ficasse em silêncio e simplesmente seguisse na onda, a vida era melhor no III Reich do que antes e tanto os pais quanto seus filhos tinham a possibilidade de férias boas e bem organizadas.
Claro que por motivos políticos, não escrevemos isso na época (durante a guerra, inclusive reproduzimos o mito que a Áustria que fora um bastião para nazistas violentos, era um “país ocupado”).
Mas os resultados das eleições no Sarre foram, como eu mesmo me lembro, um choque para pessoas como meus pais e outros social-democratas. E as eleições do Sarre na época determinaram a mudança no Comintern e na política externa soviética. No Comintern se formou uma luta para mudar a antiga política sectária que levou à derrota na Alemanha. Revistas como "Geganangriff" em Praga que até então escreviam como se a revolução na Alemanha estivesse perto e até mesmo o órgão paramilitar "SA", o partido nazista Sturmabteilung, fossem tornar-se anti-Hitler agora publicava artigos mais realistas.
A política externa soviética mudou de rumo em face da ameaça da Alemanha nazista. Pierre Laval foi convidado a Moscou e em 2 de maio de 1935, França e URSS concluíram o pacto de assistência mútua. Como a imprensa francesa informou que ele falou contra a estratégia até então puramente antimilitar do partido francês, "M. Stalin compreende e aprova totalmente a política francesa de defesa nacional ".
Todos sabemos que a tentativa de formar uma frente ampla antifascista contra os “Estados agressores, Alemanha, Itália, Japão” falhou. Isso não foi prova da falta de vontade por parte dos Governos da Grã-Bretanha ou França; pelo contrário, o principal interesse destes era o apaziguamento de seus rivais imperialistas, a fim de jogar Hitler–e o Eixo– em uma guerra contra a União Soviética. Mas por trás desse fracasso estava o fracasso real em mobilizar a classe operária desses Estados Imperialistas em uma frente comum.
Você pode notar o motivo para essa falta de visão política através do fraco apoio da classe operária britânica pela independência da Índia; o sentimento popular geral que havia na França pela independência Argelina, uma geração depois.
Um segmento enorme da classe operária nos países imperialistas “democráticos” tornou-se convencido de que o colonialismo havia trazido a eles ganhos materiais. Mas o pior estava por vir. Durante a II Guerra Mundial, as autoridades alemãs viram que até soldados comuns poderiam usufruir de benefícios diretos por espoliação individual. Hermann Goering fez um ponto específico sobre isso. Através de seus postos comuns, os soldados nos países ocupados poderiam enviar para suas casas o que eles foram capazes de pôr em mãos dos povos subjugados. Ao mesmo tempo, o Estado alemão explorava os países ocupados e dava uma pequena parcela dos rendimentos para o povo alemão. À medida que os países ocupados pela Alemanha se afundavam na pobreza e na fome, o povo alemão vivia melhor do que qualquer outro povo no continente. A pilhagem foi institucionalizada para manter o padrão de vida dos alemães em um nível de “raça dominante”. (Quando chove na galinha, goteja no frango).
Estou bastante convencido que Hitler teria a maioria dos votos em eleições livres mesmo na primavera de 1945. A propaganda era eficaz. A crença nas “superarmas” era geral. Praticamente todo homem arrastado para o exército no Oriente foi direcionado para participar das “limpezas” e sujou suas mãos de sangue em crimes de guerra nazistas. Mesmo que tivessem um medo de que estariam sujeitos a represálias se e quando Hitler morresse. A guerra aérea dos Aliados tirou um grande número de vidas civis (sem danificar muito o esforço de guerra alemão). O serviço de socorro do partido nazista às vítimas da guerra aérea funcionou extremamente bem (você pode ler sobre isso nos diários de Victor Klemperer).
O regime nazista foi genocida. Os horrores dos crimes que cometeu são reais. Mas tinha também uma doutrinação ideológica eficaz e ao mesmo tempo que conseguia fazer os alemães comuns no exército serem cúmplices dos piores excessos, manteve o padrão de vida das pessoas relativamente elevado, explorando os países ocupados. Durante todo o período, a elite burocrática e intelectual – muitas vezes desprezando a vulgaridade dos nazistas –, bem acima do povo comum, ia preparando as diretrizes do que mais tarde – quando o regime Nazista entrou em colapso, mas o Estado alemão mais uma vez era dominante na Europa central – ia se tornar o panorama do que hoje se chama União Europeia. A classe dominante alemã não perdeu a guerra.
Foi esta a situação que mais tarde tornou o trabalho político dos comunistas e outros antinazistas tão difícil naquela zona ocupada soviética que se tornaria a RDA. Eu discuti isso no começo dos anos cinquenta com camaradas muito sinceros que eu conhecera durante a guerra. Alemanha Ocidental, claro, era diferente; lá os velhos nazistas estavam no comando durante os anos de Adenauer. Na época, comunistas e pessoas como eu poderiam ser presos por pensar e escrever fora da linha. Ao viajar de trem pela Alemanha Ocidental naquela época eu tinha o cuidado de manter os jornais e outros materiais em alemão da República Democrática Alemã fora da vista nas pastas.
