"Dos seringais de ontem às fazendas de hoje"
Desde a concorrência dos seringais asiáticos a comercialização da borracha nativa brasileira vivenciou um longo período de crise. A partir de 1915, a Amazônia começa a perder o monopólio da produção de borracha já que a Malásia, Ceilão e América Central passaram a produzir o látex a custos mais baixos. Vale destacar que as sementes da seringueira foram para a Malásia e outros países oriundas da Amazônia, muitas vezes levadas de forma clandestina. A sobrevivência do homem amazônico no decorrer de sua história sempre foi de muitos desafios e de muito sofrimento. Com o declínio da produção do látex, a região amazônica passa a enfrentar graves problemas sociais e ambientais, fatos que se refletem até os dias atuais. Na década de 1960, o governo brasileiro estabeleceu linhas de créditos e incentivos fiscais para o desenvolvimento da agropecuária na região, ao mesmo tempo em que decretou o fim da linha de crédito para a borracha. Por sua vez, o governo estadual desenvolveu políticas de atração de empresas do Sul do país para adquirirem terras no estado do Acre e implantarem projetos agropecuários. Estes fatores provocaram a venda, grilagem e/ou a desativação de grande parte dos seringais acreanos. Entre alguns deles o Seringal Capatará. A luta pela permanência e sobrevivência de posseiros nas áreas de seringais, ao longo do tempo, causou a desestruturação de famílias e de modos de produção, além de muita violência e morte de posseiros e extrativistas, outro fato que chama a atenção é o visível descaso com a preservação do meio ambiente na sua totalidade, homem/natureza. O Seringal Caparatá localiza-se no limite dos municípios Capixaba e Senador Guiomard. O acesso dos posseiros ao local ocorre próximo à rodovia BR 317, que liga Rio Branco até Assis Brasil, localizado na tríplice fronteira Brasil-Peru-Bolívia. O seringal foi palco de batalhas travadas na época da revolução acreana. Dados afirmam que em 1904, o coronel José Plácido Castro, líder da revolução acreana, comprou as terras do Seringal Capatará, onde foi morto em uma emboscada quando retornava de Rio Branco em direção ao seringal, em 1908. Desde 2004, o Sr. Osvaldo Ribeiro, que se diz atual proprietário do Seringal, vive ameaçando e seduzindo os moradores para realizarem “acordos”. Os acordos passaram a ser “comuns” para nossa região. Os fazendeiros procuram convencer as populações para realizarem acordos que só beneficiam aos patrões. Podemos citar, por exemplo, os seringueiros da bacia hidrográfica do Riozinho do Rola, que vivem numa luta constante para reconhecimento de seus territórios. Para as famílias do Seringal Capatará, o pecuarista Osvaldo Ribeiro “oferecia” 75 hectares de terra. Além de perderem sua identidade, os agricultores nunca se adaptariam a nova modalidade de camponês. Pois sempre viveram do extrativismo e suas terras são medidas pela quantidade de estradas de seringas e quantidade de árvores de seringueira que possuem. Em 2009, um grupo de famílias entendendo que o seringal fazia parte de terras da União iniciou uma ocupação pacífica. Residem na floresta e tiram de lá seu sustento. Por outro lado, o reclamante Osvaldo Alves Ribeiro, poderoso pecuarista, ganhou na Justiça o direito de reintegração de posse apresentando documentos adquiridos no decorrer do processo. O pecuarista ficou conhecido na região, pois em outubro de 2008 entrou na lista divulgada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) como um dos 100 maiores desmatadores na região, ocupando o oitavo lugar. Desmatou uma área de 5.133,000 hectares, sendo multado em 7.699.500,00 (sete milhões, seiscentos e noventa e nove mil e quinhentos reais) que poderiam ser revertidos em reflorestamento. Mas, quem fiscaliza? Quem acompanha para afirmar que o reflorestamento foi realizado? Como sempre quem paga a conta são as pessoas e o meio ambiente. Com a entrada desses novos ocupantes no ano de 2009 aconteceu uma divisão das terras de alguns posseiros que já estavam no local há mais tempo. Esta divisão foi sempre feita na maior harmonia. Mas as ameaças, intimidações e a sedução em realizar acordos por parte do pecuarista intensificaram ainda mais. Citamos alguns acontecimentos que eram comuns no Seringal Capatará. 