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REIMPRESSÕES

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Petróleo, crise capitalista e golpe de Estado


Em paralelo aos ataques mais notórios contra nosso povo trabalhador, o golpe de Estado em andamento em nosso país avança também em outro âmbito, talvez menos perceptível e, por isso mesmo, menos contestado, mas certamente tão fundamental quanto para o êxito dos objetivos político-econômicos dos mandatários deste golpe. Segue acelerado o desmonte de nossa principal empresa estatal, cujos investimentos e descobertas foram os principais motores de qualquer desenvolvimento que o Brasil teve nos últimos anos. A Petrobras, muito mais do que um suposto projeto popular dos governos petistas, foi um dos sustentáculos de um período de relativa prosperidade econômica, base do pacto de conciliação que amorteceu as lutas de classes nos últimos anos em nosso país [1].

Em diversas oportunidades, a União Reconstrução Comunista apontou que a política de conciliação adotada pelos governos petistas teve sustentação econômica, fundamentalmente, em uma conjuntura de alta dos preços das principais commodities exportadas pelo Brasil. Entre elas, evidentemente, o petróleo desempenhou um papel destacado, dada a descoberta das reservas do pré-sal e o próprio valor estratégico que este recurso possui. A Petrobras, após fazer a maior descoberta do ramo neste século, tornou-se uma das empresas mais promissoras do mundo. Sua valorização meteórica a partir de 2007 coincide com o período em que o Brasil e as gestões petistas gozaram de maior prestígio mundo a fora.

A partir da crise capitalista mundial de 2008, entretanto, inaugura-se uma nova conjuntura. Entramos no fim de um ciclo de expansão do capitalismo, anunciando uma nova fase de aprofundamento das lutas de classes e de convulsões revolucionárias por todo o planeta. Nesta nova fase, o parasitismo das burguesias monopolistas, sobretudo norte americana, alcançou níveis sem precedentes na história.

A transferência direta de valores trilionários para as oligarquias financeiras tornou-se prática corrente entre os governos dos países imperialistas. Os programas de “austeridade econômica” foram impostos contra os trabalhadores do mundo todo, sendo o caso da Grécia icônico neste sentido, mas também na nossa América Latina não faltam exemplos menos dramáticos das terríveis consequências destas políticas ultra liberais para a maioria da população. Por fim, guerras foram desencadeadas contra nações que mantivessem quaisquer pretensões desviantes dos interesses das principais potências imperialistas, como a Líbia, Síria e o Iêmen. Tudo na tentativa de garantir uma solução para a crise e uma sobrevida para este sistema de dominação.

Nesta nova dinâmica geopolítica, pautada por um novo aprofundamento nas lutas de classes e por uma insistente crise econômica no modo de produção capitalista, a disputa pelo monopólio das reservas de petróleo e gás natural desempenha um papel central. Não é fortuito que boa parte das nações devastadas pelas últimas incursões militares da Otan sejam ou grandes exportadores destes produtos (caso do Iraque e da Líbia) ou possuam localização geográfica estratégica para o escoamento mais barato deste produto (caso do Iêmen e da Síria).

Também podemos nos atentar ao caso da Venezuela, país detentor de imensas reservas de petróleo e cujo povo escolheu caminhos desviantes dos ditames do imperialismo. Esta combinação entre reservas de petróleo e a existência de um movimento popular anti-imperialista é um dos cenários mais inadmissíveis para a grande burguesia em crise. O fato da estatal venezuelana de petróleo, PDVSA, possuir o monopólio de uma das maiores reservas do mundo, bem como uma capacidade de refino de mais de 3,2 milhões de barris por dia, fornece-nos uma explicação concreta para a cruzada midiática e econômica dos Estados Unidos contra esta nação latino-americana. Assim, podemos descartar todas as “explicações” que baseiam-se em uma suposta preocupação com a violação de “direitos humanos” neste país, como sendo ideologia das mais baratas, beirando o cinismo completo. Basta-nos olhar para a Arábia Saudita, país governado por uma monarquia que viola de forma cotidiana e sistemática praticamente todos os direitos humanos mais fundamentais, e que não deixa de ser um dos principais aliados do imperialismo no Oriente Médio, haja visto suas fabulosas reservas petrolíferas além de sua comprovada subserviência à hegemonia norte americana.