A crise econômica está se aprofundando. O compromisso pelo qual os reformistas durante os anos pós-guerra asseguraram certa segurança social às massas já despencou. Contra isso, existem protestos de massas mesmo nos Estados Unidos. Claro que ocorrem protestos violentos em países como Grécia e Espanha, que não apenas foram atingidos muito forte pela crise, como foram vítimas de uma nova ofensiva da União Europeia. Lá, a taxa de desemprego cresce no nível da República de Weimar da Alemanha em 1932. As pessoas estão desesperadas. Eles lutam. Mas estão desorganizados. A única força política da Europa que parece estar disposta e capaz de assumir o poder é agora, como nos primeiros anos da década de 30, a bem organizada extrema-direita. A filha do Le Pen hoje no “National Front” levanta questões que são mais próximas das massas enquanto a esquerda francesa é incapaz de falar em termos de classe e não se atreve a abrir a boca para afirmar a necessidade de esmagar seu Estado corrupto e sua economia deteriorada.
A situação que eu descrevo não é nova. O genocídio da população norte americana autóctone “indígena” teve seu quadro moderno legal quando a Lei da Remoção Indígena foi assinada pelo então Presidente Andrew Jackson em 28 de maio de 1830. Essa lei de remoção teve forte apoio popular porque deu acesso à terra.
Nas décadas seguintes, houve conflito intenso e crescente por essas terras entre os Estados escravistas que precisavam dela para algodão, já que suas terras originais haviam se tornado áridas através da exploração excessiva (Georgia estava se transformando de produção de algodão para se tornar um Estado prisão para a reprodução de escravos) e dos novos colonos da Europa. Durante a Guerra Civil, isso foi decidido pela “Lei de Propriedade Rural”, assinada pelo Presidente Abraham Lincoln em 20 de maio de 1862. Aquele que tivesse 21 anos, fosse branco ou escravo liberto e nunca tivesse pegado em armas contra os Estados Unidos poderia reivindicar uma concessão de terras federais.
Isso foi considerado uma lei progressista. Deu aos imigrantes que fugiam do despotismo na Europa, uma chance para uma vida nova, essa lei criou uma classe de fazendeiros independentes que foram um pilar para a forma de república que se moldava após a vitória do Norte na Guerra Civil. Mas essa lei ao mesmo tempo foi uma etapa de uma política de apropriação de terras genocida que viu o seu final em 29 de dezembro de 1890 com o massacre de Wounded Knee, que deu fim à resistência armada dos autóctones chamados "índios", cujas terras haviam sido tomadas.
Isso é importante para nós. Na fase final do século XIX e a primeira do século XX se observaram grandes lutas de classes nos Estados Unidos. A I Internacional se tornou uma grande força política nos Estados Unidos. De época para época, dos anos sessenta do século XIX até hoje, os sindicatos de massas e organizações operárias abalaram a sociedade capitalista dominante. E época após época foram esmagados. O movimento operário dos Estados Unidos tem uma história heroica que deve ser estudada.
Mas devemos compreender que esses movimentos se tornaram possíveis por um genocídio. Os revolucionários refugiados da derrota na Europa organizaram seus irmãos, os operários, por um futuro socialista em uma democracia burguesa que foi possibilitada pela expropriação e assassinato dos povos originários. Essa é uma dicotomia histórica que temos que ver e entender.
Os países imperialistas agora estão em sua pior crise política e econômica desde 1929. Enquanto eu escrevo isso, o povo espanhol que sofreu um baque horrível em 1939 agora possui uma taxa de desemprego de 21,5% próxima àquela do final da República de Weimar e da “ascensão ao poder” de Hitler em 30 de janeiro de 1933.
No entanto, existe uma diferença. Em 1933 as organizações operárias que foram derrotadas na Alemanha eram fortes. Hoje, as velhas organizações, tanto na Espanha como em todos os nossos países aparentam ser fracos, desorganizados e agora há não apenas as diferenças étnicas tradicionais, mas a imigrações estabeleceu novas diferenças. Mas a classe operária e seus aliados não estão silenciados, a luta de classes está objetivamente ficando mais acentuada e existem novos tipos de organizações de massas tomando forma. Para encurtar, a situação está em aberto. Olhando para os Estados Unidos, para não falar da Grã-Bretanha e França, e comparando-os com o que eles eram quando pareciam dominar o mundo, eles certamente estão se tornando tigres de papel. Mas como o presidente Mao disse, tigres de papel possuem garras muito reais e estas estão mudando as guerras imperialistas.