1 – Jagunços armados intimidando as pessoas; 2 – Ameaças diretas; 3 – Casas queimadas; 4 – Pressão do pecuarista para as famílias deixarem suas colocações; 5 – Os jagunços falavam em alto e bom tom: “meu patrão é bonzinho, se fosse outro já tinha tirado vocês de qualquer jeito”. Na época, o Instituto de Terras do Acre (ITERACRE) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) foram à região e se comprometeram em resolver a situação. No INCRA, as famílias tiveram a segurança que as terras eram públicas. Em 2013, o desembargador Gercino José da Silva Filho, Ouvidor Agrário Nacional e presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, esteve no INCRA de Rio Branco para cumprir agenda. Na ocasião foi realizada a mediação da questão de conflitos agrários no estado. Em relação ao Seringal Capatará, o ouvidor falou o seguinte: "No Seringal Capatará, que é uma área pública da União, existe uma proposta oficial do INCRA que se for aceita pelos fazendeiros vai possibilitar resolver a situação, reconhecendo parte da área como particular, dando segurança aos proprietários e o restante será arrecadado e destinado ao programa nacional de Reforma Agrária”. Mas sua “recomendação” ficou apenas na promessa ou na “recomendação” mesmo. Em agosto de 2016 a Comarca de Capixaba autorizou a execução do mandado de reintegração de posse expedido nos autos nº 0000397-82.2010.8.01.0009, com a retirada de mais de 130 pessoas que ocupavam irregularmente área rural de 2 mil hectares de propriedade do impetrante Osvaldo Alves Ribeiro, popularmente conhecida como Seringal Capatará. O INCRA afirma que “dos hectares que estão sob disputa, 30% seriam da União, mas ainda é necessário provar isso”. A ordem judicial que havia sido suspensa ao menos por três vezes, na tentativa de uma composição amigável entre os ocupantes e o legítimo proprietário da área, resguarda o direito de permanência das famílias que comprovaram judicialmente o direito de posse. Mas, que direito de posse é esse? 29 anos morando no local não tem direito de posse? No Seringal Capatará tem aproximadamente 180 famílias que estão sendo expulsas das suas casas, das suas posses e de suas produções. Na fazenda a polícia impede o acesso, só entram os jagunços, as ordens estão sendo cumpridas de forma arbitrária, a polícia vem fazendo uso de força, casas estão sendo derrubadas com tratores, e nossa história está sendo silenciada, fala emocionado o Sr. Juscelino. Agora está sendo realizada uma mega operação para a reintegração de posse que começou dia 08 de agosto de 2016 e ainda está sendo cumprida devido ao tamanho do seringal. A mesma foi autorizada para 2.000 hectares, mas está sendo cumprida em aproximadamente 5.000, estão tirando moradores que residem no local há mais de 25 anos e até a escola que tinha sido construída pelos próprios moradores a juíza confiscou a chave. No local há 20 caçambas, aproximadamente 50 homens e 02 tratores, para realizarem a reintegração. As famílias não têm para onde ir, algumas foram para casa de parentes, outras estão desesperadas por não terem onde ficar com seus filhos. Seus pertences foram levados para um galpão em Rio Branco, autorizados a permanecerem por dois meses. Além disso, as famílias perderam grande parte dos animais e não poderão colher suas plantações. “Este foi o compromisso que o desembargador Gercino ‘recomendou’”? Onde está o Estado? Para que serve a polícia? Só queremos a nossa terra, plantar e colher, dar o mínimo de dignidade ao nosso povo. Na comunidade existem duas escolas públicas e atendimento itinerante de saúde, e duas seções eleitorais. Nos tiram o direito à terra e mantém nosso direito ao voto. Revoltados, seguimos resistindo, esperamos que não precise de derramamento de sangue para que nossa voz seja ouvida”, desabafa o senhor Juscelino. Reunião sobre reintegração Alguns encaminhamentos discutidos na reunião dessa semana sobre a reintegração de posse do Seringal Capatará: 1 – OINCRA tem até dia 05/09 para entrar com Ação Discriminatória; 2 – O procurador do INCRA vai pedir o Deslocamento da competência. Deslocar o processo do nível estadual para a esfera federal; 3 – Serão realizadas denúncias sobre o abuso de poder da polícia contra as famílias: 4 – Será feito pedido para a juíza do caso liberar a retirada da produção das famílias;
A Reforma Agrária que não sai O ouvidor que não escuta O grito que é silenciado E a esperança? Essa sim permanece entre nós. Seguimos...
Por CPT Acre e Articulação das CPT’s da Amazônia