A mensagem passada pelo imperialismo em tempos de crise é bastante clara: se existe um país semicolonial ou dependente que possua grandiosas reservas de petróleo e gás natural, seu governo deverá necessariamente dispor estas reservas de acordo com os interesses dos seus monopólios. Caso aceite estas condições, o governo comprovará sua lealdade e terá cobertura dos principais países capitalistas para realizar quaisquer atrocidades que quiser (caso da Arábia Saudita, Emirados Árabes, Bahrein e outros). Se não aceita-las, deverá se preparar para ser jogado no “eixo do mal” e passar pela demonização midiática, terrorismo econômico, intervencionismo político e, em última instância, agressão militar (caso da Líbia, Síria e em grande medida da Venezuela).

Feitas estas breves considerações sobre a centralidade da disputa por recursos energéticos nesta novo período da luta de classes pelo mundo, voltaremos nossa atenção para o Brasil, para compreendermos a importância (ou a gravidade) do que está acontecendo na Petrobras no contexto do golpe de Estado.

Partiremos da hipótese de que o golpe foi a aplicação da política imperialista, sobretudo norte americana, de encerrar o período de conciliação inaugurado pelos governos petistas, visando estabelecer um governo que oferecesse melhores garantias para seus interesses em nosso país. Trata-se da necessidade do imperialismo aprovar um programa de “reformas” de “austeridade econômica”, visando melhores condições para valorização de seu capital exportado para nosso país. Além da necessidade de garantir o monopólio tanto de recursos energéticos estratégicos, como das patentes das tecnologias de ponta aqui produzidas.

Devemos apontar que o Brasil, mesmo nos anos de governança petista, jamais deixou de ser uma nação subjugada pelo imperialismo, com eminentes atrasos feudais no campo e um forte caráter servil na política. Não são poucas as evidências que poderíamos enumerar para explicitar a persistência, senão o fortalecimento da dominação imperialista em nosso país nos últimos quinze anos [2]. Porém, dada a conjuntura de aprofundamento da crise e consequente queda nas taxas de lucro dos monopólios, podemos conjecturar que a estratégia do PT, sempre em busca da conciliação de múltiplos interesses, muitas vezes francamente antagônicos, tornou-se demasiado lenta e custosa para o imperialismo açodado pela crise e afoito por “mudanças”.

Os limites do presente texto não nos permite uma análise mais pormenorizada destas questões políticas mais gerais. Por hora, devemos nos contentar com as breves considerações feitas até aqui e com a indicação de textos onde estas questões foram desenvolvidas com mais rigor [3]. Neste momento, cabe-nos analisar as políticas petistas em relação ao petróleo, sobretudo a partir da descoberta do pré-sal e sua relação com o golpe de Estado em andamento.

Em outubro de 2013, o Movimento Bandeira Vermelha publicou um texto onde denunciava o caráter entreguista do “Leilão de Libra” [4], marco da política petista em relação ao pré-sal. As principais entidades sindicais dos petroleiros – como a Federação Única dos Petroleiros e a Frente Nacional dos Petroleiros – também se manifestaram contrários ao leilão, defendendo que a descoberta do petróleo na camada pré-sal era mérito exclusivo da Petrobras e que ela deveria explorá-lo em condição de monopólio.

O modelo de “partilha” fora estabelecido para o pré-sal em contrapartida ao de “concessão”, adotado pelo PSDB nos governos anteriores. Ambos pressupõem a entrada do capital estrangeiro para a exploração do petróleo, sendo esta uma semelhança importante entre os dois modelos. Porém, no primeiro existem uma série de condições que devem ser cumpridas para que a empresa estrangeira possa investir. Por exemplo, estipula que o Estado brasileiro fique com um percentual mínimo do petróleo produzido; institui a Petrobras como sócia obrigatória de 30% de todos os poços, bem como operadora única dos mesmos e exige que parte das encomendas de engenharia pesada necessárias para viabilizar as operações sejam feitas em indústrias nacionais. No segundo, por outro lado, a empresa que deseja investir é dona de todo o petróleo produzido, devendo pagar apenas 10% do valor em royalties ao governo (na partilha também pagam-se royalties, no valor de 15%).

O modelo de partilha diz muito a respeito do caráter dos governos do PT: as diversas exigências feitas aos monopólios buscam garantir os acordos tecidos por eles entre as classes sociais brasileiras nos últimos anos. O dinheiro do pagamento dos royalties, por exemplo, seria dirigido privilegiadamente para a educação, visando pactuar com a pequena-burguesia e com a intelectualidade brasileira das universidades públicas, sendo o aparelhamento de entidades como a UNE e UBES são expressões deste pacto. A política de conteúdo local, por outro lado, atendia interesses da média burguesia, visando garantir-lhes um espaço neste mercado altamente monopolizado pelos países imperialistas, sendo o renascimento da indústria naval brasileira nos últimos anos é uma expressão deste pacto. A despeito de todas estas exigências, este modelo posto em prática a partir do Leilão de Libra continua remetendo maior parte do petróleo e das riquezas produzidas para as principais nações capitalistas do mundo. A ilusão de soberania sem romper com o domínio imperialista é patente da política petista.