As novas guerras imperialistas nestas últimas décadas possuem algumas características próprias. As guerras e conflitos são objetivados não apenas para ser ganhas, mas para fundamentalmente destruir Estados como a Iugoslávia, Iraque, e a Líbia. Agora mesmo parece que a tentativa é de liquidar também o Irã e a Síria enquanto Estados. É uma distinção qualitativa.
Essas guerras não são apenas guerras coloniais ou imperialistas “normais” para obter controle sobre os recursos naturais e buscar mercados. Claro que possuem motivos econômicos, petróleo por exemplo, mas para isso surge outro interesse. Essas são guerras que visam liquidar a própria estrutura de Estado desses países que, ao desenvolver uma certa independência podem ser vistos como um obstáculo pelos imperialistas dos Estados Unidos e suas sucursais ou rivais. Se comparar o custo econômico total e os lucros dos Estados Unidos em sua guerra no Iraque, você achará o fato aparentemente irracional que, apesar de muitos segmentos da classe dominante terem feito lucros extraordinários dessa guerra, o custo total para os Estados Unidos, de longe, supera os ganhos. Ainda assim, a guerra é uma guerra racional para o imperialismo dos Estados Unidos.
Que essas guerras imperialistas e colonialistas foram cruéis, que as tropas se comportam de forma desumanizada, isso não é novo. Quaisquer descrições das guerras destes últimos séculos dão exemplo disso. As classes dominantes têm, em certos tipos de guerras-guerras coloniais ou civis -, utilizado os métodos mais desprezíveis. Isso não é desconhecido.
Vocês na Índia sabem bem disso. Vocês leram sobre as represálias britânicas durante e depois do que eles chamaram de “motim”! Ainda hoje na guerra contra o povo, as forças governamentais usam de métodos como estupro como uma arma de contra insurgência. Esse estupro organizado não é uma questão de masculinidade e sexualidade; é conscientemente usado para a difamação. Para tentar romper com o orgulho do povo.
A particularidade das guerras coloniais e dos métodos nazistas de guerra– principalmente no Oriente– foi que esses métodos eram usados regularmente; estupro e tortura eram armas políticas. Atos de estupro e tortura e assassinato por motivos privados por outro lado não eram permitidos. Eram considerados crimes. Na Europa ocupada pelos nazistas, assassinato individual de judeus eram punidos de acordo com a lei. Gratificação individual de luxúria sádica em um campo de concentração era severamente punido. Nisto, Himmler era rigoroso. (Algo que os filmes de Hollywood não parecem saber).
Aqui os Estados Unidos em suas guerras nesta última década no Iraque e no Afeganistão demonstram uma distinção qualitativa. A SS torturou e estuprou no curso do dever. Os abusos dos prisioneiros de Abu Ghraib, o ato de urinar em inimigos mortos no Afeganistão, a tortura ritual na Base Naval de Guantánamo são sinais de uma cultura dentro do exército diferente da SS de Himmler. Mas ainda mais importante é a tentativa consciente de destruir uma nação. No Iraque, os Estados Unidos intencionalmente–e em maior medida conseguiram– arrancar e acabar com a própria história e tradição do Iraque. O saque e a destruição de museus e livrarias de máxima importância mundial, o uso do exército para destruir alguns dos mais antigos e mais valiosos pontos históricos do mundo, a dizimação planejada, o assassinato de intelectuais iraquianos, todas estas medidas foram políticas para liquidar com um Estado que ao mostrar sinais de desenvolvimento autônomo, estava sendo considerado uma ameaça a hegemonia regional dos Estados Unidos. Os Estados Unidos estão usando o mesmo tipo de métodos que Roma usou contra Cartago. Pelas mesmas razões.
O século americano durou mais ou menos um século – da Guerra Hispano-Americana em 1898 até os anos atuais. Nas partes do mundo onde o Império tentou diretamente se estabelecer– América do Sul, Sudeste Asiático, Leste asiático – as memórias de violência e cobiça serão marcantes. As regiões onde o império tentou alcançar soberania e dominação cultural como a Europa dominação está se afastando, mas ainda está lá. Todos nós, com vergonha, nos lembraremos nossas retrações, políticos serviçais e acadêmicos. Se a classe operária e seus aliados nesta etapa serão capazes de nos salvar de sermos afundados para um redemoinho criado pelo giro do Império dos Estados Unidos é uma questão em aberto.
Nós podemos e devemos trabalhar e nos organizar. Devemos com a mesma esperança pungente em uma era sombria que tiveram os membros da Resistência durante a ocupação nazista na Europa e os patriotas chineses – os comunistas e seus aliados – durante o período da matança japonesa na China. O objetivo é evidentemente visível, mas não podemos ter certeza do quão longa será a luta a ser travada nessa época amarga na qual o tigre de papel está esbravejando. Apenas nossos descendentes em um futuro próximo ou distante, saberão a resposta para isso.
Fala de Jan Myrdal, na Universidade Jawaharlal Nehru (JNU) em 10 de fevereiro de 2012
Tradução de Gabriel Duccini