Neste ponto, é importante lembrarmos que o imperialismo é um sistema eminentemente parasitário, acentuando cada vez mais esta característica após cada crise que atravessa. Como anunciara Lênin, a fase superior do capitalismo é incapaz de oferecer uma saída criadora e progressista para qualquer crise, restando-lhe apenas a rapina e a guerra como tentativa desesperada de sobrevivência.

Logo, é completamente cabível pensarmos que a proposta da partilha poderia ter sido considerada perfeitamente “viável” ou “competitiva” pelos grandes monopólios, caso estes não estivessem arrebatados por uma insistente crise que teima em manter os preços de suas mercadorias em baixa, enquanto o custo dos investimentos não para de subir. Porém, no contexto atual, quaisquer concessões já seriam capazes de despertar-lhes as oposições mais intransigentes.

A crise é duplamente determinada pela oligarquia financeira: no início, foram as “novas tecnologias financeiras” – como a emissão de CDOs ou Swaps [5] –, que criaram a ilusão de que havia sido inventado um capitalismo sem risco. Acreditaram que a partir destas fabulosas invenções econômico-financeiras, eles poderiam finalmente criar dinheiro do nada, dispensando as “inconveniências” de se investir na produção, local onde o trabalho vivo insiste em criar empecilhos para a valorização infinita do capital. Foi este vislumbre do paraíso que levou a um frenesi de investimentos no mercado de ações, alimentando bolhas especulativas por toda parte, sendo que a primeira a estourar foi no setor imobiliário e que rapidamente espalhou-se por toda a parte.

Após a deflagração da crise, a transferência direta de valores trilionários de dinheiro público para bancos norte-americanos, ajudou a manter a economia estagnada, o consumo em baixa e, consequentemente, a atividade industrial em queda. Ao fazê-lo, diminui-se a demanda por matérias-primas como minério de ferro, zinco e mesmo o petróleo. Os estoques destes produtos começaram a ficar abarrotados e, sem perspectiva de uma melhora nos principais mercados consumidores mundiais, os preços são puxados continuamente para baixo. Com efeito, os preços das principais commodities minerais adquiriram uma tendência acentuada de queda nos anos que seguiram a crise de 2008 [6].

Incapazes de enxergar a própria lógica de acumulação tautológica do capital via exploração do trabalho – lógica eminentemente parasitária, despojada de todo seu caráter criador ou progressista – como elemento-causa da crise, a grande burguesia segue sua toada, exigindo que os trabalhadores e as nações subjugadas arquem com todo o ônus da crise que eles mesmos criaram. Para tanto, o recurso à destruição das entidades sindicais; à instalação de uma maior repressão institucional (como as leis antiterrorismo); aos golpes de Estado e à instituição de ditaduras de contornos cada vez mais fascistas, voltam como imperativos para as classes dominantes.

Foi o que se passou no Brasil. Em um período de relativa estabilidade econômica capitalista, os grandes monopólios estavam dispostos a fazer algumas concessões para a gestão petista, tendo em vista que lhes é vantajoso a manutenção da ordem social vigente em relativo equilíbrio. Foi assim que em 2007, após a descoberta do pré-sal e ao fim do primeiro mandato do petista na presidência, a Petrobras era uma das empresas mais promissoras do mundo e Lula era “o cara”, nas palavras de Barack Obama.

Com a crise de 2008 e todos os seus desdobramentos, o cenário se alterou consideravelmente. Em 2015, o presidente do monopólio anglo-holandês Shell, Ben Van Beurden, disse: “estamos no Brasil e estamos felizes (...)”, atestando o sucesso das operações realizadas até aquele momento, porém, ele continua “mas queremos mais... Uma parte significativa do acordo foi ganhar presença maior nas águas profundas (pré-sal) do Brasil”. Em 2016, o mesmo Van Beurden afirmou que a mudança no marco regulatório do pré-sal, aprovado pela câmara dos deputados em novembro e que permite a exploração irrestrita deste recurso por empresas estrangeiras foi “o movimento certo”. Por fim, também em 2016, afirmou que o Brasil de Temer é “seguro para investir”.

O wikileaks revelou em 2010 um interessante telegrama onde José Serra conversa com a diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com Governos da petroleira norte-americana Chevron, Patrícia Pradal, sobre o modelo de concessão em comparação com o de partilha. O tucano diz: “deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo [de concessão] funcionava... E nós mudaremos de volta”.

A promessa feita para o monopólio norte-americano não foi cumprida por Serra no contexto das corridas eleitorais para presidência, conforme ele esperava na época do telegrama. Apenas em 2016, enquanto senador, conseguiu fazer valer sua palavra ao aprovar um projeto de lei que encerra o modelo de partilha e garante todos os benefícios prometidos aos seus senhores. O tucano “consagrou-se”, desta forma, como um dos mais destacados traidores da história de nossa nação. Há de se notar que, para conseguir cumprir a sua tarefa, o golpe de Estado deflagrado meses antes foi um catalisador necessário, acelerando o processo. Por fim, a sanção presidencial de Temer selou um dos maiores crimes já cometidos contra nosso povo.

Conclusão

Feitas estas considerações, podemos enumerar algumas conclusões preliminares:

1. O capitalismo mundial vive uma insistente crise desde 2008 que aprofundou o caráter parasitário deste modo de produção, impulsionou novos ataques e, consequentemente, novos movimentos de resistências populares dos trabalhadores por todo o mundo;

2. No Brasil, esse processo se expressou na falência do antigo modelo petista de gestão e no desencadeamento do golpe de Estado;

3. Este golpe possui um conteúdo fundamental: aprovar todas as mudanças político-econômicas necessárias para que o capital exportado pelas nações imperialistas encontrem as melhores condições possíveis de valorização, buscando fortalecer ainda mais seu controle monopolista sobre nosso país;

4. Existe uma parte deste conteúdo político-econômico do golpe que afeta de modo mais direto e cotidiano as massas trabalhadoras, como a reforma trabalhista e previdenciária, suscitando também maior resistência. Entretanto, existe uma outra parte que é mais “invisível” ao trabalhador, porém não menos importante, relativa à questão do petróleo brasileiro, que acaba sendo negligenciada mesmo pelos militantes mais comprometidos com a luta contra o golpe.

5. Com a mudança do marco regulatório para exploração do pré-sal e o processo de desmantelamento e privatização da Petrobras avançando a passos largos, torna-se urgente que todos os comunistas, progressistas e democratas voltem suas atenções para a questão da defesa do petróleo e demais riquezas naturais do território brasileiro. Assim como lutem pela revogação de todas as leis entreguistas aprovadas pelo governo golpista e garantir que nossas riquezas sejam revertidas em favor de nosso povo.

Guilherme Nogueira

Notas e referências

[1] A tese de doutorado do economista Marcelo Sartorio Loural afirma que a Petrobras é a principal responsável por investimentos produtivos no Brasil nos últimos anos. Em 2013, foram R$ 90 bilhões, o dobro do que investiu a Vale, segunda colocada, com R$ 25 bilhões e outras 72 empresas de grande porte juntas, que investiram no mesmo ano R$ 20 bilhões. Neste cálculo entram apenas investimentos que criaram uma estrutura produtiva perene e um incremento na capacidade produtiva do país.

[2] Poderíamos enumerar a desnacionalização da nossa indústria; fortalecimento do sistema latifundiário (rebatizado como agronegócio); elevadas taxas de juros reais; fortalecimento da repressão estatal, etc.

[3] Indicamos os documentos de análise política da União Reconstrução Comunista: “Sobre o Aprofundamento do Golpe de Estado”; “O Golpe de Estado e suas Consequências” e “Entregar o Pré-Sal é Crime de Lesa-Pátria!”. Todos podem ser encontrados no site: https://www.uniaoreconstrucaocomunista.com/

[4] O texto pode ser encontrado em: http://movimentobandeiravermelha.blogspot.com.br/2013/10/leilao-de-libra-e-submissao-ao-capital-estrangeiro.html

[5] Para uma introdução resumida do que são Swaps ou CDOs, acessar o link: https://prafalardecoisas.wordpress.com/2008/10/10/entendendo-a-crise-o-que-sao-as-tais-das-cdos/

Pode-se encontrar uma explicação mais detalhada no capítulo II do livro de Yanis Varoufakis: “O Minotauro Global, a verdadeira origem da crise financeira e o futuro da economia global”, lançado no Brasil em 2011 pela editora Autonomia Literária.

[6] Ver gráficos no site: http://noticiasmineracao.mining.com/2017/02/03/informacoes-sobre-o-preco-de-commodities-minerais-na-infomine-2/

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